DEONTOLOGIA E DISCEOLOGIA MÉDICA

 

DEONTOLOGIA E DISCEOLOGIA MÉDICA

 

 

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

 

 

O termo “deontologia” (grego déontos = o que é obrigatório, necessário + -logia) tem origem na primeira metade  do século 19, relacionado aos escritos do filósofo inglês Jeremy Bentham, para especificar os saberes da ética relacionados aos deveres relacionados às normas morais. Também pode ser compreendido como a Teoria do Dever.

O termo disceologia ou diceologia (do grego = dikaio + logía) está relacionado aos estudos dos direitos profissionais.

Desse modo, os direitos e deveres do médico, como em outras áreas dos conhecimentos, para melhor compreensão, devem estar inseridos na historicidade da ética e da moral, que amparam as boas práticas voltadas ao beneficio de pessoas e populações.

 

 

Considerações sobre a historicidade da ética e a possibilidade de uma ética pré-social

 

O alfabeto grego possui duas letras “e” longo = eta e o “e” curto = epsílon. Dessa forma, êthos com a letra eta significa: característica, modo habitual de se comportar; éthos com a letra épsilon, corriqueiro, costume, usual. O processo histórico linguístico impôs semelhança etimológica entre os dois termos: ambos estão vinculados à virtude. Talvez também por essa razão, no cotidiano, a ética oriunda da tradição grega tem caminhado ao lado da moral.

A palavra “moral” é de origem latina, “mores” significa “costume”, mas não qualquer costume, e sim estritamente aderido à virtude. Assim, Kant de modo genial caracterizou a ação moral, em caráter universal, plena de virtude e realizada, exclusivamente, por dever legalista, em respeito às leis.

Em muitas circunstâncias, essa característica universal da ação moral, citada por Kant, isso é, a busca incessante para que o comportamento humano estivesse sempre ao lado da virtude, independente do processo fiscalizador, ultrapassa as relações sociais em si mesmas. Não é impertinência pensar que esse desejo humano, desde um passado impossível de precisar, de valorizar a virtude, como antagonismo ao vicio, seja um processo sócio-genético gerado ao longo da humanização, ligado à sobrevivência desde os ancestrais mais distantes.

Incontáveis culturas, nos quatro cantos do mundo, pelo menos desde os primeiros registros de natureza religiosa e laica, continuam lutando para instrumentalizar regras valorizando a ética junto da moral como características insubstituíveis e universais, como genialmente Kant descreveu, da condição humana.

Dessa forma, é possível articular um pensamento teórico entendendo esse conjunto como pré-social, isto é, inserido na herança genética, ao longo da ontogenia, resultando na existência de uma ou mais memórias-sócio-genéticas (MSGs) ligadas à valorização da virtude, da moral, da ética, como instrumentos para adequar a sobrevivência coletiva e superar os contrários que dissolvem sem reconstruir. Simultaneamente, essas MSGs também interferem na manifestação pessoal e coletiva dodesprezo ao vício que corrompe e compromete a sobrevivência.

Esse conjunto organizador social presente nas MSGs da espécie humana, vinculado à sobrevivência, atado ao ajuste ético-moral, no processo da ontogenia, amparando a vida pessoal e coletiva claramente desprezando o vício (aqui compreendido como oposição ao ético-morais, à virtude) se manifesta socialmente por meio de categorias metamórficas, também presentes nos cinco continentes, entre culturas que nunca mantiveram contato, amparando a sobrevivência pessoal e coletiva:

É possível entender a possibilidade da existência da ética pré-social por meio de certas categorias metamórficas:

– Linguagens-culturas;

– Idéias e crenças religiosas edificando pontes entre os seres-tempo (pessoas visíveis, mensuráveis) e os seres-não-tempo (deuses e deusas invisíveis, não mensuráveis);

– Relações médico-míticas exigindo comportamentos específicos, inseridos em éticas valorizando a fidelidade, para que os seres-tempo recebam as dádivas curadoras de doenças e sofrimentos dos seres-não-tempo;

– Dores-históricas trazendo à memória certos sofrimentos coletivos, sempre lembrados por meio do conhecimento historicamente acumulado e socialmente muito mais poderoso e significativo de que as dores-pessoais. Podem atuar como efeitos multiplicadores dos alertas pessoais e coletivos, ligadas às lembranças recentes e ancestrais, contra situações visíveis ou imaginadas que lembram dores ou ameaças dos sofrimentos.

O fato de na atualidade, ainda não existem mecanismos na engenharia genética capazes de identificar os genes e as respectivas proteínas que ativam as MGSs, não invalida a construção teórica da existência da ética pré-social.

É difícil atribuir a atávica busca da virtude somente às relações sociais!

Em incontáveis ações humanas, sejam pessoais ou coletivas, nos grupos sociais das mais diversas etnias, nos quatro cantos do planeta, existem fortes indicativos de esse encanto coletivo pela virtude, ético-moral voltado ao bem comum, seja motivado por impulsos que transcendem o exclusivamente social.

Sob essa perspectiva, os significantes da ética ligada à moral, oriundos da escrita grega, com o “e” longo, o eta, ou com o “e”curto, o épsilon, reproduzem importantes e indispensáveis mecanismos sócio-genéticos da sobrevivência da espécie humana, materializados nos códigos de ética de muitas atividades, nas quais a ética médica é somente um deles.

 

Práticas e agentes da Medicina-divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial

 

Ainda em torno da associação entre o ético-moral gerando o bem, o bom, o melhor, antepondo-se ao vicio ligado ao mal, ao mau, ao pior,  é interessante assinalar um ensaio teórico para apreender a ética médica integrada à virtude. Na tese de doutorado, defendida em Paris, em 1955, intitulada “A ética médica”, o professor Derrien, firmou relações conceituais da ética médica voltada ao benefício do paciente, isto é, aos bons resultados das práticas médicas. No entendimento desse conceituado professor, é possível entender a virtude kantiana nas práticas médicas, obrigatoriamente, ligada ao “bem”, ao “bom”, no qual o médico controla a dor e adia os limites da vida, sempre festejado pelo doente. Dessa forma, seria inadmissível pensar a Medicina como uma especialidade social para provocar a dor ou a morte. Essa vertente ligando a ética médica aos bons resultados entendidos como “boas práticas”, gerando bem-estar ao doente, está presente na historicidade e na maior parte das atuais abordagens teóricas referenciais.

Nesse sentido, é possível resgatar relações do conhecimento historicamente acumulado atando a ética médica à boa prática, entendida pelo senso comum como aquela que oferecia bons resultados às demandas da clientela atados às ações que deveriam, obrigatoriamente, trazem melhorias à vida pessoal e coletiva.

A historicidade dos códigos de éticas da Medicina-divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial se construiu entendendo os respectivos curadores como especialistas sociais que devem saber controlar a dor e aumentar os limites da vida:

– Medicina-divina:

Fortificada nos templos dedicados às muitas divindades, cujos agentes, sacerdotes e sacerdotisas, reconhecidos como intermediários dos seres-não-tempo, deusas e deuses curadores, com forte destaque social, ofereciam a cura e a adivinhação por meio de rezas e encantamentos. Como uma facção muito forte, nesse conjunto, os adivinhos floresciam como alternativas para superar as adversidades futuras. Nesse caso, quem se mostrasse capaz de adivinhar o futuro para impedir a doença ou o sofrimento, além de desfrutar da imaginada ligação com os seres-não-tempo, também eram reconhecidos como curadores competentes. Apesar de terem existido outras fórmulas divinatórias, especialmente na Mesopotâmia, a leitura do fígado do carneiro sacrificado ritualmente era a mais importante, a ponto de terem produzidos vários textos em escrita cuneiforme, que ensinam os procedimentos mais adequados para adivinhar o futuro por meio da hepatoscopia. É possível que a escolha do fígado como a parte corpórea mais importante estivesse relacionada ao predomínio sanguinolento do órgão, mesmo imediatamente após a morte do animal, reproduzindo conhecimento historicamente acumulado, muito anterior ao sedentarismo, do sangue como elemento vital que ligava os ancestrais aos outros animais. Enfim, alguns registros, nas tábuas de escrita cuneiforme, atestam que os agentes das três Medicinas, na Mesopotâmia, além de curadores e encantadores, eram reconhecidos como exímios adivinhos. Essa característica dos curadores, na Mesopotâmia, não passou despercebida aos que redigiram alguns livros do Antigo Testamento, no período do cativeiro mesopotâmico, que demonstram forte influência da adivinhação.

– Medicina-empírica:

Desde o passado distante, nas primeiras cidades, também com forte partilha com as idéias e crenças religiosas, os agentes que compreendem parteiras, erveiros, encantadores e benzedores, homens e mulheres sem escolaridade, exercem as práticas fora dos templos. Até hoje, em muitas linguagens-culturas, são respeitados e festejados. Particularmente importantes porque dominam certos conhecimentos historicamente acumulados dos recursos da natureza circundante.

Heródoto, no seu extraordinário livro “História” descreveu um dia de festa, numa praça, na Mesopotâmia, quando doentes e curadores se encontravam, para buscar as curas das doenças nos exemplos de doentes que tiveram algo semelhante e se curaram fazendo ou bebendo isso ou aquilo. Ao cruzarem com alguém que apresentava sinais e sintomas de alguma doença que sabiam como curar, os curadores paravam para orientar, oferecer o tratamento.

– Medicina-oficial:

Muitíssimo mais recente em relações as anteriores, tanto na Mesopotâmia, quanto em outras culturas que se organizaram e prosperaram, no segundo milênio a.C., os processos dos aprendizados, amparados pelos poderes dominantes, na formação do médico, como o único agente da Medicina-oficial, estavam dentro dos templos das divindades curadoras mais importantes. Também por essa razão, é possível compreender, historicamente, certos laços da Medicina-oficial com as idéias e crenças religiosas. Por outro lado, também é importante relembrar que, desde aquelas culturas, tem havido inter-relação entre os agentes das Medicinas-divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial.

A Medicina-oficial é a única que construiu, desconstruiu e continua reconstruindo propostas teóricas para desvendar as etiologias das doenças nas dimensões cada vez menores da matéria. Historicamente, tem vencido as barreiras para diminuir a abstração e aumentar a materialidade das doenças.

Parece razoável pressupor que o conhecimento historicamente acumulado, desde os primeiros registros do médico como personagem social, se ajustou na maior inclusão dos curadores (aqui compreendidos tanto os médicos, como representantes da Medicina-oficial, aquela amparada pelo poder dominante, quanto os benzedores, erveiros, parteiras, sacerdotes, encantadores e muitos outros agentes da Medicina-divina e da Medicina-empírica) que obtinham melhores resultados nos respectivos procedimentos de curas. Do outro lado, nos mesmos milhares de anos, os curadores que não conseguiam firmar o reconhecimento coletivo em torno da competência na solução dos problemas expostos pelos postulantes, não recebiam o reconhecimento coletivo.

Entre esses dois grupos — aquele obtendo bons resultados e os que não satisfaziam as demandas dos doentes —, as organizações sociais, em diferentes instâncias, ao mesmo tempo em que reconheciam e nominavam o médico, compondo parte do conjunto das profissões, procuraram refletir, identificar, coibir e punir a má prática médica, estabelecendo critérios na edificação da historicidade da ética do médico.

De modo geral, a má prática esteve e, de certo modo, continua mais atada ao resultado desfavorável na busca da cura do doente, seja pessoal ou coletivo. Nenhum procedimento médico, no passado e no presente, tem sido aceito se provoca piora no estado de saúde do doente.

Esse esboço normativo ético-moral voltado aos bons resultados, no movimento de secularização das práticas médicas, claramente exposto no Código de Hammurabi, no século 16 a.C., culminou com o aparecimento na Grécia, no século 4 a.C., do conceito de deontologia (do gr. déontos, “o que é obrigatório, necessário” + logia), que evoluiu para “o estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral”.

