Práticas médicas no século 19

Práticas médicas no século 19

 

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

 

            Considerações gerais

Primeiro corte epistemológico da Medicina

 

 

Na Escola Médica de Cós, na Grécia, Políbio, o genro de Hipócrates, baseado nos quatro elementos de Empédocles (terra, fogo, ar, água), descreveu o primeiro processo teórico capaz de compreender os binômios saúde-doença e vida-morte fora dos domínios dos panteões das divindades protetoras e vingadoras: a teoria dos Quatro Humores, preconizando a saúde como resultado do equilibro de quatro humores – bilioso preto, bilioso amarelo, sanguíneo, fleumático:

“Quanto à doença que nós chamamos de sagrada (epilepsia), eis o que ela significa: ela não me parece nem mais divina, nem mais sagrada que as outras; ela tem a mesma natureza que as demais doenças e se origina das mesmas causas que cada uma delas. Os homens atribuíram-lhe uma natureza e uma origem divinas por causa da ignorância e do assombro que ela lhes inspira, pois em nada se assemelha às outras”.

 

Ar

Fleuma

Água Bile amarela
Fogo Sangue
Terra Bile preta

 

 

Desse modo, Políbio firmou a correspondência estrutural da teoria dos quatro elementos fundamentais da natureza defendida por Empédocles com a teoria dos Quatro Humores fundamentais do corpo humano. Sem que até hoje saibamos, exatamente, o que representavam os humores, a idéia revolucionária dos médicos gregos da Escola Médica, na ilha de Cós, representados por Hipócrates, ficou conhecida como teoria dos Quatro Humores. Sob essa formidável concepção teórica, que dominou as práticas da Medicina-oficial até o século 17, o corpo humano seria constituído de quatro humores: sangue, fleuma, bile amarela e bile preta.

O equilíbrio entre a quantidade e qualidade dos humores seria o responsável pela saúde. Ao contrário, os desequilíbrios entre eles provocaram as doenças. Como conseqüência imediata, esse sistema teórico permitiu aos médicos hipocráticos explicarem a origem das doenças e, pela primeira vez, iniciar o conflito de competência entre a Medicina-oficial com as crenças e idéias religiosas, quando a saúde e a doença começaram a ser compreendidas pelo pequeno grupo de médicos da Escola de Cós, sob a liderança de Hipócrates como consequência do desequilíbrio dos humores.

O ponto inicial do conflito pode estar contido na nova abordagem da epilepsia, na época, até então conhecida como “doença sagrada” A epilepsia, tida como doença sagrada, de natureza divina, nas palavras de Hipócrates, foi arrancada do domínio abstrato dos deuses e conduzida na trilha da busca da materialidade:

“Quanto a doença que nós chamamos de sagrada, eis o que significa: ela não me parece nem mais divina, nem mais sagrada que as outras; tem a mesma natureza das demais doenças e se origina das mesmas causas que cada uma delas. Os homens lhe atribuíram natureza e origem divinas por causa da ignorância e assombro que ela lhes inspira, pois em nada se assemelha às outras.”

Sob a leitura de Bachelard, é possível entender esse extraordinário avanço para retirar dos deuses e deusas o destino dos homens e das mulheres como o primeiro corte epistemológico da Medicina.

 

Segundo corte epistemológico da Medicina

 

De modo genial, Marcelo Malpighi  (1628-1694), em 1666, com o livro “De viscerum structura” retirou a doença dos humores de Hipócrates e recolocando-a na microestrutura, estabelecendo o segundo corte epistemológico da Medicina como especialidade social: o pensamento micrológico, que mudaria quase tudo nos selos seguintes ate a atualidade.

O resultado foi a instituição do pensamento micrológico, inaugurando o desvendar da multiplicidade das formas e das funções escondidas dos sentidos natos, numa dimensão invisível aos olhos desarmados.

Pouco a pouco, o estudo da célula dominou os meios acadêmicos. Hoje, é o sustentáculo do atual ensino da Medicina-oficial. Mesmo nos hospitais mais bem equipados, na atualidade, nos tratamentos dependem do diagnóstico microscópico quantitativo e qualitativo das células corporais. Isso significa que a estrutura teórica dos saberes médicos, em pleno final do século 20, em grande parte, se alicerçada sobre os princípios teóricos da patologia celular oriunda do século 17.

