HISTÓRIA DA MEDICINA

                                                      

 

Prof.Dr.HC JOÄO BOSCO BOTELHO

 

 

     A primeira idéia para propor para a inclusäo da Disciplina da História da Medicina no currículo do Curso de Medicina nasceu, entre os anos de 1984 a 1986,na participaçäo do Projeto Eden  do ex‑Departamento de Medicina Especializada da FUA.Naquela oca­siäo,foram levantados dados sócio‑nosológicos no Município de Coari e no bairro Novo Paraíso da periféria urbana de Manaus.

     Durante o desenvolvimento dos trabalhos de campo da pesqui­sa,foi consolidada a certeza de que grande parte da medicina praticada no Hospital Universitário estava muito distante da compreensäo de saúde e doença das três mil pessoas entrevistadas.                Posteriormente,publicamos uma série de dez artigos nas páginas de A CRíTICA,enfocando alguns aspectos do processo de transformaçäo dos saberes médicos no Ocidente.  

     Algum tempo após o término dos trabalhos,seguiram‑se as reuniöes no Departamento de História,com o objetivo discutir o programa,a metodologia e a bibliografia.Foram três anos de luta para vencer as oposiçöes incompetentes !      Finalmente a Disciplina de História da Medicina está sendo oferecida,em horário noturno,em caráter opcional,pelos Departa­mentos de Clinica Cirúrgica e de História.

     A análise da atual metodologia do  ensino médico mostra que apesar das transformaçöes ocorridas na nossa sociedade na segunda metade desse seculo,näo houve mudança concreta nos currículos das escolas.Continuamos valorizando mais a morfologia das doenças já instaladas e desprezando os componentes sócio‑culturais.

     Basta comparar o tipo de doença e morte no mesmo período dos países industrializados com os subdesenvolvidos para se ter cer­teza de que a saúde é um indicador sócio‑cultural importante,tor­nado mais evidente depois da Segunda Guerra Mundial,quando o empobrecimento dos povos latinoamericanos se tornou mais agudo.

     Existe uma tendência para substituir os conceitos positivos da imobilidade da saúde e da doença pela convicçäo da existência do equilíbrio dinâmico entre ambos,onde a relaçäo do homem com a totalidade social é muito importante.

     Essa posiçäo está muito clara na História.A precupaçäo e a certeza da importância do socio‑ cultural produzindo doença no homem já estava presente nos livros sagrados,escritos há milhares de anos.Naquelas épocas,os legisladores utilizaram os seus pode­res disponíveis e interferiram nos hábitos coletivos de popula­çöes inteiras.Com essa atitude conseguiram determinar, ao longo dos séculos que se seguiram,modificaçöes na cadeia epidemiológica de muitas doenças.

     Afora os patrulhamentos ideológicos patrocinados pelos que enchem de vergonha a pluralidade política universitária,o ensino médico tem feito progressos reais para deslocar as barreiras do imobilismo.Novos cursos e disciplinas já foram criadas ajudando o aluno situar historicamente os pontos importantes da saúde públi­ca e fornecer os subsídios capaazes de sustentar os marcos teóri­cos na busca de soluçöes para os problemas que corroem a saúde de milhöes de brasileiros.Só assim evitaremos as posiçöes políticas dogmáticas montadas na fantasia das leituras superficiais das orelhas dos clássicos da ciência política.  

     A doença,nas suas diversidades de apresentaçäo,sempre acom­panhou o homem ao longo do seu processo de humanizaçäo.Sob este ponto de vista é possível entendê‑la como uma forma de expressäo da vida,onde cada cultura, cristaliza ao longo do tempo as suas próprias condiçöes de luta para o enfrentamento

     Com as pressöes impostas pela industrializaçäo acelerada do Ocidente,o ensino da medicina passou a considerar somente como verdadeiro e produtor de saúde as relaçöes científicas vindas dos laboratórios de pesquisa.Tudo apoiado na certeza de que a utili­zaçäo de aparelhos para intermediar a açäo médica seria responsá­vel,em futuro muito próximo,pela melhoria das condiçöes de saúde do homem.

     Os anos que se seguiram mostraram exatamente o contrário|  a melhoria da vida coletiva e o aumento da longevidade näo está atrelada à parafernália da tecnologia médico‑industrial e a su­permedicalizaçäo e sim às medidas básicas de saneamento,mora­dia,educaçäo,trabalho e lazer.

     Contudo,essa posiçäo inflexível, ditada pelos interesses econômicos dos países industrializados,contribuiu para a atual situaçäo de descalabro em que se encontra a prática médica no nosso meio.

          O abuso dos medicamentos e da tecnologia de alto custo,as cirurgias desnecessárias e profissionais simulando trabalhar em lugares diferentes ao mesmo tempo,säo parte da roti­na de uma profissäo que é cada dia mais criticada e repudiada.

     O resultado final foi a entrada definitiva da medicina  no consumismo incontrolável da produçäo industrial,sem que tenhamos qualquer comprovaçäo  de que  este fato tenha participado para a melhoria da qualidade da vida.                                                                       

     A doença näo existe só em si mesma.É uma entidade abstrata que o homem nomina,relaciona e classifica.Os sinais e  sintomas que ela determina no corpo humano fazem com que a observaçäo da doença no doente seja o ponto de partida para a concretizaçäo da nosologia.Esta é um dos pilares que alicerçam a abordagem da enfermidade näo somente como um fenômeno biológico,mas principal­mente como parte da totalidade socio‑cultural do homem.

     Ao longo da História,o controle das endemias sempre esteve diretamente ligado a essa realidade.O historiador LE GOFF é enfá­tico a esse respeito: “La  maladie n’appartient pas seulement à l’histoire superficielle des progrès scientifiques et technologi­ques mais à l’histoire profonde des savoirs et des pratiques lies aux structures sociales,aux institutions,aux representations,aux mentalites”. 

     Aqui reside um dos pontos cruciais do atual entendimento da medicina enquanto pratica social|  é preciso que as nossas esco­las de medicina repensem a sua metodologia para que os seus alu­nos compreendam a dimensäo social da doença no conhecimento plu­ralista.

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