DOENÇA NA BÍBLIA II

DOENÇA NA BÍBLIA II

 

MILAGRE DA PERNA AMPUTADA DE SÃO COSME E SÃO DAMIAL, SÉCULO XVII

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

 

Sendo Deus perfeito na sua essência e criador de  todas as  coisas, também  o  era para curar as doenças, como  forma  de representação de poder junto aos homens. Nada poderia ser demonstrativo de maior poder do que aumentar o  tempo de vida dos mortais, porque quanto mais vivessem, menos mortais  se tornariam. Se a doença era a causa determinante da morte e deixava clara a inevitabilidade do fim da vida, só poderia ser em fruto da ação maléfica do anti-deus, também como  forma  de demonstrar o seu poder contrário ao de Deus.

A polarização consolidou a eterna e também mítica luta entre o bem e o mal, visto que,  somente e unicamente pela força  bondosa  de  Deus,  os  humanos poderiam vencer o anti-deus   e superar as doenças.

As  passagens  bíblicas ajudam a tornar  claro  que  os sacerdotes não só estariam autorizados a curar do mesmo modo que Deus, como também são seus representantes na condução da saúde dos homens.

O simbolismo da saúde e da doença, como consciência da materialidade  do corpo foi tão forte que alcançou as promessas escatológicas dos profetas. Algumas delas definem  que,  no fim  dos tempos, não haverá enfermos nem sofrimentos  e lágrimas.

Foi com a escolha nascida da historicidade escatológica do  AT que ocorreu a separação definitiva da religião judaica da cristã. O judaísmo continua esperando o Messias, enquanto o  cristianismo considera a ressurreição de Cristo como a prova de sua identidade como Filho de Deus e a vitória da vida sobre a morte e   promessa  da vida  eterna.

O Novo Testamento (NT) reproduziu muitos parâmetros do AT sobre a manifestação das enfermidades nos homens e da prática dos curadores. Nesses pontos, uma das diferenças marcantes entre o AT e o NT reside na fé de que Jesus Cristo, o filho de Deus tornado homem, curou e ressuscitou os mortos.

Nos muitos registros deixados pelos Apóstolos, Jesus Cristo  encontrou  e  curou  muitos  doentes. Ele compreendeu as doenças de modo semelhante aos  profetas  do  AT  e  o  sofrimento  ligado ao  pecado.

As passagens do NT sobre  as  curas assumiram grande importância na pregação de Cristo porque foram descritas com igual destaque pelos seguidores, que desfrutaram da sua  companhia, e por milhões de outros, ao longo dos séculos que se seguiram, nas incontáveis  representações  na  arte  e  literatura,  desde   os primeiros tempos do cristianismo primitivo.

No  NT,  as doenças também são justificadas pela  equação pecado-castigo, onde a ação do anti-deus sobre a  integridade  dos homens é a grande determinante e sua expulsão do corpo representa a  cura  e o perdão dos pecados . A saúde e a  doença  continuaram sendo  resultantes da luta entre o bem e o mal,  que  simbolizavam,  respectivamente Deus e o anti-deus.

A representação da doença presente no NT assume a forma de uma  consciência corpórea no pecador, cujo peso das faltas cometidas contra a lei de Deus macula a obra da Criação  perfeita em si mesma. A cura dos cegos, leprosos, paralíticos e loucos  acaba por  legitimar o magistério  de Jesus  como  Filho  de  Deus  e confirmar a promessa dos profetas.

Muitas passagens do NT também procuraram desacreditar os adivinhos e fazedores de prodígio,  que  desafiavam  o poder  de Deus. Os milagres assumiram grande significado na legitimação do cristianismo, já que estavam contidos nas antigas promessas dos profetas. Assim,   Jesus Cristo também  foi  compreendido como o  maior  de  todos  os taumaturgos.

Igualmente, é possível perceber diferenças fundamentais no trato  que o AT e  o NT deram aos cuidados coletivos com  a saúde. Enquanto o primeiro é rico em recomendações higiênico-dietéticas, relacionadas com as necessidades da  época, o segundo ficou quase estritamente  ligado ao enfoque salvífico ou condenatório  pessoal.

O poder de Jesus para curar os doentes foi  transmitido aos apóstolos como condição fundamental para evangelização, em Mt 10, 1: Chamou os doze discípulos  e  deu-lhes  autoridade  de expulsar os espíritos imundos e de curar toda a sorte de males  e enfermidades, e  em  Mc 16, 17-18:  Estes  são  os  sinais  que acompanharão  aos  que  tiverem crido:  em  meu  nome  expulsarão demônios, falarão  em  novas  línguas, pegarão  em  serpentes, e  se beberem  algum  veneno mortífero, nada  sofrerão;imporão  as  mãos sobre os enfermos, e estes ficarão curados.

Estas duas passagens do NT representam dois dos mais importantes simbolismos  adotados pelos seguidores de Jesus Cristo para efetivar a catequese cristã nos séculos que se seguiram, notadamente, durante e após o  avanço das fronteiras que se seguiram à colonização das Américas.

 

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