MEDICINA GREGA COMO PAIDÉIA

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

A Medicina como especialização social empurrando os limites da morte estava presente nas linguagens-culturas centenas de anos antes esplendor grego.

Por outro lado, as práticas médicas, no Oriente Próximo, nas primeira cidades, se mantiveram ancoradas na complexa relação entre a adivinhação, o mágico, as crenças e idéias religiosas e os saberes historicamente acumulados. Desse modo, naquelas organizações sociais, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico eram executados de maneira sem método e casual, exercida de modo predominante pelos especialistas no trato com a coisa sagrada.

Esses fatores representaram obstáculos intransponíveis para reproduzir os conhecimentos fora dos restritos grupos dos eleitos. Esse pressuposto fica mais claro nas civilizações que se desenvolveram na Mesopotâmia e nas margens dos rios Indo e Nilo. Apesar do notável senso empírico, a Medicina permaneceu contida nas amarras da adivinhação, do mágico.

Os livros sagrados da tradição judaico-cristã estão abarrotados de passagens que enaltecem o poder de Deus sobre a vida e a morte, destacando o empirismo como dádiva divina e o médico no conjunto social:

Dt 32, 39: E agora, vede bem: eu, sou eu, e fora de mim não há outro Deus! Sou eu que mato e faço viver. Sou eu que firo e torno a curar (e da minha mão ninguém se livra).

Sb 17, 20: Ele me deu um conhecimento infalível dos seres para entender a estrutura do mundo, a atividade dos elementos, o começo, o meio e o fim dos tempos, a alteração dos solstícios, as mudanças de estações, os ciclos do ano, a posição dos astros, a natureza dos animais, a fúria das feras, o poder dos espíritos, os pensamentos dos homens, a variedade das plantas, as virtudes das raízes.

Eclo 38, 1-2: Rende ao médico as honras que lhe são devidas, por causa de seus serviços, porque o Senhor o criou. Pois é do Altíssimo que vem a cura, como um presente que se recebe do rei. A ciência do médico o faz trazer a fronte erguida, ele é admirado pelos grandes.

A cultura grega antiga absorveu, sem esforço, as origens míticas da Medicina e as mais antigas alianças que concederam o imenso destaque social ao médico, próximo do divino, como descrito no magistral “Ilíada”, em (XI, 510): “Máxima glória dos povos arquivos, Nestor de Gerena, toma o teu carro depressa; ao teu lado coloca Macáon, e para as naves escuras dirige os velozes cavalos, pois é sabido que um médico vale por muitos guerreiros, que sabe dardos extrair e calmantes deitar nas feridas”.

A presença do médico homérico estava atada, marcadamente, ao espaço sagrado das relações sociais. Macáon, mencionado por Homero, e Podalírio, são os dois filhos de Asclépio, o deus da Medicina grega, que se destacaram na guerra de Tróia.

O deus Asclépio, filho de Apolo com a mortal Corônis conquistou fama inimaginável. Mais cirurgião do que médico, criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas. Junto com as filhas Hígia e Panacéia, era celebrado em grandes festas populares, próximas do dia 18 de outubro, data em que, até hoje, se comemora o dia do médico no Ocidente. A prática divinatória médica continuou forte no universo cultural grego. De modo geral, o herói estava associado à cura, deuses e heróis tinham entre os atributos o dom de curar as doenças e as feridas de guerra.

Na Grécia, do século 4 a.C., a Medicina iniciou o longo processo de libertação das origens míticas e ocupou outros espaços fora da postura mágica oriunda dos tempos ágrafos.

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