O pensamento micrológico enfraqueceu as teorias greco-romanas de Hipócrates e Galeno, entendidas como dogmas das universidades, no medievo europeu. Não muito depois, pouco a pouco, os processos teóricos que amparavam a micrologia, a busca da materialidade da doença na microscopia, substituíram as idéias da Escola de Cós.

Os sistemas teóricos interligados e dependentes de Hipócrates e Galeno, capazes de explicar a saúde, a doença e a expressão do ser no social, mostraram-se tão adequados ao observável que dominaram as regras do diagnóstico, da terapêutica e as bases do ensino da Medicina oficial no Ocidente durante vinte séculos.

Ao lado dessa forte relação em torno das teorias hipocrático-galênicas que atravessou a Idade Média, alguns religiosos, como Miguel Servet, estudante da Universidade de Tolousse, em 1530, imbuído da leitura dogmática bíblica, ao procurar explicação para o sopro de ar que deu vida ao primeiro homem, no livro “Christianismi restituio”, descreveu a pequena circulação coração-pulmão.

Contudo foram os estudos de Hipócrates e Galeno que suplantaram todas as outras correntes cientificas. Alcançaram o Brasil Colônia e os médicos da corte portuguesa. Durante vinte e três dias de febre e convulsão que antecederam a sua morte, a Princesa Paula Mariana, filha do primeiro Imperador do Brasil, foi submetida às chupadas de quarenta sanguessugas, onze vesicatórios, oito cataplasmas e sete clisteres, prescritos pela equipe de dez médicos que se revezaram à cabeceira real.

As teorias greco-romanas continuaram influenciara a Medicina-oficial até o século 19. É interessante assinalar que as idéias alcançaram não só os médicos da Coroa portuguesa, mas também os viajantes, do século 18 que estiveram no Brasil. O médico e viajante Carlos Von Martius, em 1844, descreveu os índios brasileiros sob a perspectiva greco-romana, associando a teoria dos Quatro Humores de Hipócrates à teoria dos Temperamentos de Galeno.

 

Terceiro corte epistemológico da Medicina

 

Os estudos do frade agostiniano Gregor Mendel (1822-1844), mesmo não sabendo a grandeza da sua descoberta, abriu as portas da dimensão molecular, provocando nova reconstrução da Medicina como especialidade social, voltada ao desvendar da saúde e da doença nas menores dimensões da matéria viva..

Os hospitais dos países industrializados utilizam, na rotina diária, os resultados trazidos pelo pensamento molecular, acrescentado ao pensamento celular. Com o propósito de diagnosticar ou tratar certa doença, colocando a materialidade da saúde e da doença na dimensão molecular, são analisadas as quantidades e as qualidades de uma ou mais moléculas, entre as centenas de milhares que compõem a célula corporal.

O pouco tempo para a adequada disseminação dos saberes da Medicina-oficial na dimensão molecular, o alto custo e as dificuldades da tecnologia hospitalar de sair da célula para a molécula restringem esse avanço em poucos hospitais e instituições de ensino nos países em desenvolvimento.

Como uma das conseqüências do pensamento molecular, da Medicina-oficial, a clonagem estreitou, geneticamente, a multiplicidade das formas e das funções, criando em laboratório seres idênticos a partir de células retiradas de um indivíduo adulto.

Apesar de assustador, o produto do clone não humano, do mesmo modo como todos os animais nascidos da reprodução sexuada, ao longo do processo de amadurecimento, sofrerá a incisiva influência do social. Desta forma, no momento, não existe perspectiva de eliminar a multiplicidade geradora das respostas do ser vivente frente aos desafios da sobrevivência.

Mesmo sendo teoricamente possível, a clonagem de seres humanos é inconcebível. Não existem na linguagem oral e escrita para preencher a repulsa contra o alucinado ensaio de eliminar a principal característica do planeta: a multiplicidade.

Com mais liberdade para teorizar, se pode pensar que a busca da materialidade não será interrompida na molécula. Nada nos impede de pensar na possibilidade de avançar na direção do átomo.

Se assim ocorrer, a Medicina-oficial na dimensão atômica, no futuro, acrescentará novas construções complementando dados identificados no pensamento celular e pensamento molecular.

 

Século 19

 

Graças aos avanços a partir do Renascimento europeu que atingiram a anatomia, fisiologia, histologia e anatomia patológica, o século 19 foi marcado por novos progressos na Medicina.

