BUSCA DA ARQUEOLOGIA DA CURA

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

Para compreender a arqueologia da cura, utilizaremos a linguagem do filósofo francês Gaston Bachelar, para congelar as marcas que sulcam os três cortes nos saberes médicos, em quatro mil anos de história:

Primeiro corte: surgiu na Grécia antiga, quando a doença foi abordada fora do domínio exclusivo da divindade, inaugurando a Medicina do corpo.O grande e insuperável avanço, em relação à tradição anterior, reside no fato de que, pela primeira vez, estava estabelecido um sistema teórico coerente, capaz de explicar a doença, a saúde, a terapêutica e o prognóstico. A teoria era simples e competente: para cada um dos quatro elementos de Empédocles existiria um humor corpóreo: ar-fleuma; água-bile amarela; fogo-sangue; terra-bile preta.

A idéia revolucionária dos médicos gregos da Escola Médica, na ilha de Kós, representados por Hipócrates, ficou conhecida como Teoria dos Quatro Humores: “O corpo humano é constituído de quatro humores: sangue, fleuma, bile amarela e bile preta. São os responsáveis pela natureza, saúde e doença”. O equilíbrio entre a quantidade e qualidade dos humores seria o responsável pela saúde; desequilíbrios, as doenças.

Como consequência imediata, esse sistema teórico permitiu aos médicos hipocráticos explicarem a origem das doenças e, de modo adequado, iniciar o conflito de competência com a religião. A epilepsia, tida como doença de natureza divina, foi arrancada do domínio dos deuses:”Quanto à doença que nós chamamos de sagrada, eis o que ela significa: ela não me parece nem mais divina, nem mais sagrada que as outras; ela tem a mesma natureza que as demais doenças e se origina das mesmas causas que cada uma delas. Os homens atribuíram-lhe uma natureza e uma origem divinas por causa da ignorância e do assombro que ela lhes inspira, pois em nada se assemelha às outras”.

Para tratar qualquer doença, bastaria forçar o equilíbrio dos humores por meio de atitudes induzidas para eliminar os líquidos e excreções corpóreos. Os métodos de tratamentos da Medicina oficial passaram a utilizar a sangria e as substâncias provocadoras do vômito, da diurese, do suor e da diarréia.

O segundo corte ocorreu no século 17, quando a doença foi retirada da macroestrutura corporal dos humores para a microestrutura dos tecidos pela micrologia, descrita nos estudos de Marcelo Malpighi (1628-1694), marcando a nova fase dos saberes médicos: a Medicina celular.

O terceiro corte aconteceu com os estudos do frade agostiniano Gregor Mendel (1822-1844), abrindo as portas da Medicina molecular. Como consequência: projeto genoma, tratamentos com as células-tronco, inseminação artificial, extraordinários avanços nos diagnósticos e tratamentos de muitos cânceres.

No futuro, o quarto corte estará ligado, certamente, ao maior domínio do binômio massa-energia que envolve os elétrons, os prótons, os nêutrons e as partículas subatômicas e sustentam as formas e as funções dos seres vivos.

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