DEFESAS DOS CORPOS E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

DEFESAS DOS CORPOS E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

 

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

 

Há muito tempo, sabe-se da estreita relação entre saúde e doença e o modo como as sociedades se organizaram. Hoje, basta comparar o tipo de doença, no mesmo período, nos países industrializados e nos subdesenvolvidos, para se ter certeza da importância da saúde como indicador social.

Depois da publicação dos trabalhos do pesquisador Susumi Tonegawa, o ganhador do Nobel da Medicina de 1987, esclarecendo algumas dúvidas de como ocorre a variação dos aminoácidos dos anticorpos produzidos pelos linfócitos B. Tonegawa demonstrou que quando o linfócito B se desenvolve, segmentos do seu material genético são selecionados e misturados para formar novos genes, dando origem a milhões de seqüências variadas de aminoácidos, capazes de efetuar com mais competência a defesa do corpo humano contra as agressões micro e macroscópicas vindas do exterior.

Como conseqüência imediata dessas pesquisas, é possível afirmar que pelo menos parte da estrutura genética do homem é móvel e capaz de desenvolver durante a vida uma infinidade de combinações gênicas adaptativas. Para que este mecanismo biológico ocorra na sua plenitude, é indispensável que o corpo disponha da mais importante fonte de energia ‑ o alimento.

Deste modo, caiu por terra, por meio da demonstração científica, os pré‑supostos étnicos racistas alimentados pelos interesses dos diferentes matizes ideológicos. Isso significa que as crianças subnutridas dos países pobres não poderão competir, em igualdades de condições, com outras dos países industrializados, onde a oferta de alimentos, indispensável para a maturação do genoma, é feita em níveis calóricos adequados. A demonstração pode ser também feita pela leitura do quadro de medalhas das olimpíadas, onde os atletas do Terceiro Mundo ficaram com 5% dos melhores índices.

É indiscutível que estamos nos afastando rápido, nos últimos anos, da medicina classificatória representante de um conhecimento contido num espaço hermético e inquestionável, para colocar a doença no contexto mais abrangente e complexo das relações sociais do homem.

Os conceitos positivos da imobilidade da saúde e da doença foram substituídos pela convicção da existência do equilíbrio dinâmico entre ambas, onde ter a doença não significa, necessariamente, estar doente. Esta  tendência está mais clara a partir do século XIX, quando o médico abandonou o conceito restritivo da saúde e adotou o da normalidade, provavelmente motivado pela  melhor compreensão da fisiologia experimental, em plena efervescência, nos trabalhos de Claude Bernard.

Este primeiro momento, ficou impregnado da necessidade de  explicar como tudo funcionava no corpo. Como o mecanicismo dominava os meios acadêmicos, a máquina foi escolhida como o modelo ideal. O corpo humano passou a ser comparado a um grande relógio, onde as doenças eram somente desajustes na engrenagem.

Entretanto, essa interpretação não encontra suporte na História. A certeza da importância do sócio‑cultural produzindo doença no homem, já estava presente nos livros sagrados, escritos há milhares de anos.

Naquelas épocas, os legisladores utilizaram os poderes disponíveis e interferiram nos hábitos coletivos de populações inteiras. Assim conseguiram determinar,  ao longo dos séculos que se seguiram, modificações na cadeia epidemiológica de muitas doenças.

O exemplo histórico de fácil verificação é o câncer do colo uterino, com baixa prevalência entre as judias. A atual explicação é dada pela cirurgia da fimose feita obrigatoriamente nos homens judeus no sétimo dia após o nascimento. Com isto, o prepúcio do pênis fica livre facilitando a higiene e impedindo que o vírus Epstein‑Baar, relacionado com a etiologia do câncer do colo uterino,  se aloje no secreção que está presente na glande.

O câncer do pênis é o outro lado da mesma questão. Ele é muito freqüente nos homens cristãos portadores de fimose. O Nordeste brasileiro, como todas as outras regiões do mundo subdesenvolvido, onde o homem enfrenta enormes dificuldades de sobrevivência, apresenta uma das maiores prevalências do mundo neste tipo de tumor maligno.

Nas sociedades industriais, a necessidade rápida de mão de obra, impôs a atual complexidade aos sistemas de saúde, com efetiva participação dos médicos e do Estado. O povo passou a ser melhor, de modo crescente, para cumprir normas oficiais de higiene. Esse conjunto de ações representa, do mesmo modo que nos templos bíblicos, a  resposta das sociedades atuais ao inevitável aparecimento de novas formas de doenças.

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