Homens extraordinários como Mendel, lançando as bases do terceiro corte epistemológico da Medicina, inaugurando o pensamento molecular e Darwin, divulgando a nova concepção da evolução humana, tornaram esse período o expoente da Medicina voltada para entender o homem além do visível aos olhos desarmados..

Com o aumento da oferta nas universidades, cresceu o número de médicos. Ao combaterem ardorosamente a Medicina-empírica, muitos deles introduziram significativas mudanças nas práticas médicas, as quais perseguiam sistematicamente:

– Identificar o agente etiológico da doença por meio da bacteriologia;

– Aumentar o nível de investigação de cada doença, no exame clínico, com o objetivo de diferenciá-las rigorosamente e agrupá-las em grupos nosológicos;

– Melhorar o conjunto de métodos da investigação clínica por meio de aparelhos que poderiam desvendar a estrutura anatômica em áreas invisíveis aos olhos;

– Retirada de material para exame microscópico e/ou físico-químico;

– Reproduzir no laboratório as reações físico-químicas humanas;

– Aprofundar os estudos das doenças mais comuns e que, historicamente, causaram o medo coletivo da dor e da morte prematuras;

– Entender o desenvolvimento fetal.

Esse conjunto de ações, entre os séculos 19, voltadas ao melhor compreensão do corpo humano e das doenças conviveu com o livro de Charles Darwin que continuava causando êxtase na intelectualidade, sem dúvida, contribuíndo para diminuir cada vez mais a interferência da Igreja na produção intelectual.

 

Exame clínico e exames auxiliares

 

O gradativo amento no rigor no exame para compreender as manifestações clínicas das doenças, motivou a procura de novos métodos:

– Jean Nicolas Corvisat (1755-1821), descreveu a importância da percussão torácica nas doenças pulmonares;

– René Laënnec (1781-1826), sistematizou as regras da ausculta pulmonar e cardíaca por meio de um cilindro oco de madeira, em 1819, no seu livro Traité de l’auscutation médiate;

– Pierre Bretonneau (1778-1862), descreveu com precisão os sinais e sintomas da febre tifóide a a angina diftérica;

– Gaspard Laurent Bayle (1774-1816), chamou atenção para as diferentes formas de apresentação da tuberculose e as evoluções clínicas;

– Jean Baptiste Bouillaud (1796-1881), especificou com detalhes o reumatismo articular agudo;

– Matthieu Orfila (1787-1853), considerado o pioneiro da toxicologia e da Medicina legal;

– Joseph Récamier (1787-1852), inventor do espéculo vaginal.

De igual modo, outros métodos buscaram métodos na fisiologia experimental:

– François Magendie (1783-1855):

-Precursor da fisiologia experimental;

– Primeiro cateterismo cardíaco;

– Estudo dos gazes pulmonares;

-Primeiro cateterismo cardíaco.

– Claude Bernard (1813-1878), foi aluno de Megendie, publicou em 1865, o célebre livro L’Introduction à l’étude de la médecine expérimentale, no qual estabeleceu a função da gliconeogênese na glicemia. Em outros trabalhos avanço na compreensão:

– Pâncreas;

-Nervos vasomotores;

– Glândulas endócrinas;

– Glândula exócrinas;

– Relação do cerebelo no equilíbrio.

-Pierre Flourens (1794-1867), aprofundou os estudos entre o cerebelo e o equilíbrio;

– Charles Bell (1774-1842), descreveu as localizações e as funções motoras dos nervos raquidianos, em 1830, no livro The Nervous System of the Human Body;

– Emil Du Bois-Reymond (1818-1896), fundador da eletrofisiologia que demonstrou a natureza elétrica dos impulsos nervosos;

– Auguste Chauveau (1827-1917), demonstrou a atividade elétrica do coração;

– Johannes Müller (1801-1858), esclareceu alguns aspectos da fisiologia da visão e da audição;

– Carl Ludwig (1816-1895), assinalou a fisiologia da mecânica cardíaca;

– Étienne Jules Marey (1830-1904), formou as bases do registro gráfico do coração;

– Charles Brown-Sequard (1817-1894), estudou a função das glândulas endócrinas;

– Ivan Pavlov (1849-1936), autor do trabalhos pioneiros, em 1897, sobre os reflexos condicionados em cães;

– Oskar Hertwig (1849-1922), em estudos experimentais em ursos, demonstrou que a fecundação é o resultado da fusão entre um gameta feminino e um masculino;

– Karl Ernst von Baer (1792-1876), descreveu com precisão o desenvolvimento do ovo humano;

– Ernst Haeckel (1834-1919), ardoroso defensor do darwinismo, é o autor da famosa frase a ontogênese reproduz a filogênese, assegurando que o desenvolvimento do indivíduo está intimamente atado à espécie.