A palavra deontologia ligada à prática médica, em torno do conjunto ético-moral, apareceu pela primeira vez, em 1845, no Congresso Médico de Paris, no trabalho do médico M. Simon intitulado “Deontologia médica ou dever e direitos dos médicos no estado atual da civilização”.

De modo geral, os códigos de ética do médico e deontologia comportam três fundamentos estruturantes, reafirmando mais o indivíduo em relação ao coletivo, reforçando a proximidade com os bons resultados das práticas e a consequente satisfação dos doentes. Na atualidade, caminhando paralelamente aos avanços da ciência e da tecnologia pode comportar os sequintes aspectos :

– O médico deve estar sempre a serviço do indivíduo, respeitando a vida e sua dignidade, e da saúde pública;

– O médico deve exercer a profissão com liberdade de decidir, prescrever e indicar tratamento, ao mesmo tempo em que o doente deve manter a liberdade de escolher o médico para dirigir o tratamento. Essa plena liberdade dos médicos deve estar atada ao conjunto de explicações por meio dos “termos de consentimentos livres e esclarecidos” para que o doente tenha maior conhecimento da doença e do tratamento proposto;

– O médico é responsável pelos seus atos entendidos como valores de competência amparada na ciência.

De modo geral, mais entre os doentes, há dificuldade de separar os bons resultados da má prática, isto é, se ocorreu a cura da doença causadora da dor e adiando os limites da vida, não existiria má prática. Continua sendo mais impactante, desde o Código de Hammurabi, associar os maus resultados à má prática. Em associação, mais entre os médicos, na Medicina-oficial, torna-se especialmente importante separar os bons resultados da má prática, isto é, em determinadas circunstância poderia ocorrer “bom resultado” determinado pela má prática. É possível que alguns maus resultados estejam também vinculados aos incontáveis vetores de incertezas e variáveis que regem o funcionamento do corpo. Dessa forma, parece lógico pressupor que os conceitos que entendem e julgam as más-práticas e os maus resultados têm variado, nos tempos e nas sociedades, junto aos processos da melhor compreensão da fisiologia do corpo.

Esse caminhar tem sido adaptado nas propostas terapêuticas, aceitas como boas práticas, ajustadas à busca da materialidade das doenças, na direção das menores dimensões da matéria viva. Logo, algumas ações médicas éticas, aqui compreendidas como aceitáveis, no medievo europeu, hoje, não recebem o mesmo entendimento.

Por outro lado, Tão ou mais importante do que a obtenção dos bons resultados, a historicidade da ética do médico incluiu como essencial na relação médico-paciente o respeito à dignidade do paciente, exposto com absoluta clareza de modo genial, pela primeira vez, no “Juramento”, da Escola de Cós, sob a liderança de Hipocrátes, na Grécia do século 4 a.C.

 

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidade da doença nas primeiras cidades

 

– Mesopotâmia

 

Nas culturas que se desenvolveram mais intensamente, durante no segundo milênio a. C., no Oriente, as práticas médicas também estavam claramente dependentes das idéias e crenças religiosas por meio de muitos deusas e deuses taumaturgos. Não existia um processo teórico para explicar a saúde e a doença fora das idéias e crenças religiosas. O primeiro a reconhecer e legislar a prática médica, atribuindo deveres e direitos aos médicos e doenças, além de estabelecer o valor jurídico do pagamento pelos serviços médicos e penalidades pela má prática, foi o rei Hammurabi (1728-1686 a.C), da Babilônia, autor do código de Hammurabi.

Em 1531 a.C., o rei Hitita Mursuli I saqueou e incendiou a capital babilônica. O último descendente de Hammurabi, Sansuditana (1561-1531 a.C.) parece ter morrido nessa batalha. Acredita-se que os elamitas, sob o comando do rei Shutruknahhum, invadiram a Babilônia no ano 1.155 a.C. e levaram como presa de guerra para Susa a pedra de diorito negro, onde está gravado na escrita cuneiforme, o código de Hammurabi.

Foi a expedição arqueológica francesa de Morgan, nas escavações da acrópole da capital elamita de Susa, quem encontrou o diorito negro com dois metros de altura, contendo o código, hoje, conservado no Museu de Louvre, em Paris.

Apesar de o código de Hammurabi não ter sido a primeira tentativa de legislar o comportamento do homem, fora das crenças e idéias religiosas, sem dúvida, foi pioneiro para reconhecer o trabalho médico como capaz de gerar conflito social suficientemente forte para provocar resposta disciplinadora da autoridade dominante.

Antes de Hammurabi, outros dirigentes legislaram, no Oriente Antigo, as relações sociais do homem. Os mais conhecidos foram: o código do rei Ur-Nammu (2050-2030 a.C.), a coleção de leis de Urukagima, de Lagas, da mesma época, o código do rei Bilalama, de Eshnuma, (1825-1787 a.C.) e o de Lipit-istar, de Isin, (1875-1865 a.C).

O Código de Hammurabi permite entender certos critérios, sempre em torno dos bons resultados, das leis que regiam a ação médica, na Babilônia, governada pelo rei Hammurabi. Os artigos que penalizavam ou premiavam o trabalho médico estão contidas na coluna que , regulamentava os direitos e deveres dos barbeiros, pedreiros e barqueiros.

Torna-se necessário para a compreensão da importância social da prática médica naquela região, conhecer a divisão dos diferentes extratos sociais. O primeiro e mais importante grupo que compunha a sociedade babilônica, rigidamente hierarquizada, os awilum, homens e mulheres livres: funcionários da administração pública e pagos pelo rei, escribas, sacerdotes, comerciantes, camponeses e grande parte dos soldados. O segundo grupo compreendia os muskenum. Apesar de os registros históricos serem escassos e não se sabe exatamente o papel social desempenhado por eles, sabe-se que exerciam papeis intermediários entre os awilum e os escravos.

A regulamentação da ação médica contida no código de Hamurabi cita a inequívoca relação da ética do médico ligada aos bons resultados do trabalho médico.

No parágrafo duzentos e quinze e nos seguintes consta:

–       215: Se um médico fez em um awilum uma incisão difícil com uma faca de bronza e curou o awilum ou se abriu a nakkaptum (supercílio) de um awilum com uma faca de bronze e curou o olho do awilum: ele tomará dez sicios de prata.

–       216: Se foi o filho de um muskenum: tomará cinco sicios de prata.

–       217: Se foi o escravo de um awilum: o dono do escravo dará ao médico dois cicios de prata.

–       218: Se um médico fez em um awilum uma incisão difícil com um faca de bronze e causou a morte do awilum ou abriu a nakkaptum de um awilum com uma faca de bronze e o destruiu o olho do awilum: eles cortarão a sua mão.

–       219: Se um médico fez uma incisão difícil com uma faca de bronze no escravo de um muskenum e causou a sua morte: ele deverá retribuir um escravo como o escravo morto.

–       220: Se ele abriu a sua nakkaptum com uma faca de bronze e destruiu o seu olho: ele pagará a metade do seu preço.

–       221: Se um médico restabeleceu o osso quebrado de um awilum ou curou um músculo doente: o paciente dará ao médico cinco sicios de prata.

–       222: Se foi o filho de um muskenum: dará três sicios de prata.

–       223: Se foi o escravo de um awilum: o dono do escravo dará dois sicios de prata.

–       224: Se um médico de boi ou de jumento dez uma incisão profunda em um boi ou em um jumento e curou-o: o dono do boi ou do jumento dará ao médico como seus honorários meio sicio de prata.

–       225: Se ele fez uma incisão difícil em um boi ou jumento e causou a morte do animal: dará ao dono do boi ou do jumento a metade do seu valor.

Após quase quatro mil anos de o Código de Hammurabi ter sido elaborado, existem diversos pontos naquelas leis que merecem reflexão:

– A primeira legislação do trabalho médico fora da influência das idéias e crenças religiosas;

. Monetarização do trabalho médico para os agentes das Medicina-divina, Medicina-empírica e Medcina-oficial;

– Os agentes da cura, inclusive o médico, recebiam de acordo com a complexidade do trabalho, com o sucesso alcançado pelo tratamento e com a camada social do doente;

– A penalidade mais severa se o mal resultado fosse em alguém livre e socialmente destacado.

Como as leis também surgem a partir das necessidades sociais, é admissível supor que as leis babilônicas, no Código de Hammurabi, foram feitas para coibir o grande número de maus resultados que geravam conflito social.

A divisão histórica das sociedades em estamentos, com importâncias diversas, cujos componentes exerciam diferentes funções, consolidou práticas médicas também distintas, de certo modo, semelhante as da atualidade, nos quatro cantos do mundo.

As principais fontes históricas que fornecem informações das práticas médicas, na Mesopotâmia, são as tábuas de escrita cuneiforme da biblioteca de Assurpanibal e Hammurabi, pinturas esculturas do período de Hammurabi. Os registros também apontam que o médico babilônico, agente da Medicina-oficial, iníciou o processo consistente laicizador da boa e da má práticas, quanto:

– Entender e dominar as formas e funções do corpo;

– Estabelecer parâmetros do normal e da doença;

– Vencer as limitações impostas pelo determinismo da dor e da morte fora de controle.

Um dos fortes indícios de prática construída na Medicina-oficial e executada por médicos, reconhecidos pelas estruturas de poderes, é exatamente o Código de Hammurabi, do fim do século 16 a.C. Na realidade, constitui a primeira estrutura de leis contendo os direitos e deveres dos médicos, estabelecendo o pagamento pelos bons serviços e severas punições pela má prática, associando a boa Medicina ao bom resultado. Também é interessante assinalar que os preços e castigos variavam de acordo com o estamento social do doente. Os maiores preços pelos serviços prestados e castigos mais severos pelos maus resultados estavam ajustados aos doentes mais ricos e socialmente importantes.

Os registros médicos nas tábuas de argilas são claros quanto as descrições precisas de muitas doenças: malária, hepatite, tumores no pescoço, amigdalite, fraturas com ou sem complicações, febres, transtornos mentais e outras.

Dos 282 artigos do Código de Hammurabi, 12 deles regulavam os trabalhos dos médicos, contidos num conjunto de outros que também tratava dos direitos e deveres dos veterinários, barbeiros, pedreiros e barqueiros;

– As 12 leis que identificavam as boas e más práticas médicas estão voltadas aos resultados de cirurgias. Como as leis são construídas para controlar as situações sociais conflituosas afetando a coesão social, é possível teorizar que os conflitos entre médicos e doentes eram mais significativos nos procedimentos invasivos;

– Os direitos e deveres dos médicos que executavam procedimentos invasivos e os dos doentes submetidos às cirurgias estavam vinculados, estritamente, à ordem escravista numa sociedade rigidamente hierarquizada. Nesse sentido, o pagamento pela boa prática e o castigo para má prática, eram proporcionais à importância social do doente, respectivamente, quanto maior a posição social do doente, mais dispendioso o pagamento e os castigos mais severos;

É importante ressaltar que o Código de Hammurabi legislando de modo explícito os direitos e deveres dos médicos e doentes, somente nos procedimentos cirúrgicos, em detrimento de outros que não foram citados, sugere que os conflitos sociais determinados pelas más práticas e/ou maus resultados alcançaram níveis de conflitos suficientes para gerar respostas administrativas.

Novamente, parece ser adequado refletir que esse controle da prática médica valorizava mais o pessoal, voltado aos bons resultados. Dito de outra forma, pelo menos desde o Código de Hammurabi, estava presente o pressuposto de associar a boa prática médica ao bom resultado, que beneficia o doente.

Dessa forma, na Mesopotâmia, no período Hammurabi, apesar de as doença ser considerada como mal determinado pela vontade dos deuses e deusas, foi iniciado o processo laico para o controle das atividades profissionais dos médicos.

