A MATERIALIDADE DAS EMOÇÕES

Os avanços da genética já identificaram muitas substâncias que atuam no controle das emoções que envolvem a dor e o prazer. A maior parte das incontáveis reações químicas específicas processadas no corpo, em cada instante, está voltada para manter o ser vivo e embotar, temporária ou perenemente, as sensações desagradáveis e perturbadoras. Nesse sentido, para manter a vida, parece lógico pressupor que as atitudes específicas, usadas no enfrentar da adversidade temida, minorando o sofrimento do homem e da mulher, tenham sido valorizadas e, continuamente, aperfeiçoadas pela ordem social, por trazerem resposta de bem-estar, a partir dessas reações químicas. As ações humanas entrelaçadas na ordem social, transformando a natureza, para atenuar o desconforto, são imperativas. Estão ligadas direta e indiretamente aos mecanismos neuroquímicos endógenos reguláveis pelas necessidades de cada um. As dores, física e mental, determinadas pela ferida, na carne dilacerada no acidente traumático ou na morte da mulher amada, são sempre temidas. Esse imperativo da vida tem sido a inspiração dos poetas e a arma preferida da insanidade para aqueles que exigem o desmemoriar dos sentidos, a fim de limitar, pelo pavor, o confronto das idéias no exercício da livre consciência. Diversas circunstâncias, do homem chorando a perda do amor ao suplício do torturado pelas ditaduras de todos os matizes, determinam o alerta dos sentidos e modificações significativas em todos os órgãos, em níveis moleculares, hoje inacessíveis. Uma das características mais intrigantes é como a dor altera a noção do tempo. Suportar o desconforto doloroso, por um minuto, é como estar sofrendo na imensidão do infinito. Durante a manipulação dentária, quando a pequena broca alcança o nervo sensitivo, as sensações cerebrais são indescritíveis. Ao contrário, a hora de prazer corre como um breve instante. Por essa razão, é impossível manter, durante muito tempo, a dor fulgurante. De pronto, todos os sentidos natos atiçam para evitá-la ou os sentidos são apagados, pela inconsciência forçada, para aliviar o desastre biológico. Qualquer pessoa ou construção ficcional capaz de interromper o sofrimento é identificada como amigo, aliado na defesa contra o perigo. As reações corpóreas de todos os animais precisam dessas defesas, presentes nas reações químicas regidas pelo genoma, para continuar vivendo e reproduzindo. A espécie humana elabora muitas substâncias específicas, requisitadas pelas trocas sociais e biológicas, independentes da vontade, para modular a dor. Existem moléculas especiais, acopladas às membranas celulares, no sistema nervoso central, capazes de gerar estímulo para secretar substâncias semelhantes ao ópio para conter a dor alucinante e, assim, manter a vida.
A incrível disseminação das drogas proibidas também não é um exclusivo problema social. A sedução exercida pelo consumo ilegal é diferente em cada pessoa. Está contida na individualidade material molecular e é transmitida geneticamente. Não é possível tantas pessoas, espalhadas no mundo, algumas coagidas por métodos brutais, continuassem desafiando com acinte o controle social, mantendo o vício que coloca a vida em risco, sem coerência biológica. As investigações realizadas em animais de laboratório responderam favoravelmente: os animais produzem substâncias para atenuar as dores. O elo com o complexo universo das ideias e crenças religiosas pode estar inserido no mesmo contexto: as emoções expressas na vida social terem materialidade biológica, minorando o sofrimento cotidiano. Os gritos pessoais e coletivos contra a dor e a injustiça têm encontrado, desde sempre, resposta rápida quando oferece solução imediata às angústias carreadas pelo desconforto da insegurança, notadamente, da doença e da morte. O mundo que envolve e forma a coisa sagrada, como resposta à dor, se materializa nas substâncias químicas fabricadas no sistema nervoso na eficiência simbólica dos ritos, da linguagem e da prece, unindo, em atitude mágica de credulidade, num só corpo, o pedinte e o objeto sagrado.

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