Ainda outros médicos aperfeiçoaram os acessos às cavidades, firmando a base da endoscopia:

– Filippo Bozzini (1773-1809), inventor do espéculo iluminado por meio do uso de espelhos;

– Max Nitze (1848-1906), melhorou o instrumento de Bozzinni e montou o primeiro uretroscópio e citoscópio. O maior problema enfrentado foi o calor provocado pela lâmpada incandescente que limitava a duração do exame;

– Punção lombar: realizada pela primeira vez pelo médico Heinrich Quincke (1842-1922) possibilitando a análise da composição química, celular e bacteriana do líquido cérebro-raquidiano;

– Espirometria: idealizada por John Hutchinson (1811-1861), em 1846, para medir a capacidade pulmonar;

– Oftalmoscópio: inventado e colocado em uso pela primeira vez, em 1851, pelo médico Hermann Helmholtz (1821-1894) para examinar o fundo do olho.

 

Pensamento micrológico

 

O indiscutível avanço no diagnóstico das doenças infecciosas patrocinado pelas conquistas da micrologia identificando as bactérias, não encontrou paralelo nos tratamentos. Ainda sem opção, os pacientes portadores das doenças infecciosas que sempre causaram medo na humanidade continuaram matando, só que, a partir do século 19, os pacientes morriam com o diagnóstico realizado.

Ocorreu enorme esforço para controlar as doenças causadoras das epidemias de encheram e terror a humanidade:

O maior representante do pensamento micrológico, precursor da citologia foi o médico Rudolf Virchow (1821-1902). Na sua obra fundamental Omnis cellula a cellula resumiu o princípio fundamental da citologia: Toda célula se origina de outra célula.

Sob essa perspectiva, os avanços podem ser agrupados em quatro segmentos:

A. Bacteriologia:

a. Louis Pasteur (1822-1895)

O monumental trabalho de Pasteur tomou corpo, em 1877, em torno dos estudos sobre a fermentação. Logo em seguida, divulgou a método da pasteurizacão, para conservar o vinho e o leite. De modo definitivo, acabou com a teoria da geração espontânea, defendida durante a Idade Média, que preconizava ser possível surgir vida do ar, ao demonstrar que a cólera das galinhas era contagiosa e provocada por bactéria.

Mesmo com a clareza das publicações, enfrentou ferozes inimigos que insistiam em negar a relação entre as bactérias e as doenças infecciosas. Entre os relevantes trabalhos de Pasteur, é possível destacar:

– Identificação do estafilococo no furúnculo e na osteomielite;

– Identificação do estreptococo na febre puerperal;

– Introduziu a assepsia e anti-sepsia com famosa frase: Se eu tivesse a honra de ser cirurgião, sempre lavaria as mãos com muito rigor e as exporia, rapidamente, ao calor, e só usaria instrumentos limpos previamente submetidos à temperatura entre 130 e 150 graus e água tratada até 110 graus;

– Introduziu o termo vacinação;

– Realizou a primeira vacinação anti-rábica, em 6 de julho de 1885, numa criança de 9 anos de idade que tinha mordida por cão raivoso.

b. Robert Koch (1843-1910)

Esse notável médico alemão introduziu os meios de cultura capazes de fazer crescer, no laboratório, a maior parte das bactérias causadoras de doenças. Entre a sua enorme contribuição à humanidade, destacam-se:

– Definitiva comprovação de que cada doença infecciosa é causada por bactéria específica;

– Isolamento, em 1882, do bacilo da tuberculose;

– Identificaçãoem 1884, do vibrião da cólera.

c.Alexandre Yersin (1863-1943)

Durante a epidemia, em Hong-Kong, em 1894, esse médico suíço identificou o bacilo da peste e o papel do rato na transmissão da doença, contudo não associou a pulga como o elemento contagiante.

d. Gehard Hansen (1841-1912)

Identificou o bacilo da lepra (Mycobacterium leprae), em 1873, a partir de preparações frescas e não coradas.