 

 

 

 

Egito

 

As principais fontes históricas que fornecem informações das práticas médicas, no Egito, são:

– Livro de Heródoto, “História”;

– Livro de Deodoro de Sicília, “Livro Sagrado”;

– Papiros que receberam os nomes das pessoas que divulgaram os respectivos conteúdos, Smith, Eberth.

Do mesmo modo que na Mesopotâmia, no Egito no segundo milênio a.C.:

– A doença era considerada como mal causado pelos deuses e deusas como forma de castigo ao desobediente da vontade divina;

– A inter-relação da Medicinas–divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial;

– Inexistência de processo teórico capaz de estruturar a Medicina-oficial fora das idéias e crenças religiosas;

– Os tratamentos eram espécies de receitas de bolo, usadas sem variações. Contudo, algumas são particularmente muito interessantes porque além de prescreverem corretamente, como o uso do digital para as doenças do coração, adicionavam prognósticos, em duas vertentes, as doenças curáveis e as incuráveis;

– O médico era um especialista social reconhecido e remunerado pela administração do faraó;

– Os médicos com diversas especialidades e funções administrativas eram identificados com nomes diferentes, prestavam serviço em várias áreas do reino: na corte, templos, minas e cidades conquistadas.

É possível que os conflitos entre médicos e pacientes não tenham alcançado níveis suficientemente intensos para gerar respostas junto à administração do faraó. No Egito, do segundo milênio a. C., não se conhecem registros específicos de códigos que regessem, a exemplo do de Hammurabi, as práticas médicas.

Os papiros de Smith e Ebers descrevem vários quadros clínicos com muita precisão, as receitas médicas como receitas de bolo, sem qualquer vestígio de processo teórico para explicar a saúde e a doença. Mesmo sob esse ponto de confluência com a Medicina mesopotâmica, também não ha registro no Egito antigo de tentativa sistematizada de laicizar o diagnóstico e terapêutica.

 

 

 

Construções da ética, na Grécia, anterior ao século 4 a.C.

 

As principais fontes históricas são os dois livros de Homero, “Ilíada” e “Odisséia”, que fornecem informações quanto à existência de práticas médicas semelhantes as da Mesopotâmia e do Egito. Apesar de existir a Medicina-oficial e médicos reconhecidos socialmente, eram muito fortes as relações das práticas médicas com deuses e deusas curadores e/ou provocadores de doenças.

Como nas culturas que se desenvolveram nas margens de rios e lagos férteis, na Mesopotâmia, Índia e Nilo, na Grécia homérica não havia um processo teórico para entender a Medicina fora das crenças e idéias religiosas e a doença era considerada como mal e causada pela vontade dos deuses e deusas.

Do mesmo modo, apesar dessa forte ligação, os representantes das três Medicinas, divina, empírica e oficial, também pensaram e praticaram tratamentos para curar as feridas da guerra de Tróia, com claros registros nos livros de Homero, para controlar a dor e ampliar os limites da vida. Esse genial escritor e historiador grego, nos extraordinários livros “Ilíada” e “Odisséia”, apesar da forte presença dos deuses e deusas dos panteões gregos amparando as práticas médicas, existem dezenas de descrições cheias de detalhes de condutas cirúrgicas e curativos, fartas de competências, indicadas para os ferimentos de guerra. Nessas circunstâncias, os bons resultados dos médicos, especialmente os obtidos pelos exímios cirurgiões, filhos de Hipócrates, Macaon e Podalírio, receberam fervorosos elogios.

Os registros enaltecem os bons resultados do trabalho médico e distinguem a pericia do curador, seja humano, um deus ou uma deusa. Esse imbróglio avizinha a prática médica grega pré-socrática, entre os séculos 7 e 5 a.C.,das Medicina-divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial, praticadas no segundo milênio a.C., nas culturas mesopotâmica e egípcia, todas sem registros de processo teórico para explicar a saúde e a doença fora das crenças e idéias religiosas.

Desse modo, a ética do médico na Grécia anterior ao século 4 a.C., está ligada ao bom resultado.

 

 

 

 

 

 

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidade da doença na Grécia do século 4 a.C.

 

O marco organizador da nova e fundamental etapa da Medicina na construção dos procedimentos éticos atados à busca da materialidade da saúde e da doença, foi a escola de Cós, sob a liderança de Hipócrates. Apesar de saber-se, pelos indicativos etimólogos e lingüísticos, que das 72 obras contidas no “Corpo Hipocrático”, como é conhecido o conjunto de textos produzidos na ilha de Cós, somente 12 foram reconhecidamente escritos por Hipócrates. Esse extenso conjunto filosófico e médico iniciou o processo da separação, ainda em curso, da Medicina-oficial das idéias e crenças religiosas.

Nesse contexto, um dos livros mais importantes foi escrito por Políbio, genro de Hipócrates, que elaborou a teoria dos Quatro Humores, a primeira estrutura edificada com o objetivo de explicar a saúde e as doenças fora das idéias e crenças religiosas. O processo teórico explicita o corpo humano constituído de quatro humores: sanguíneo, linfático, bilioso amarelo e bilioso preto. A saúde seria consequente ao equilíbrio dos humores e a doença apareceria após o desequilíbrio, isso é, a predominância de um sobre os outros.

É importante ressaltar que Políbio estratificou a teoria dos Quatro Humores atada à mais antiga teoria dos Quatro Elementos de Empédocles. Esse genial médico e filósofo pré-socrático, tentando entender o mundo, fora das idéias e crenças religiosas, explicou mundo visível pormeio da combinação de quatro elementos fundamentais: água, terra, fogo e ar. Desse modo, para cada elemento de Empédocles, existiria um humor.

Com imediata resposta à genialidade de Políbio, duas transformações mudariam, definitivamente, a Medicina no Ocidente:

– As terapêuticas ficaram mais livres da presença dos deuses e deusas curadoras e firmaram propósito para retirar do corpo o(s) excesso(s) do(s) humor(es) desequilibrado(s), por meio das sangrias, suadouros, diarréias, vômitos e diurese.

– O primeiro código de ética médica – Juramento de Hipócrates – com admirável avanço indicou, simultaneamente, a necessidade dos bons resultados estarem unidos ao respeito à dignidade do doente.

Por essa razão, usando a linguagem do filósofo francês Bachelar, é possível considerar esse acontecimento – a teoria dos Quatro Humores – como o primeiro corte epistemológico da Medicina-oficial.

O professor Joffre Marcondes Rezende, em 2003, publicou artigo resgatando a historicidade e a disponibilidade dos manuscritos mais antigos do Juramento e assinalou pontos marcantes do Juramento de Hipócrates:

– Bons resultados e respeito à intimidade e autonomia do doente;

– Competência, sigilo e responsabilidade profissional.

Em acréscimo ao estudo do professor Joffre, é possível juntar alguns argumentos para enaltecer o Juramento de Hipócrates. A ordenação ética sob a liderança de Hipócrates (460-375? A.C.), na Escola Médica de Cós, ocorreu no esplendor grego, contemporâneo de Sócrates (468-399 a.C.) e de Platão (429-347 a.C) e da luta entre a democracia ateniense e a oligarquia espartana na guerra do Peloponeso. É também desta fase o brilho da inteligência dos sofistas Gorgias de Leontino e Protágoras de Abdera. Nesse ambiente de intensa elaboração intelectual nasceu a base teórica da ética da Medicina.

Sem dúvida, Hipócrates era muito conhecido e respeitado como médico de excepcional capacidade técnica, atuando de acordo com as normas e preceitos estabelecidos pelos padrões sociais da época. Uma das testemunhas desse reconhecimento foi Platão, que o mencionou nos livros “Protágoras” e “Fédon”.

Essas conjunções de fatores contribuíram para a cristalização da ética nascida na Escola de Cós, acrescidas dos livros de Platão, que além de reconhecer a notabilidade de Hipócrates, deixam claros algumas características da Medicina grega desse período, com forte influência dos conceitos jônicos da natureza, entre os mais importantes a noção de físis, como elemento de ligação à materialidade da Medicina.

Nesse contexto, com certa influência jônica das igualdades do clima sobre todos, no extraordinário livro “Leis” (857D e 720 C-D), pela primeira vez na História, Platão expôs a marcante diferença entre as práticas médicas nos ricos e pobres. De modo satírico, Platão descreve que quando os médicos estão contando pessoas ricas, explicam detalhadamente a doença e as características do tratamento. Ao contrário, quando consultavam os escravos, as consultas eram rápidas, sem qualquer explicação sobre a doença e o tratamento.

Um exemplo marcante da presença do pensamento jônico é o livro “Dos ventos, águas e regiões”, de autor desconhecido, do século 4 a. C., que assegura a impossibilidade de ser bom médico os que não conheciam as características das estações do ano, o clima, os ventos, as águas e o curso do Sol.

Historicamente os médicos gregos, do século 4 a.C., foram os primeiros que refutaram a forte ligação da Medicina com os deuses e deusas curadoras do panteão grego, no livro “Doenças Sagradas”, no qual afirma que as doenças ditas sagradas, como a epilepsia, que era atribuídas aos castigos dos deuses e eram tratadas pelos sacerdotes e mágicos por meio de proibições, purificações e encantamentos, nada continham de sagrado e eram conseqüência de causas naturais. Essa enorme diferença distanciou a Medicina grega das que floresceram na Mesopotâmia, Egito e Índia dos primeiros milênios a.C. Desse modo, também interferiu para a construção de outra ética, que iria consolidar no “Juramento” da Escola de Cós.

Se na Mesopotâmia, nos tempos de Hammurabi, o código laicizou as remunerações pelas boas praticas e os castigos pelas más práticas, o “Juramento”, conhecido como de Hipócrates, definitivamente, marcou os pilares éticos da relação médico-paciente, e iniciou o processo de adaptação do código de ética do médico às mudanças futuras sociais, políticas e tecnológicas.

Em uma das melhores traduções oferecida pelo trabalho do Prof. Joffre, o Juramento reza:

“Eu juro por Apolo, médico, e Esculápio, Hígia e Panacéia e todos os deuses e deusas, que de acordo com minha habilidade e julgamento, cumprirei este juramento e estes compromissos: respeitar quem me ensinou esta arte como se fora meu pai; repartir com ele os meus bens; suavizar suas necessidades, se for necessário; olhar para seus filhos como se fossem meus irmãos; ensinar-lhes esta arte se quiserem aprendê-la, sem retribuição nem condições de espécie alguma; e pelo preceito, leitura e qualquer conhecimento da arte aos meus próprios filhos e aos dos meus mestres e discípulos ligados por compromisso ou juramento, conforme a lei da Medicina, mas a ninguém mais. Seguirei aqueles que de acordo com a minha habilidade e julgamento considerar benéficos aos meus doentes e me obsterei de tudo que for nocivo e deletério. Não darei venenos mortais a ninguém (1). Mesmo que seja instado, nem darei a ninguém tal conselho e, do mesmo modo, não darei às mulheres pessário para provocar aborto (2). Viverei e praticarei a minha arte com pureza e santidade. Não operarei os que sofrem de pedra, mas deixarei que isto seja feito por homens que são práticos nesses ofício (3). Qualquer que seja a casa em que penetre, lá irei em benefício dos doentes e abster-me-ei de qualquer ato voluntário de maldição ou corrupção e ainda da sedução de mulheres, jovens, libertos e escravos. Tudo aquilo que tenha relação com a prática da minha profissão, vir ou ouvir da vida dos homens, que não deve ser divulgado, não divulgarei, respeitando tudo aquilo que deva ficar secreto. Enquanto conservar sem violação este juramento, que me seja concedido gozar a vida e a prática da arte respeitado por todos os homens em todos os tempos. Que outro seja o meu destino se transgredir ou violar este juramento”.

O caráter sagrado envolvendo o Juramento e as alusões associativas da Medicina com uma espécie de doutrina de iniciados, parece ter relação com os ritos pitagóricos e órficos.