Algumas doenças infecciosas receberam atenção especial:

– Peste

Em grande parte resolvida, em 1894, com a publicação de Alexandre Yersin, que mesmo sem identificar o papel da pulga na transmissão, alertou a importância do rato contaminado que apresentada alterações teciduais semelhante às pessoas. Assim, foram intensificadas as medidas de higiene pública para evitar as condições contaminantes.

– Lepra

Apesar da identificação do bacilo infecctante, em 1873, realizada pelo médico Gerhard Hansen, ficou mais clara a histórica correlação do contágio entre pessoas doentes e sãs. Desse modo, sem qualquer mudança no tratamento e sem outra alternativa, os leprosos continuaram excluídos do convívio social.

– Malária

Os hematozoários da malária foram descobertos, em Constantinopla, em 1881, por Alphonse Laveram ((1845-19220) e em reconhecimento mundial, em 1907, recebeu o prêmio Nobel.

Em 1897, Ronald Ross demonstrou o papel do mosquito no ciclo da transmissão. Por outro lado, as diferentes variedades dos hematozoários foram descritas em:

– Plasmodium malariae, em 1897, por Ronald Ross (1857-1932);

-Plasmodium vivax, em 1890, por Giovanni Grassi (1854-1925);

– Plasmodium falciparum, em 1897, por Weleb.

– Tuberculose

A partir do isolamento da bactéria, em 1882, por Robert Koch, o diagnóstico da tuberculose alarmou as autoridades sanitárias do século 19. Com a melhoria do diagnóstico por meio da ausculta pulmonar idealizada por Rné Laënnec, porém sem tratamento adequado, alguns famosos escritores, no Brasil e no mundo, tocados pelo drama da morte anunciada dos tuberculosos, imortalizaram o sofrimento de personagens sem esperança de cura.

No Brasil, a doença é conhecida nos meios letrados como tísica pulmonar ou tísica, e pelas denominações populares e eufêmicas: delicada, doença do peito, doença-ruim, fininha, fraqueza do peito, magra, magrinha, moléstia-magra, mal-de-secar, mal-dos-peitos, queixa do peito e seca.

– Cólera

Após a descoberta do agente etiológico, em 1884, por Robert Koch, surgiram as primeiras vacinas, respectivamente, em 1885, idealizadas por Ferran, e em 1892, por Waldemar Haffkine.

– Diftéria

A identificação da difteria como entidade nosológica específica recebeu contribuição de vários médicos:

– Pierre Bretonneau (1778-1862), pela primeira vez, em 1821, utilizou a palavra difteria (diphteria = membrana);

– Theodor Klebs (1834-1913), em 1883, identificou o agente patogênico Corynebacterium diphteriae;

– Pierre Roux (1853-1933), em 1884, isolou a toxina do Corynebacterium diphteriae;

– Emil Behring (1854-1917), em 1980, iniciou a imunização;

– Febre amarela

Essa doença matou milhares de operários durante a construção do canal do Panamá. Em 1881, o médico cubano Carlos Juan Finlay (1833-1915) sugeriu a importância do mosquito Aedes aegypti na cadeia infecciosa. Somente em 1901, as pesquisas realizadas por um grupo de médicos dos Estados Unidos, sob a direção de Walter Reed (1851-1902), demonstraram a existência do vírus causador da infecção.

Simultaneamente, no mundo, as autoridades sanitárias intensificaram o combate ao mosquito conseguindo, em poucos anos, melhora significativa nos índices de contaminação.

O século 19 se caracterizou por um impressionante progresso na identificação das bactérias:

– Febre tifóide

– Carol Eberth (1835-1926), em 1880, identificou o bacilo que recebeu o seu nome;

– Émile Achar e Raoul Bensaude, em 1896, descrevem o paratifo.

– Tétano: identificado, em 1884, por Arthur Nicolaïer (1862-1921);

– Colibacilo: em 1885, por Theodor Escherich (1857-1911);

– Meningococo: em 1887, por Anton Weichselbaum (1845-1920);

– Cancro, em 1889, por Auguto Ducrey (1860-1940);

Ao lado desse incalculável avanço no diagnóstico micrológico, traduzindo a importância social do segundo corte epistemológico da Medicina por meio dos estudos de Marcelo Malpighi, a cirurgia também obteve grande melhoria acrescida das mais novas preocupações dos cirurgiões para entender a anatomia humana com cada vez mais detalhes e aumentar a sobrevivência dos pacientes operados controlando: infecção, hemorragia e a dor.

Esses três fatores obstaculizaram as práticas cirúrgicas do século 19. Mesmo com os cuidados da assepsia e anti-sepsia preconizadas por Pasteur, incontáveis doentes morreram em conseqüência das complicações decorrentes das infecções, hemorragia e dor. De certa forma, o cirurgião tinha de ser muito rápido e evitar, tanto quanto possível, operar longe das áreas contaminadas. Por essa razão, as amputações dos membros, para manter a vida, secundárias aos traumas de guerra tornaram-se mandatórias. Só assim é possível entender o feito pelo cirurgião Dominique Larrey (1766-1842), durante uma batalha, realizou duzentas amputações.

O maior controle das infecção, das hemorragia e da dor nesse contexto em que os cirurgiões desejam dispor de mais tempo para poderem debruçarem-se sobre o objeto da sua arte ¾ o corpo humano.

Ainda com a resistência de alguns que não acreditavam nos cuidados da assepsia e anti-sepsia, a maior parte dos cirurgiões, em pouco tempo, passaram a usar:

– Máscaras cirúrgicas;

– Luvas de borracha esterilizadas após cada cirurgia, proposta por Halsted em 1889;

– Esterilização sistemática e rigorosa dos instrumentos cirúrgicos;

– Isolamento das salas de cirurgia e proibição de circulação de pessoal não autorizado;

– Uso do ácido fênico para esterilizar o instrumental cirúrgico, introduzido por Joseph Lister (1827-1912), em 1867;

– Lavagem permanente das áreas expostas pela cirurgia, durante o ato operatório, com compressas embebidas com ácido fênico por Stéphane Tarnier (1828-1897) e Just Lucas Championnière (1843-1913);

– Lavagem obrigatória das mãos do pessoal médico e auxiliar com solução de cloreto de cálcio antes de qualquer manuseio genital no após parto. Com essa medida, o médico Ignace Semmelweis (1818-1865), numa maternidade em Viena, conseguiu reduzir a mortalidade de 27% para 0,23%.

Outra grande mudança na cirurgia ocorreu para conter a eventual hemorragia, durante ou após os atos cirúrgicos, realizados em áreas anatômicas cada vez mais de difícil acesso, tornou-se necessário a ajuda de instrumentos capazes de ampliar a ação das mãos e dos dedos do cirurgião. Nesse sentido, os médicos que sentiam a angústia das dificuldades, no dia-a-dia da rotina cirúrgica, trataram de inventar os novos instrumentos que serviram de base ao aprimoramento da hemostasia:

– Edouard Chassaignac (1804-1879), em 1859, o dreno cirúrgico lançados em recipientes fechados de vidro para coletar a secreção e/ou sangue;

– Jules Émile Péan (1830-1915), em 1868, a pinça hemostática que substituiu os dedos na preensão do vaso sangrante e permitiu aos cirurgiões continuar operando enquanto a hemorragia estava sob controle;

– Eugène Koeberlé (1828-1915), em 1864, a pinça com a ponta em dente de rato, para imobilizar uma determinada estrutura anatômica de pequeno porte, quase sempre impossível realizada com os dedos;

– Theodor Kocher (1841-1917), a pinça hemostática com a ponta em dente de rato com o objetivo de fazer a hemostasia em tecidos humanos com pouca aderência, como a gordura;

– Jacques Reverdin (1842-1929), agulhas para suturas curvas de vários tamanhos e espessuras;

– Louis faraboeuf (1841-1910), o afastador que recebeu o seu nome para separar tecidos e estruturas anatômicas, evitando a presença das mãos no campo cirúrgico;

– Melhora dos instrumentos e procedimentos da cirurgia oftalmológica.

A dor sempre desempenhou um papel de dupla função entre o médico e o paciente. Na possibilidade de existir o elo de confiança, a dor atua como o principal determinante que impulsiona na procura do médico; se esse elo é frágil ou ausente, a dor afasta o doente do médico, fazendo com que o auxílio para aliviar a situação dolorosa seja buscado fora da Medicina oficial.