O Juramento de Hipócrates algumas afirmações que podem receber análise crítica:

1. “Seguirei aqueles que de acordo com a minha habilidade e julgamento considerar benéficos aos meus doentes e me absterei de tudo que for nocivo e deletério. Não darei venenos mortais a ninguém”:

É difícil assegurar se tratar da exclusiva crítica à eutanásia ou, por outro lado, dos cuidados para evitar medicamentos utilizados na época, que poderiam causar a morte, como o heléboro (erva Medicinal do gênero Veratrum da família das liláceas, que contém o alcalóide veratina com propriedades analgésicas);

2. “Mesmo que seja instado, nem darei a ninguém tal conselho e, do mesmo modo, não darei às mulheres pessário para provocar aborto“.

A proibição do aborto é um dos aspectos mais curiosos do “Juramento”. Nenhum médico hipocrático o condenou, salvo pelas complicações que podiam ocorrer, em especial, a morte da gestante. Entretanto, existe documentação que sugere ser o aborto religiosamente impuro;

3. “Viverei e praticarei a minha arte com pureza e santidade. Não operarei os que sofrem de pedra, mas deixarei para ser feito por homens que são práticos nesse ofício”.

Este parágrafo é um dos mais polêmicos. Apesar da litíase da bexiga (do grego lithes= pedra) ter sido bem conhecida, naquela época, eram grandes os riscos da realização da cirurgia, para retirada, quase sempre provocando a morte do doente. A frase “por homens que são práticos nesse ofício” insinua o médico hipocrático preocupado com a má reputação de ter provocado a morte de um paciente.

Os três trechos podem, sim, fortalecer a idéia de que a maior de todas as preocupações éticas do médico grego era preservar a vida. O médico não poderia ser o agente da morte advinda na terapêutica!

O “Juramento”, voltado ao interesse do doente, mesmo com forte presença das idéias e crenças religiosas ainda no parágrafo introdutório, é o estágio divisor entre o antes e depois na história da ética médica. Desse modo, em grande avanço para melhor em relação ao Código de Hammurabi, a Medicina iniciou outra fase – ser útil, não ser nociva à vida humana (primum non nocere) –, mantendo ainda mais forte relação com entre a boa prática e os bons resultados, em especial evitando a morte e não participando de nenhuma terapêutica que pudesse causar a morte. A segunda mudança também importante foi a introdução do segredo médico. A vertente dominante para conceber a Medicina como suporte à vida, jamais causando malefício, também está claramente, fixada no juramento ao condenar o aborto e a cirurgia para a retirada da pedra da bexiga, ambas quase sempre determinando a morte do doente. E, principalmente, médico entendido como o agente das ações.

No mesmo “Tratado Ético”, no capitulo “A Lei”, Hipócrates afirma na primeira fase: “A Medicina é de todas as profissões a mais nobre, e, entretanto, por ignorância dos que já a exercem e a julgam superficialmente, ela é apresentada no último plano… Mas as coisas sagradas se revelam somente aos homens sagrados, e é proibido de ensinar aos profanos e aos que não são iniciados nos mistérios da ciência”. Parece não haver dúvida do fato de teóricos da Escola de Cós, ao mesmo tempo em que afastavam as idéias e crenças religiosas das práticas médicas, mantiveram a “sacralidade” da Medicina. Ao mesmo tempo, essa parte do texto indicando o desprezo pela Medicina e pelos médicos, por parte de algum segmento social importante, a aproximação dos ritos órficos pode ter sido a alternativa para afastar a resistência.

Um dos vestígios históricos mais impressionantes dessa ligação da Medicina com os ritos do panteão grego é a data de comemoração do dia do médico – 18 de outubro -, que corresponde, na mitologia grega, o dia em que os deus-médico Asclépio, filho de Apolo, era celebrado na Grécia Antiga.

Ao lado desses extraordinários avanços e controle ético da Medicina-oficial, a Medicina- divina e Medicina-empírica continuavam presentes na estrutura social.

Asclépio, o deus protetor da Medicina, filho de Apolo, também taumaturgo, e da bela Corones, era festejado no dia 18 de outubro. Asclépio foi educado pelo centauro Quirão para ser mais cirurgião do que médico, talvez para proteger os cirurgiões, já que naquela época as complicações das cirurgias eram mais frequentes se comparadas com as práticas médicas não invasivas.

Ainda sob a perspectiva de proteger a vida, a construção do panteão de Asclépio deixou o legado de duas filhas, Higia e Panacéia, vinculadas aos tratamentos clínicos, e dois filhos, Podalírio e Macaão, citados por Homero, que se distinguiram como cirurgiões na guerra de Tróia. Nos séculos seguintes, Asclépio também representado por uma serpente enrolada num bastão da madeira, recebeu fama inimaginável, algumas vezes promovendo ressurreições dos mortos e curando todos os doentes que não conseguiam a saúde pelos favores de outros deuses e deusas. Contudo, temendo que a ordem do mundo fosse alterada pelas ressurreições, Zeus determinou a morte de Ascépio com os raios das Cíclopes.

Mais uma vez, a mitologia grega se ajustava à realidade do cotidiano: ressuscitar os mortos não faz parte da natureza do mundo!

 

 

Reconstruções da ética médica grega ajustadas à busca da materialidade da doença em Roma antes da cristianização

 

Após a conquista militar romana da Ásia Menor e da Grécia, nos anos vinte, do século 2 a.C., ocorreu certo esvaziamento político-econômico de algumas cidades-estados gregos que não interessavam ao poder romano. Os médicos dessas cidades, alguns sob forte influência da Escola de Cós, migraram para cidades romanas importantes.

O forte conjunto organizador romano impôs severo controle da saúde pública aumentando a oferta de água potável por meio dos aquedutos, coleta dos esgotos, banhos púbicos, rígida regras para o sepultamento fora do perímetro urbano, aterro dos pântanos, presença do médico pago pelo poder público em muitas cidades. No Império de Adriano, no século 2 d.C., os médicos foram dispensados do serviço militar e, nessa época, a maior parte das cidades romanas, mesmo as nos territórios conquistados, tinha médico remunerado pela administração pública.

Possivelmente para suprir a demanda crescente de médicos nos novos territórios conquistados, Júlio Cesar ampliou as prerrogativas oferecidas por Diocleciano e ofereceu aos médicos os direitos de cidadão romano e prerrogativas fiscais.

Claudio Galeno, um dos mais conhecidos médicos romanos, no século 1, construiu a teoria dos Quatro Temperamentos, ao adicionar um temperamento específico para cada um dos humores da teoria de Políbio: fleumático, sanguíneo, bilioso preto e bilioso amarelo. Desse modo, atenuou a excessiva generalidade da teoria dos Quatro Hunmores e possibilitou individualizar as possibilidades de as pessoas adoecerem quando abrigassem certo temperamento.

Assim, se alguém estivesse com “um humor desequilibrado” e possuísse determinado “temperamento dominante”, seria mais suscetível de ter certa doença. Hoje, ao se fazer essa reconstrução parece tudo sem sentido, mas é importante ressaltar que as teorias dos Quatro Humores e a dos Quatro Temperamentos eram de muito fácil compreensão e se situavam fora dos poderes dos deuses e deusas taumaturgos greco-romanos.

Os processos teóricos das teorias de Políbio e Galeno foram tão competentes e de execuções tão magnificamente simples, certamente, apresentaram resultados muito melhores comparados aos anteriores, que atravessaram incólumes o medievo europeu e permaneceram intocados até a primeira metade do século 19, quando o viajante alemão Von Martius, esteve no Amazonas, em 1844, entendeu os índios: “de temperamentos fleumáticos, com pouco sangue”, com o objetivo de explicar a equivocada leitura ocidental do comportamento passivo dos indígenas quando comparado ao dos europeus.

Nesse período, até a metade do século 2, não ocorreu outro ensaio teórico em torno da ética médica. Continuaram valendo as publicações da Escola de Cós, especialmente a parte voltada aos bons resultados.

É possível que no fim do século 2 os médicos gregos ocupassem lugares destacados na estrutura administrativa da Medicina romana. Esse fato provocou forte resistência, entre os cidadãos romanos mais cultos, gerando queixas pessoais e coletivas que fazem pensar que tenham se distanciado dos preceitos hipocrático. Plínio, o Velho, no seu livro “Histórias Naturais” e o historiador Marco Pórcio Catão fizeram severas críticas pelos maus resultados dos médicos gregos.

Como resposta da administração aos descaminhos ético, no fim do século 3, o imperador Júlio Cesar assinou a Lei Aquília e a Lei Cornélia que puniam severamente a prática do aborto e com o banimento dos médicos que provocasse a morte do doente.

Outra vez, é importante ressaltar que os maus resultados dos médicos gregos migrantes da Ásia Menor, determinante conflitos entre doentes e a administração imperial, forçou a adição dessas novas leis restritivas.

 

 

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidade da doença no medievo europeu

 

O processo da cristianização de Roma, durante o reinado do Constantino e após, fruto do enfraquecimento das fronteiras romanas, pelas invasões dos godos e visigodos, introduziu mudanças no sistema mercantil escravista para o feudal e, entre muitas mudanças em outros aspectos da organização social, alcançou a ética da prática médica.

Nesse processo complexo, a Medicina se distanciou dos conceitos gregos jônicos da físis e se aproximou da doença como mal, como castigo pela afronta a Deus, já valorizada nas culturas da Mesopotâmia, Egito e Grécia antes do século 4. Sem pretender simplificar muito, o tratamento mais importante para a doença como mal, seria a força de Deus e de Jesus Cristo intervindo para promover a cura por meio do milagre.

É possível compreender essa abordagem, que motivou outros conceitos teóricos à ética e moral, alcançando também as práticas médicas, como regressão às conquistas greco-romanas. Essas mudanças também provocariam desconstrução urbana, no medievo cristão europeu, com as administrações das cidades se descuidando dos cuidados com a higiene pessoal, ruas estreitas, casas abafadas e sem exposição solar, absoluto desabastecimento de água potável, retorno do enterramento dos corpos nos limites urbanos e ausência de esgoto sanitário.

É possível que os banhos públicos, presentes na sociedade romana, usados simultaneamente por homens, mulheres e crianças, entendidos como local de excessiva exposição dos corpos propiciando maior exacerbação da sexualidade, tenham sido um dos aspectos que a nova ordem cristã se empenhou para combater. Esse fato associado às outras importantes mudanças no urbanismo das cidades, sem dúvida, alcançou o novo mundo cristão em ascensão, inclusive e especialmente a prática médica, fechando as escolas de Medicina e interditando o manuseio do corpo morto para o estudo da anatomia. Esse conjunto complexo fulminou as práticas médicas grego-romanas, sob a égide da ética hipocrática, e introduziu outro processo monolítico ideológico, sob forte fiscalização eclesiástica, reconstruindo outra ética na Medicina, que se estenderia até a baixa idade média.

As novas concepções éticas das práticas médicas impostas pela cristianização européia mudaram a herança da Medicina greco-romana!

Os serviços profissionais dos agentes da Medicina-divina, Medicina-empírica e Medicina-oficial, até então entendidas como trabalho profissional remunerado, passam para a categoria dos trabalhos que deveriam seguir o exemplo de Jesus Cristo e dos apóstolos, cujos sacerdócios incluíram muitas curas milagrosas.

Finalmente, o milagre cristão passou a ser a principal motivação da cura das doenças e malefícios.

A ética da Medicina absorveu, na Roma cristianizada, o entendimento da doença, como consequência da desobediência a Deus, Jesus Cristo e aos santos, se transformou em sinônimo de castigo. Com as escolas de Medicina fechadas, o ciclo de formação de médicos interrompido, sem opções, foram intensificadas as peregrinações aos santuários católicos curadores, especialmente, Jerusalém e Santiago de Compostela, na Espanha, e devoção aos santos com poderes de curar determinadas doenças.

Com o fechamento das escolas de Medicina, a partir do final do século 5, as práticas médicas se aproximaram dos abadias e mosteiros, onde padres e freiras prestaram assistência aos doentes sob a égide da ética e da moral cristã.

Nesse período, sob a guarda das proibições eclesiásticas impondo nova ordem à ética médica, impedindo as práticas cirúrgicas, mais duramente a partir do século 9, certamente motivadas pelos maus resultados, as necessidades sociais buscaram caminhos alternativos para sanar as dificuldades.

A partir do século 10, existem muitas referências sobre um personagem estranho e temido, que preencheu os espaços vazios deixados pela proibição eclesiástica da prática cirúrgica: o cirurgião-barbeiro. Sem qualquer formação médica e vínculo institucional, esses homens andarilhos percorriam os caminhos entre as cidades medievais, cortando cabelos, barbas e unhas, sem qualquer obrigação ética, amputavam membros gangrenados, lancetavam abscessos, quase sempre seguidas de morte dos doentes. Em determinas situações, essas mortes causadas pela prática dos cirurgiões-barbeiros, causavam intensos conflitos com a família e ou com a administração dos burgos. Muitas vezes, a revolta popular contra à má prática médica, em grande parte consequência da cristianização da Medicina, se voltava contra o poder laico dos burgos e os cirurgiões-barbeiros. Em certas cidades, quando provocavam a morte de alguém com importância social, para evitar o linchamento, eram obrigados a fugir rapidamente.

A Medicina sem rumo, regida pela ética atada aos dogmas cristãos, cada vez mais fechada sob si mesma, no interior das abadias e conventos, distante das recomendações hipocráticas, os padres sem preparo médico que exerciam a Medicina fora dos muros das instituições cristãs, provocaram tantos conflitos, inclusive com a destruições de igrejas e monastérios, motivados pela má prática nos procedimentos cirúrgicos, como os cirurgiões-barbeiros, causando sequelas e mortes, obrigando que as autoridades cristãs, nos Concílios de Rems (1131) e de Roma (1139), proibiram que os religiosos exercessem a Medicina fora das abadias e mosteiros.

Ao mesmo tempo, os grandes teóricos do cristianismo como Abelardo, em Paris, Bernard, em Chartre, e Tomas de Aquino, entre outros, iniciam o processo de resgate doutrinário das obras de Platão e Aristóteles, ajustando-os aos preceitos cristãos, determinando novas leituras da ética cristã, que também alcançaram a ética da Medicina.

Especialmente, Abelardo, considerado um dos príncipes intelectuais da igreja, como professor da iniciante Universidade de Paris, semente da futura Sorbonne, que funcionava junto à catedral Notre Damme, na época, em construção. Esse notável sacerdote defendeu de forma enfática, junto aos seus alunos, filhos de burguesas abastados ou religiosos importantes, outras leituras bíblicas para amenizar alguns dogmas, frutos de equivocadas interpretações bíblicas.

No século 13, para alguns grupos sociais, houve melhores condições para construir outros patamares com o poder eclesiástico com o objetivo de ajustar as práticas médicas às novas realidades, especialmente, certos comerciantes e cirurgiões-barbeiros mais esclarecidos.

Jean Pitard, um dos mais conhecidos cirurgiões-barbeiros, com fácil trânsito com o poderoso arcebispado de Paris, fundou a Confraria dos Cirurgiões, sob a guarda de São Cosme e São Damião. Pela primeira vez, desde o desmonte das práticas médicas greco-romanas, da tradição hipocrático-galênica, alguns cirurgições-barbeiros que aderiram à Confraria, introduzem outras normas éticas voltadas aos bons resultados sem esquecer as marcas da caridade cristã. Ao manterem o claro vínculo com o poder eclesiástico, escolhem a sede próxima da catedral Notre Dame, vestem roupas diferenciadas que os distinguem dos que permaneceram contrários ao novo código ético das confrarias.

A laicização da caridade, reafirmando as diretrizes neo-testamentárias, compondo um Deus que perdoa e sublima o confronto e o contrário, antepondo-se ao Velho Testamento, tem sido reconhecida como um dos mais importantes instrumentos teóricos da cristianização, identificado na afirmação de François-René Chateaubriand: “A caridade, virtude absolutamente cristã e desconhecida dos antigos, nasceu com Jesus Cristo; é essa a virtude que distingue o homem dos outros mortais e foi o selo de renovação da natureza humana”.

Dessa forma, as corporações, confrarias e irmandades como instituições cristianizadas, amparavam certas setores específicos de trabalhadoras e suas famílias, em várias cidades do medievo europeu, entre os séculos 14 e 15, se aproximaram da Igreja. Outra vez, a mobilidade da Igreja conseguiu manter a presença na reconstrução das práticas médicas e de outras profissões de clara importância no medievo europeu.

As decisões do Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, colocando a Igreja em sintonia com os Estados fortes, para superar o avanço das idéias luteranas, também ampararam a ética médica que motivou os primeiros hospitais. Essas construções insalubres recebiam doentes de todas as naturezas, levados pelas famílias que não os desejavam por perto, sob a assistência dos abnegados religiosos sem preparo médico, eles morriam rapidamente. O Concílio de Trento moldou as bases na caridade laicizada, como a unção dos enfermos como sacramento e o reconhecimento de leigos na graça santificante.

Graças a esse concílio, a autorização eclesiástica foi formalizada para os que exercitassem a caridade cristã, teriam a garantia do acesso ao Reino de Deus. Os homens e as mulheres ricas encontraram na abertura conciliar a argumentação para justificar a postura de amparo aos enfermos e necessitados com a recompensa da ida para o paraíso após a morte. Esse pressuposto oferecia a quem fazia caridade a plácida sensação de estar garantindo a entrada no Reino, sem falar no agradecimento recebido pelo poder temporal da Igreja e do Estado, ambos interessados em repassar as tensões sociais agravadas pela peste, fome e miséria, que flagelavam a vida dos despossuídos.

A intensificação da caridade, como instrumento de controle social, conseguiu atenuar o brutal contraste entre os poucos com muito dinheiro com a maioria esmagadora sem nada. Essa última parcela, homens e mulheres sem senhor, constituíam as hordas de mendigos itinerantes entre os burgos, que assaltavam e matavam os que viajavam sem a proteção dos cavaleiros dos senhores feudais. Nessa parcela da população que se abateram os rigores da fome e dos primeiros surtos da peste negra.

As corporações, confrarias e irmandades, inclusive a Confraria dos Cirurgiões, fundada por Jean Pitart, parecer ter sido parte da resistência dos trabalhadores que continuavam à margem das melhores fatias da organização social da alta Idade Média. O aperfeiçoamento desse processo de resistência contribuiu para o surgimento dos grupos de proteção mútua, nos moldes da compagnia fundada em Gênova em 1099 e financiada pelos marítimos.

Apesar dos poucos registros escritos, devem ter existido muitas organizações dedicadas à guarda do interesse coletivo de grupo de trabalhadores especializados. A encontrada em Valenciennes, floresceu entre 1050-1070, tinha uma característica predominantemente laica, enquanto que a de Saint-Omer, ativa entre 1072-1080, era de natureza eclesiástica. Algumas delas já apresentavam rígida estrutura administrativa, com um órgão de decisão (capitulum), um líder (décani) e uma sede (Guildhus).

A inserção das corporações, confrarias e irmandades, surgiram fortalecidas em regras protecionistas de solidariedade econômica e social, em articulação com a hierarquia das autoridades religiosas e laicas. A Igreja se manteve próxima dessa nova articulação social compreendeu a importância histórica e estimulou novas alianças a partir de estreitas ligações com os líderes, especialmente, na Confraria dos Cirurgiões, já que os cirurgiões-barbeiros se mantinham fora da ordem eclesiástica. É importante relembrar que o aparecimento desse personagem social, o cirurgião-barbeiro, foi consequente da resposta social à interdição intolerante da Igreja à dissecção do corpo morto para fim de estudo da anatomia e ao fechamento das escolas de Medicina.

As corporações, confrarias e irmandades ofereciam novo tipo de proteção aos membros, sob a presença dos santos mais importantes ou ligados à tradição religiosa da região. A próspera corporação de lanifício de Florença, com cerca de vinte mil operários e duzentas oficinas, pode representar muito bem esse interesse eclesiástico: a sede dessa rica corporação, o Palácio da Lã, se ligava por meio de uma ponte com a Igreja Orsanmichele.

O aumento da circulação de moeda e do comércio pode ter contribuído para forçar, por parte da população mais organizada, o preenchimento de um espaço vazio da organização social na assistência à saúde e à velhice, já que, no trabalho servil, essa preocupação não existia. Pode ter sido por aí que as normas das corporações-confrarias-irmandades passaram a prever diversas formas de amparo aos membros e suas famílias.  A maior parte possuía hospital próprio, como o da rica Confraria de São Leonardo, em Viterbo, Itália, no século XII, capazes de prestar vários tipos de atendimento e amparo à viuvez e aos órfãos. Essas ajudas mútuas estavam atadas aos resultados oferecidos pela Medicina-oficial, basicamente dos melhores cirurgiões-barbeiros, todos aderidos à Confraria dos Cirurgiões. De certa forma, nesse contexto, contribuíram para que a ética dos médicos retornasse aos bons resultados como o melhor caminho.

Essas mudanças só protegiam pequenos grupos, a maior parte da população vivia em absoluta miséria. É importante relembrar que haviam sido perdidas as conquistas sociais que a Medicina greco-romana. O processo de dessacralização  da doença, iniciado na Escola de Cós, por meio da teoria dos Quatro Humores, foi engolfado pela ética cristã valorizando a doença como castigo pelo pecado cometido.  Essa ética cristã baseada na caridade cristianizada, que valorizou a exaustão a recompensa pessoal após a morte, da obediência aos dogmas eclesiásticos, abandonou os cuidados com a saúde pública, a higiene pessoal, redes de abastecimento de água potável, escoamento dos esgotos e o pagamento pelo serviço profissional médico prestado.

Por essas razões, a maior parte das populações da Europa medieval sofreu na pele o descaso pelas normas essenciais para preservar a saúde coletiva. As cidades não passavam de aglomerações humanas desordenadas, em torno de suntuosas catedrais góticas, sem água potável, esgotos sanitários e habitações inadequadas, onde, de tempos em tempos, grassavam epidemias de várias doenças infecto-contagiosas, que matavam freqüentemente milhares de pessoas em poucas semanas.

Realmente, as regras das corporações, confrarias e irmandades, sempre ofereceram grande importância à ajuda entre os membros. O estatuto da corporação dos curtidores de couro branco, em Londres, datado de 1346, reza no artigo primeiro que o bem-estar de seus membros era o objetivo maior. Essas instituições começaram com esse objetivo primordial: ajuda mútua em períodos difíceis.

É sob esse enfoque assistencial que se torna possível encontrar os pontos comuns nos objetivos das corporações-confrarias-irmandades: se organizaram com fins específicos na produção de bens e serviços e para prestar diferentes auxílios aos seus membros, superando os entraves da administração feudal.

Outras mudanças na ética das práticas médicas foram incorporadas ao aparecimento das primeiras universidades, a partir do século 12. Simultaneamente, se iniciou luta feroz dos médicos, formados nas universidades, para conquistar a credibilidade junto à população desassistida e superar a presença dos agentes da Medicina-empírica, inclusive os cirurgiões-barbeiros, e a dos agentes da Medicina-divina, presentes nas abadias e conventos.

Nesse sentido, uma poderosa rede de calúnias, ligada às interpretações oportunistas da Bíblia, fomentou o descrédito dos agentes da Medicina-empírica (benzedores, herveiros, parteiras e cirurgiões-barbeiros), que passaram a ser identificados como diabos, bruxos e adivinhos, mensageiros do diabo. Essa loucura coletiva, sustentada pela Igreja e administração laica feudal, levou milhares de pessoas às fogueiras de lenha verde, legitimada nas farsas dos julgamentos montados para fomentar o medo e conter as tensões sociais da miséria, que assolou o medievo.

Esse desajuste da Igreja tentando conter as revoltas populares, em alguns burgos, com a participação dos adeptos da Reforma Protestante, levou para a fogueira muitos agentes da Medicina-divina e Medicina-empírica, identificados como demônios.

Os poucos médicos formados nas recentes universidades, imediatamente, perceberam a força política dos agentes da Medicina-divina, padres e freiras curadores, da Medicina-empírica, parteiras e benzedores, e trataram de reacender o conflito de competência, associando-os aos demônios descritos pelo cristianismo. Não demorou muito, a intolerância conduziu dezenas de milhares aos tribunais da inquisição, condenados sob a mentira dos julgamentos político e queimados vivos.

A parteira, tão antiga quanto útil durante muitos milhares de anos, era, com certeza, a mais importante representante da Medicina-empírica, simbolizando, por essa razão, o papel de inimigo mais importante da universidade cristã. É possível que tenha ocorrido relação política entre a intolerância dos médicos e a bula Summis Desiderantes Affectibus contra o satanismo, editada pelo Papa Inocêncio VIII em 1484. Em consequência da ordem papal, milhares de as parteiras e outros agentes da Medicina-empírica foram implacavelmente perseguidas, a ponto de merecerem um capítulo inteiro – “De como parteiras bruxas cometem os mais horrendos crimes, matando ou dedicando crianças ao diabo da maneira mais amaldiçoada” -, no terrível “Malleus Maleficarum” (“O Martelo da Bruxaria”), escrito pelos priores do Convento de Colônia, (Alemanha), Kramer e Sprenger.

Esse terrível livro, editado pela primeira vez, em 1486, conduziu um dos mais tenebrosos períodos de uma ética médica, ligada ao poder eclesiástico, com o objetivo de assassinar milhares de resistentes à inflexível autoridade eclesiástica.

Em relação às parteiras, identificadas como bruxas no livro “O Martelo da Bruxaria”, o raciocínio dos priores Kramer e Sprender era muito simples e eficiente porque colocava a questão do pecado original no centro do conflito com o diabo, como o indutor do mal: “Ora, qual o motivo desse crime infame? Presume-se que as bruxas sejam compelidas a cometê-lo a comando do espírito do mal, às vezes contra sua vontade. Pois o demônio sabe que, por causa do sofrimento da perda -poena damni-, ou do pecado original, essas crianças são privadas de entrar no reino dos céus”.

Outro grupo que sofreu pesadamente a perseguição imposta pela Igreja, na Contra-Reforma, sob a ética perversa da intolerante perseguição aos contrários, emergindo das universidades, mantidas pelo poder eclesiástico, foram os cirurgiões-barbeiros, também pelo grande número e maior prestígio político. Com os cirurgiões a argumentação básica da intolerância esteve assentava no fato de esses agentes da Medicina-empírica, além de cortarem o cabelo, agiam no interior do corpo praticando a sangria, cauterizando as feridas, lancetando os abscessos, imobilizando os ossos quebrados e amputando os membros gangrenados.

A resistência por parte dos médicos formados nas universidades acabou gerando, como resposta, uma melhor organização dos cirurgiões-barbeiros. Como já foi explicado, nas linhas acima, sob a liderança inicial de Jean Pitard (1238-1315), também para se protegerem dessa intolerância, se agruparam numa confraria, sob a proteção de São Cosme e São Damião, e passaram a adotar atitudes e roupas para diferenciá-los dos barbeiros.

A Confraria de São Cosme e São Damião reuniu centenas de cirurgiões-barbeiros e foi, em grande parte, responsável pelo reconhecimento da sua prática como atividade médica nas disputas com os curadores oficiais formados pela Universidade de Paris , que se arrastaram até 1436, quando foram admitidos como alunos regulares da Faculdade de Medicina.

As organizações de solidariedade mútua, corporações-irmandades-confrarias se multiplicaram em centenas na Europa, aliadas à Igreja, cumpriam os ensinamentos contidos no NT, na ajuda caritativa dos desgraçados e amparando os doentes.

As duas opções fundamentais para cumprir as recomendações feitas por Jesus Cristo: atender aos doentes individualmente ou agrupá-los em lugares determinados, que ficaram conhecidos como “Xenodochium pauperum, debilium et infirmorum” (Hospital dos pobres, dos fracos e dos enfermos”). A alternativa dos hospitais acabou prevalecendo e várias irmandades foram organizadas para administrá-los. A Ordem dos Hospitalários de São João, dos Antoninos e do Espírito Santo foram as que mais se destacaram e acabaram ampliando a ação dessas instituições. Dessa forma, a anterior ética médica hipocrática, incorporou a ética cristã da caridade.

Dentro da mesma estratégia, com o Estado e a Igreja unidos para impor mais rapidamente os valores éticos do cristianismo, os hospitais dirigidos por religiosos passaram também a receber as mulheres grávidas nas últimas semanas de gestação e os órfãos.

Essa importante e estratégica ligação política entre os novos hospitais cristãos. a partir do século 11, e o Evangelho de Jesus, gerou frutos imediatos pela necessidade coletiva de suprir as grandes deficiências na atenção à saúde, funcionando também como mecanismo para afrouxar as tensões sociais advindas pelos flagelos da fome e das doenças endêmicas.

As fontes mostram que, no medievo europeu,  quanto maior  a miséria coletiva, maior era o chamamento para a caridade, como o ocorrido em Portugal. A península foi particularmente castigada pelos efeitos da peste negra, pelo menos com duas dezenas de surtos registrados entre 1188 e 1496. Os do século 14, agravados pelas guerras intestinas da nação portuguesa, mostraram-se tão desesperador que o enterro dos mortos se tornou impossível; os cadáveres acumulavam-se por toda parte, dando um aspecto da chegada do fim dos tempos e o cumprimento das previsões apocalípticas.

A adoção do modelo da urbanização feudal, mudando a estrutura de saneamento e abastecimento de água potável oriunda do mundo greco-romano, contribuiu para que a devastação causada pelas epidemias de muitas doenças, agravadas pelas guerras e pela fome crônica, fosse constante durante quase quatro séculos, somente variando o número de mortes e da mobilidade de populações inteiras que fugiam dos flagelos. Esse contexto de necessidades coletivas influenciou o crescimento das corporações-confrarias-irmandades ao longo ds margens do rio Tejo.

Acompanhando a estrada que ligava Portugal à cidade espanhola de Compostela, onde ficava a igreja de São Jaime, o mais importante santuário cristão, depois de Jerusalém, existiam centenas de pequenos hospitais e albergues utilizados pelos peregrinos e devotos, que se dirigiam em romaria para pagar promessas e implorar saúde.

A lepra, um dos flagelos que assolava o homem medieval, não distinguia ricos e pobres, poderosos e despossuídos. A desfiguração final da doença repugnava o doente e a família, não só pelo aspecto grotesco da deformidade, como também pelo medo de contrair a enfermidade. Os leprosos, desamparados pelos familiares, tornavam-se itinerantes e rumavam, munidos de catracas, anunciando a passagem, à procura da ajuda divina nos muitos santuários milagreiros anunciados pela Igreja. A maior parte deles morria da fome ou das complicações da própria patologia, enquanto outros ficavam pelo caminho nas albergarias que os aceitavam. Esses lugares, com o passar dos anos, ficaram conhecidos como leprosários.

Nenhuma doença poderia simbolizar melhor a atenção que Jesus deu aos homens doentes quanto a lepra. Os leprosos foram escolhidos no Terceiro Concílio de Latrão (1179), sob o pontificado de Alexandre III (1159 -1181), para receberem tratamento especial dos cristãos ao mesmo tempo, foi reprovado o isolamento a que eles estavam submetidos pela sociedade. A Ordem de São Lázaro foi criada para dar cumprimento às ordens conciliares e o grão-mestre deveria ser sempre um leproso.

Não se deve estranhar que o pano de fundo das corporações-confrarias-irmandades  tenha sido também a obtenção de vantagens pessoais, financeiras e políticas para os envolvidos nas edificações. Essa afirmação ganha suporte no fato de que D. Pedro, em 1420, escreveu ao seu irmão D. Duarte, sugerindo a intervenção real na administração das hospedarias, como alternativa para reabilitar a debilitada economia do reino, cujas reservas foram gastas nas guerras e o pouco arrecadado era consumido pelos fidalgos.

É fácil de compreender o interesse por essas instituições, tanto das ordens religiosas como da corte portuguesa, já que todos viviam tempos difíceis, e qualquer fonte de sobrevivência significava poder concreto, que podia ser negociado.

As ordens religiosas devem ter sido mais ágeis para dirigir o produto monetário da caridade aos cofres eclesiásticos, a ponto de a situação ter ficado insustentável, causando prejuízo à arrecadação do reino. A reação foi imediata. Por ordem de D. Duarte e publicada nas Ordenações Alfonsinas de 1446, foi decretada a interdição real nas albergarias, determinando que todos os legados que fossem doados às irmandades deveriam passar pelas cortes civis e não mais pelos tribunais religiosos. Essa providência interrompeu temporariamente, em Portugal, um aspecto rendoso da caridade cristã, porque proporcionava o recebimento de vultosas quantias em doações e heranças dos súditos bem intencionados. Esses legados deveriam ser utilizados exclusivamente na atenção aos leprosos e outros despossuídos. Entretanto, a maior parte do dinheiro não era empregada para esse fim e acabaram engordando a riqueza pessoal de muitos clérigos.

A dissolução compulsória das albergarias-hospitais do reino foi seguida de novas medidas tomadas por D. João II para a organização de hospital único sob o controle da administração real. Como a maioria daqueles hospitais estava sob o controle de ordens religiosas, a atitude tomada pelo rei para acabar com eles teve conotações políticas, absorvidas por Roma. Somente em 1479 , através da Bula de Xisto IV (1471 – 1484 ), o rei foi autorizado a organizar hospital único nas principais cidades e sob a administração real.

Enquanto a união Estado-Igreja, interessada nos lucros proporcionados pela caridade, montava a mudança para consolidar um hospital que substituiria centenas de pequenas albergarias facilitando o controle das vultosas doações, muitas abadias e mosteiros que mantiveram núcleos de atendimento médico, dirigidos por padres e freiras, entre os séculos 9 e 11, serviram como sementes para as futuras universidades que seriam criadas a partir do século 13, em vários reinos da Europa, quando a ética médica sob forte influência da Igreja, passariam por novas mudanças e se aproximariam da ética hipocrática.

As abadias de Salerno e Montpelier, dois dos núcleos mais importantes das futuras universidades, se distinguiriam por retomarem antigos conceitos éticos gregos da Escola de Cós: “Em primeiro lugar, não façam mal”.

 

 

Construções da ética médica ajustadas à busca da materialidade da doença no renascimento europeu

 

Alguns acontecimentos marcaram o Renascimento como um novo tempo na Europa, interferindo diretamente na ética médica oriunda do medievo:

– Publicação mecanizada dos livros;

– Ruptura com as interdições eclesiásticas: dissecção pública de corpos humanos;

– Teatros de anatomia em vários reinos europeus;

– Publicação do livro “De humani corporis fabrica” de André Vesálio;

– Publicação do livro “A cirurgia”, de Ambroise Paré;

– Publicação do livro “Christianismno restitutio”, de Miguel Servet, contestanto a veracidade da Trindade Cristã;

– Publicação do livro “De viscerum structura”, de Marcelo Malpighi, descrevendo o mundo somente visível sob as lentes de aumento, iniciando o pensamento micrológico, que pode ser considerado o segundo corte epistemológico da Medicina;

– Ampliação das fronteiras com a chegada dos europeus nas Américas, Ásia e áfrica.

Entre outras singularidades do Renascimento, se destaca a vontade coletiva de retomar os ideários políticos da Grécia platônico-aristotélica. Desse modo, inicia-se outra fase da ética médica sob menor influência dos dogmas do cristianismo medieval. Portanto, a ética médica renascentista se adaptará às liberdades chegadas com o Renascimento.

– Importante e decisivo procura da materialidade da doença;

– Retomada das diretrizes teóricas da Medicina greco-romana;

– Diminuição do valor atribuído aos santuários curadores;

– Aumento do número de médicos oriundos das novas universidades;

– Maior participação de médicos laicos no processo formador da Medicina;

– Livros escritos em latim;

– Presença de geniais pintores e escultores, como Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, Rembrandt, entre outros, detalhando nas obras de artes o corpo desnudo;

– Maior acesso aos livros produzidos n período greco-romano;

– Desenvolvimento da anatomia e fisiologia;

– Substituição das confrarias, sob a guarda dos respectivos santos protetores, como a dos cirurgiões sob a proteção de São Cosme e São Damiào, pelos Colégios e Academias laicos, como o Royal College of Surgeons, em Londres, e a Academia de Ciências, em Paris;

– Cirurgia incorporada à Medicina;

– Recuo da compreensão da doença como mal, provocada pela fúria divina.

No Renascimento europeu, enquanto o Medicina ampliava os domínios da compreensão da saúde, foi consolidado a busca da materialidade da doença sob o estandarte da micrologia.

De modo geral, a ética médica retomou os preceitos hipocráticos, reafirmado pelas Escolas de Medicina de Montpelier e Salermo, ao tempo em que ratificou o projeto teórico que avançaria até hoje: a busca da materialidade da doença nas dimensões da matéria viva invisível aos olhos.

 

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca da materialidade da doença no século 17

 

O século 17 também conhecido como o século da razão trouxe o encontro entre as liberdades com a ética médica. Esse complexo conjunto sócio-político foi firmemente tocado pelas idéias de Newton, Descartes, Locke, Spinoza, Leibniz, Cornelle, Racine, La Rochefoucault e Molière.

Como nunca no passado, as práticas médicas aumentaram o valor da materialização da doença, olvidando cada vez mais a dependência das idéias e crenças religiosas. Centenas de descrições de estruturas e sistemas anatômicos, que receberam os nomes dos respectivos autores, foram acrescentadas aos saberes anatômicos.

Sob o impacto dessas profundas mudanças estruturais a ética médica foi retomada por Spinoza, em 1661, nos seus geniais livros “A ética” e o “Tratado da reforma do entendimento”, ambos valorizando a vida e rejeitando valores negativos da compreensão dos conflitos sociais. Nesse contexto, a Medicina-oficial e o médico como seu agente, foram reconhecidos como partes importantes da construção do belo, do feliz, da vida, iniciando as concepções do “direito natural”.

 

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca da materialidade da doença no século 18

 

O século 18 reconhecido como o século das luzes brilhou sob esplendor das idéias de Locke, Leibniz e Condillac. Essa característica foi retomada por Kant que reconheceu a supremacia da razão como instrumento para superar a ignorância. Sob certas condições é possível também entender certa semelhança com as idéias sobre a natureza dos homens, defendida pelos autores setecentistas, como o início da generosidade explícita, como manifestação da virtude, que os médicos devem adotar no trato com os doentes. Nesse contexto, Diderot acorda ao caráter protetor na natureza e Rousseau defende a natureza como “delicada amiga do homem” como princípio da verdade e da virtude. Desse modo, o século 18 também refunda a idéia da generosidade virtuosa que rapidamente se aderiu à Medicina. Também é interessante assinalar que a idéia de progresso, central no século das luzes, não se desprendeu dessa generosidade, como está claro na declaração dos Direitos do Homem.

Esse ideário de generosidade, direito e ética se transformou em mensagens de liberdades e acenderam os pavios das revoluções que forçariam, outra vez, a abordagem da ética, sob a ótica do genial Kant. Esse homem extraordinário sem jamais sair de sua cidade natal Kõnigsberg, na antiga Prússia oriental, publica dois livros que mudariam algumas abordagens da ética e da moral em 1788, “Crítica da razão prática” e, em 1790, “Crítica da faculdade de julgar”, essencialmente contra o autoritarismo que dominava o mundo político no qual vivia, sob o reinado de Frederico II, rei da Prússia, cujos julgamentos sumários lembravam os realizados pela Inquisição católica, nos quais o réu já entrava no julgamento previamente condenado e só eram permitidas as respostas “sim” ou “não” do próprio réu e das testemunhas, tudo feito para evitar as emoções nos julgamentos. O desfecho contra o vício nos julgamentos viria na introdução do não menos genial “Crítica da razão pura”, onde a categoria metafísica é utilizada para repudiar todos os dogmatismos despóticos, falsas genealogias, as indiferenças quanto as diferentes naturezas dos saberes humanos.

Por outro lado, a presença do pensamento micrológico, inaugurado por Marcelo Malpighi, no Renascimento, atingiu e ocupou a maior parte do ideário da Medicina na busca da materialidade da doença sob as lentes de aumento.

Por outro lado, chegaram os avanços nos saberes em vários aspectos da Medicina:

– Fisiologia: a anatomia já não bastava à liberdade, as academias e sociedades médicas promoviam debates sobre o funcionamento dos órgãos;

– Fisiologia experimental: muitas funções foram monitoradas e melhor compreendidas nos animais de experimentação, principalmente o cachorro e o gato domésticos;

– Os estudos de Virchow foram fundamentais para a consolidação da histologia;

– Com a associação entre anatomia-fisiologia-micrologia-histopatologia nasceria a anatomia patológica explicando os mecanismo da morte causada pelas doenças;

– Muitos cirurgiões descrevem técnicas cirúrgicas com o objetivo de diminuir as complicações per e pós-operatórias. Contudo, permanecia a temeridade pelas cirurgias cavitárias, no crânio, tórax e abdome, quase sempre sinônimo de morte do doente.

Claramente, uma vez mais, a ética médica estava ligada aos bons resultados das práticas.

 

 

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca da materialidade da doença no século 19

 

Esse século foi caracterizado:

– Busca do agente etiológico de mutas doenças;

– Aumento do nível de investigação das doenças, agrupá-las quando diferentes manifestações clínicas pertencem à mesma doença;

– Utilização de equipamentos que podem alcançar onde os olhos desarmados não alcançam;

– Exame histopatológico de partes do corpo ou de doenças para firmar o diagnóstico clínico;

– Reprodução nos laboratórios de reações físicas ou químicas que se passam no corpo;

– Melhor compreensão das doenças infecciosas que provocaram epidemias temidas;

– Entender o desenvolvimento fetal.

Sob essa perspectiva foram descritos as bases da micrologia bacteriana tanto preventiva quanto curativa responsável pelo aumento da longevidade e certa tranqüilidade quanto algumas doenças infecciosas que causaram medo desde a baixa Idade Média: hanseníase, tuberculose, estafilococcias, estreptococcias, malária, tifo, tétano, entre outras.

A Medicina se acoplou, sem esforço, às idéias evolucionistas de Charles Darwin e, sem imaginar a grandeza da descoberta, em 1865, presenciou a publicação de Gregor Mendel, sobre o cruzamento de ervilhas, que inauguraria o pensamento molecular, o Terceiro Corte Epistemológico da Medicina.

O século 19 fortaleceria a anatomia-clínica que assentou as bases da atual formação médica e a fisiologia, ampliando as respostas quanto os mecanismos da digestão, respiração, urinário, vascular venoso e arterial.

Ao mesmo tempo em que as ordens sociais compensavam com elogios a Medicina e os médicos com pelos inimagináveis progressos no controle de muitas doenças infecciosas, as idéias políticas giravam em torno de seis vertentes, que nos anos seguintes proporcionariam outras discussões na ética médica:

– Humanismo de Feuerbach;

– Evolucionismo de Dawvin;

– Individualismo romântico de Chateaubriand;

– Manifesto de Marx e Engels;

– Positivismo de Comte;

– Historicismo de Hegel.

 

 

 

 

Construções da ética médica, na Europa, ajustadas à busca da materialidade da doença no século 20

 

O século 20 foi marcado por transformações tão profundas e complexas nas práticas médicas que se torna difícil compreender como em pouco mais de cinquenta anos, a longevidade humana, em certos países, foi aumentada em mais de vinte anos.

O maior destaque que iria dominar, completamente, a segunda metade do século vinte foi a genética a partir da descoberta da cadeia espiralada do ADN, em 1953, por Watson e Crick. Com todas as variáveis, inclusive o estudo do genoma humano, inseminação artificial, antibióticos, métodos anticoncepcionais, métodos terapêuticos experimentais e os novos saberes na virologia, imunologia, cancerologia, traumatologia, radioterapia, quimioterapia, vacinas, que forçaram outras mudanças e novas leituras dos códigos de ética médica.

Ao mesmo tempo, é impossível pensar o século 20 sem relembrar os horrores das duas guerras mundiais, as propostas do eugenismo e os campos de concentrações dos nazistas. Em pouco menos de cinco anos, em alguns países, as raízes históricas da ética médica foram destruídas junto com as experimentações em seres humanos, a mortalidade proporcionada pelas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, aumento da quantidade de pessoas que vivem em condições de miséria absoluta, vertiginoso desenvolvimento industrial com dezenas de milhões de trabalhadores trabalhando em condições insalubres gerando desconstruções pessoais e familiares.

Os vencedores da II Guerra Mundial impactados sob esses horrores praticados pelos vencidos, alguns realizados com a participação de médicos, em novembro de 1946, em Nuremberg, instalaram o Tribunal Militar Internacional, onde a maior parte dos oficiais alemães capturados pelas nações aliadas vencedoras foi condenada à morte, prisão perpétua e outras penas.

A escolha da cidade de Nuremberg não foi um ato isolado, ao contrário, estava mesclado de grande valor simbólico, já que naquela importante cidade alemã ocorreram festividades apoteóticas ao nazismo.

Nesse contexto nasceu o Código de Nuremberg com a humanidade retornando o caminho da valorização da dignidade humana e da reflexão ética sobre a vida em torno das pesquisas em seres humanos. Entre recomendações se destacam:

– O consentimento voluntário do sujeito humano é absolutamente essencial;

– A experiência deverá trazer resultados práticos para o bem da sociedade impossível de serem obtidos por outros meios de pesquisa;

– Os fundamentos da experimentação deverão estar, anteriormente, consolidados e compreendidos em animais de experimentação;

– A experimentação deverá ser executada sem sofrimento físico ou psicológico ao sujeito humano da pesquisa (de certo modo, associando os bons resultados à boa prática de pesquisa);

– A execução da pesquisa deverá ser realizada por pessoas cientificamente qualificadas para o fim proposto;

– O sujeito humano deverá ter o direito de interromper, a qualquer hora, a experimentação;

– O responsável pela execução da pesquisa deverá estar preparado para interromper os procedimentos que possam provocar ferimentos físicos no sujeito da pesquisa ou riscos de traumas psicológicos.

Por outro lado, infelizmente, o Código de Nuremberg, único no gênero na história da humanidade, com enorme simbolismo na ética médica, não tem valor de lei. Por essa razão, é necessário relembrar outros horrores perpetrados por médicos, todos sem autorização dos sujeitos das pesquisas, amparados pelo poder público, nos Estados Unidos, não muito tempo após Nuremberg:

– Estudos experimentais em seres humanos, não autorizados, da transmissão e complicações neurológicas da sífilis, em homens negros, depois da comercialização da penicilina:

– Injeção de células cancerosas vivas em doentes idosos para estudo da imunoterapia em cancerologia;

– Injeção do vírus da hepatite B em crianças em um hospital de Nova Iorque.

Em 1964, os médicos e pesquisadores reunidos na 18ª Assembléia da Associação Médica Mundial editaram a Carta de Helsinki I, anunciando cinco princípios de base, que como o Código de Nuremberg não impôs força de lei:

– As pesquisas clínicas devem estar contidas nos princípios morais e científicos, que só deverão ser iniciadas após o sucesso nas experimentaçõe animais;

– As pesquisas devem ser dirigidas por pessoas cientificamente competentes e sob controle de um médico qualificado;

– Todo projeto de pesquisa deverá ser precedido de uma lista detalhada e circunstanciada dos riscos e benefícios esperados.

Outros códigos de ética médica, ajustados às mudanças sociais e tecnológicas, se seguiram, com pontos comuns: a Medicina e os médicos devem sempre manter e defender a completa proteção do doente, promovendo a saúde e o bem estar da sociedade. De certo modo, em grande parte, todos retornaram ao ideário ético grego hipocrático:

– Congresso de Moral Médica, Paris, 1966;

– Declaração de Tóquio ou Helsinki II, 1975;

– Declaração de Manilha ou Hensinki III, 1981;

– Resolução de Madri, 1987.

Tanto no Helsinki II quanto no Helsinki III estava norteado o indicativo para a criação dos Comitês de Ética, que deveriam:

– Manter estrutura administrativa independente para investigar projetos que envolvam seres humanos direta ou indiretamente;

– Aprovar ou desaprovar projetos de pesquisas;

– Supervisionar e acompanhar os projetos de pesquisas aprovados;

Organismos como Associação Médica Mundial (AMM), Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceram metas para ampliar os Comitês de Ética em todo o mundo em três etapas:

– Período da criação;

– Período de expansão;

– Período de estabilização.

Esses comitês de ética, pelos menos os que estão nas fases de expansão e estabilização, se organizam para manter permanente vigilância nos padrões éticos das pesquisas médicas acompanhando os movimentos de transformações nas praticas médicas, ajustando-as aos avanços tecnológicos e ao aumento da longevidade, em blocos de debates, acrescidos de outros de acordo com o movimento social e os avanços tecnológicos.

Por outro lado e concomitantemente, os Conselhos de Medicina, no Brasil e em outros países vinculados ONU, UNESCO, OMS, se adaptaram às novas exigências sociais e tecnológicas e continuam discutindo deveres e direitos dos médicos e instituições médicas públicas e privadas em bloco dinâmico de discussões temáticas que são acrescidas de outras de acordo com a aquisição de novos procedimentos, mas mantendo sempre posições doutrinárias da Medicina e os médicos como partes da cooperação entre pessoas e povos, das virtude que amparam as relações humanas. No momento, podem ser citadas algumas:

– Princípios gerais da humanidade;

– Inovações tecnológicas;

– Ética e psiquiatria;

– Ética e biotecnologia;

– Ética e novos procedimentos cirúrgicos indicados para promover o embelezamento;

– Ética e técnicas de fertilização fora do útero;

– Ética e fim da vida;

– Ética e deontologia;

– Ensinamento da ética.

 

 

 Ajustes do código de ética do médico frente às mudanças da ciência e da tecnologia

 

Ao aceitarmos a pós‑modernidade, como sugere Jean‑François Lyotard, moldada pelo desencanto aos metarrelatos universalizantes, será inevitável o repensar do enquadramento metafísi­co de muitas palavras‑sentimentos, como “razão”, “sujeito”, “totalida­de”, “verdade” e “progresso”.

Por esta razão, não existirá mais lugar para os super‑heróis com as super‑propostas separando um mundo socialista e progressista do outro burguês e explorador.

As relações de conhecimento ficarão entre o antagonismo de dois outros mundos,o desenvolvido e o subdesenvolvi­do,separados pela produção tecnológica oriunda do trabalho sistemati­zado nos laboratórios de pesquisa.

Se abordarmos a pós‑modernidade da Medicina sob esse enfoque técnico‑científico, veremos com transparência que o pilar sustentador está fincado na aquisição de um saber ‑ a engenharia genética ‑ vendido ou negado pelos países desenvolvidos aos subdesenvolvidos de acordo com as conveniências político‑econômicas.

A condição pós‑moderna, resultante dessas pesquisas de ponta, obrigou a completa reformulação dos antigos conceitos em relação à saúde e a doença, aceitos desde o aparecimento da micrologia no século 17.

Quando o mundo microscópico começou a ser revelado pelas lentes de aumento e foram identificadas as primeiras bactérias patogê­nicas, se pensou que tudo estava resolvido no trato das doenças. Para isto bastaria classificar o microorganismo e descobrir o antídoto. Nos anos sequintes, foi evidenciado que o corpo humano tinha muitos componentes, ainda desconhecidos, também interferindo diretamente no processo. Com a ajuda do fantástico aparato médico‑industrial da modernidade, as máquinas passaram a mapear cada centímetro dos tecidos na busca das modificações ocorridas no período de tempo entre a entra­da da bactéria e a instalação da doença. Tudo isso resultou na aquisição de um novo saber ‑ os mecanismos imunológicos de defesa. Foram três décadas de pesquisas para revelar o quanto é importante o papel dos linfócitos (células responsáveis por grande parte da defesa do organismo) na imunologia do homem.

Entretanto, a grande conquista tinha sido realizada apenas parcialmente. A função imunológica de proteção à vida obedecia às or­dens vindas do núcleo da célula, onde está o genoma (conjunto de genes).

Os genes são formados por uma malha muito complexa de infor­mações codificadas responsáveis por todas as características internas e externas dos seres vivos. No homem e na mulher, respondem desde a cor dos cabelos ao tamanho dos pés.

A partir dessa certeza, a Medicina dos países desenvolvidos foi afastada dos princípios passivos da classificação morfológica das doenças e passou a utilizar a engenharia genética na busca de soluções para os problemas de saúde da população economicamente ativa,como o câncer e o envelhecimento.

A Medicina do subdesenvolvimento, ainda continua empenha­da, com muita dificuldade, no estudo da morfologia celular, sempre alte­rada pela desnutrição crônica e pelas doenças infecto contagiosas que dizimam de milhões de crianças por ano.

Podemos afirmar, sem receio de estar cometendo um exagero, salvo exceções, que a Medicina do Terceiro Mundo continua aperfeiçoando o diagnóstico da morfologia dos tecidos, ainda ligado à microscopia celular e bacteria­na.  A maior parte das instituições de saúde está voltada ao tratamento dos tumores e das infecções hospitalares.

A tendência geneticista é a nova abertura aos conhecimentos da Medicina desde a micrologia seiscentista de Marcelo Malpighi (1628 ‑1694). Todas as certezas trazidas pelo conhecimento exclusivo da mor­fologia foram colocadas em descrédito, quase nada continua tendo senti­do. Não avançar nesse rumo significa permanecer no conhecimento conti­do no espaço hermético da doença já instalada,onde o olho clínico e o diagnóstico microscópico (a biópsia) são as diretrizes maiores.

A Medicina é na atualidade um grande trem caminhando veloz­mente em direção dos laboratórios de estudo do genoma humano,com a saúde sendo conduzida para a intimidade da estrutura molecular dos genes.

Esta posição, nascida com a pós‑modernidade, está rompendo muitas fronteiras do homem com a linearidade do tempo organizado,onde é impossível saber com precisão a diferença entre doença e saúde.

O despertar desta consciência que floresce na descrença das certezas acabadas está muito longe da simplicidade da morfologia célu­lar e acaba compondo ,inevitavelmente,uma nova leitura da ética da Medicina.

Desde a retomada das experiências pioneiras do fundador da genética, o abade agostiniano Gregor Mendel (1822 ‑ 1884), nas primeiras décadas do nosso século, quando se consolidou a certeza de que muitas patologias estavam localizadas no genoma, a atenção da Medicina foi dirigida para os recursos ilimitados do conhecimento da reserva genética dos seres vivos.

Logo após o término da Segunda Guerra, ao ser projetado o significado futuro da biotecnologia na produção de alimentos, de ener­gia e o no controle de muitas doenças, as estações para suprir o trem da engenharia genética ficaram todas localizadas nos países do Primeiro Mundo. Contudo, os recursos que compram a energia que movimenta a locomotiva tem a significativa participação dos países subdesenvol­vidos, principalmente através da compra das patentes dos fármacos,a maioria de eficácia duvidosa,consumidos desordenadamente.

As notícias sobre a engenharia genética são cada vez mais frequentes e completas,fazendo com que esse tema entre nas casas como o anúncio de qualquer outro produto de consumo. A mídia mostra com grande destaque uma grande colheita de grãos ou a cura de certa doença antes não imaginadas, tudo graças às pesquisas reveladoras dos segredos dos genes.

Hoje, mais do que nunca,é imperativo o repensar dos pressupostos teóricos da Medicina nesse novo contexto, mais especificamente depois da publicação dos trabalhos do pesquisador Tonegawa, ganhador do Nobel da Medicina de 1987, esclarecendo muitas dúvidas de como se efetiva a defesa interna do corpo frente aos microorganismos patogênicos.

Ficou demonstrado que quando os linfócitos B se desenvol­vem, segmentos do seu material gênico são selecionados e misturados para fornecer novos genes, dando origem a milhões de sequências varia­das, capazes de iniciar a luta contra muitas doenças.

Graças aos novos conhecimentos, é possível afirmar que parte da estrutura genética humana é plástica capaz de desenvolver muitas combinações gênicas adaptativas às necessidades da vida. Para que esse mecanismo biológico ocorra na sua plenitude é indispensável, entre outros fatores, que o corpo disponha de uma quota mínima da sua fonte de energia ‑ o alimento.

A partir dessa certeza, ficou fácil demonstrar o que já faz parte,  após milhares de anos, do conhecimento historicamente acumulado: as pessoas não alimentadas com uma quantidade mínima de calorias, ja­mais terão defesa imunológica suficiente para enfrentar a maioria das patologias.

As enfermidades teriam uma marca dinâmica no genoma e seriam ativadas a partir de um ou mais estímulos vindos de fora ou de dentro do corpo. Costumamos dar o seguinte exemplo: o equilíbrio dinâmico entre a saúde e a doença é como o teclado de um piano (genoma) tocado permanentemente por muitas mãos (estímulos externos), o som produzido depende do instrumento e de quem está tocando.

A doença se manifestará clinicamente no momento em que os dois mecanismos acionados (o interno contido nos genes e o externo representado pelos estímulos de natureza física, química e biológica, diretamente relacionado com a totalidade social do homem) forem suficientemente fortes para vencer as barreiras imunológicas.

A partir dessa abordagem pós‑moderna na Medicina, caíram definitivamente por terra os pressupostos étnicos racistas, diferenciando grupos sociais mais inteligentes e mais fortes do que outros, sempre alimentados por interesses dos grupos dominantes.

O processo histórico indica a necessidade de a ética da Medicina do presente e do futuro deve estar próxima dos bons resultados das práticas médicas, se necessário, interferir para evitar que as pesquisas atentem contra a dignidade humana e estimular que o desvendar da doença, nas menores dimensões da matéria, possa beneficiar todos os homens e mulheres, ricos e pobres.

 

LEITURA COMPLEMENTAR

 

BOTELHO, João Bosco. História de medicina: da abstração à materialidade. Manaus. Valer. 2004.

BOTELHO, João Bosco. Epidemias: a humanidade contra o medo da dor e da morte. Manaus. Valer. 2008.

BOTELHO, João Bosco. medicina e religião: conflito de competência. Manaus. 2ª. Ed. Valer. 2005.

BOTELHO, João Bosco. O Deus genético. Manaus. EDUA. 2000.

BOTELHO, João Bosco. Os limites da cura. São Paulo. Plexus. 1998.

NOËL, Didier. L’évolution de la pensée em éthique médicale. Paris. Conaissances et Savoirs. 2005.

 

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