Assim, desde os primeiros registros, o conhecimento historicamente acumulado tem sido utilizado nas ações médicas para aliviar a dor. O mais reconhecido é a semente da papoula, seguramente, empregado na Egito e na Mesopotâmia.

Nenhuma outra substância para combater ou evitar a dor foi utilizada até 1540, quando o éter mostrou-se forte agente anestésico, porém as sérias complicações decorrentes do seu uso, provavelmente, contribuíram para que esse conhecimento não fosse disseminado.

Em 1799, já existe registro da presença de protóxido de nitrogênio ou gás hilariante e, em 1831, Eugène Soubeiran (1797-1858), descobre o clorofórmio. Essas extraordinárias descobertas iriam revolucionar a prática cirúrgica:

– Horace Wells (1815-1848), dentista, no dia 14 de dezembro de 1844, perante o auditório lotado de médicos, em Boston, nos Estados Unidos, demonstrou a ação anestésica do protóxido de nitrogênio;

– John Collins Warren (1773-1856), médico, no dia 16 de outubro de 1846, no Hospital de Massachussetts, em Boston, anestesia o primeiro paciente com éter;

– James Young Simpsom (1881-1870), médico, anestesia a rainha Victoria com clorofórmio, durante o parto do seu filho Leopold.;

– Friedrich Wilhelm Sertürner (1783-1841), isolou a morfina a partir da papoula;

As autoridades eclesiásticas reagem ao parto sem dor e proclamaram-se contra esse avanço argumentando que a Bíblia é clara:

Ge 3, 16: À mulher, ele disse: Multiplicarei as dores de tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos.

Em nada adiantou a resistência religiosa, o caminho da anestesia cirúrgica estava aberto.

Com o melhor controle da dor, da hemorragia e da infecção os cirurgiões, no século 19, iniciaram o melhor acesso às doenças que impõem o tratamento cirúgico e antes eram sinônimo de morte anunciada ou representavam deformidades insanáveis:

– Nas cavidades abdominal e torácica;

– Deformidades congênitas;

– Reconstruções plásticas funcionais.

As profundas modificações em curso, determinadas pelo início do processo de industrialização, impulsionaram às novas relações entre a Medicina oficial e a sociedade. Nesse sentido, duas vertentes da ação médica apareceram para estabelecer essa ponte, em grande parte nascida da pressão social: higiene pública e o seguro de saúde.

– Higiene pública

Os médicos oitocentistas perceberam com clareza que os avanços no diagnóstico clínico e micrológico, apesar de importantes, não determinaram redução significativa na evolução de muitas doenças. Dessa forma, incentivaram medidas higiênicas públicas mais rigorosas, inclusive a inclusão da matéria nas Universidades. Com essa visão de presente e futuro, os seguintes médicos marcaram a história da Medicina:

– François-Emmanuel Fodéré (1764-1835), titular da primeira disciplina de Higiene, em Paris, publicou em 1798, o Traité de médecine legale et d’hygiene publique;

– Johann Peter Franck (1745-1821), escreveu o clássico Système de politique médicale onde defendeu uma política nacional de saúde sob a responsabilidade do poder público, com a formação de estrutura policial especializada com o objetivo de fiscalizar a higiene pública;

O número de mortos durante a epidemia de cólera, em 1832, na França, mostrou aos governantes e à população o quanto ainda eram frágeis os instrumentos públicos da higiene pública. No mesmo ano, foram criados os Conselhos de Higiene nas principais cidades francesas.

Os primeiros seguros de saúde ¾ Krankenkassen ¾ foram criados, em 1883, na Alemanha. Em pouco tempo, as sociedades que reuniam trabalhadores de determinados setores, como os ferroviários e mineiros, estabeleceram as próprias regras para assegurar à assistência médica aos seus membros e à família.

De certa forma, esses dois elos religando a Medicina oficial e a sociedade, no século 19, resgatou dois aspectos importantes da prática médica: cuidados com a saúde pública, oriundo dos tempos greco-romanos e guarda da família, iniciada nas corporações, na Idade Média.

A consciência crítica predominante nas Universidades apontava para a absoluta necessidade de unir os esforços tanto para melhorar a saúde pública quanto o sofrimento dos doentes individualmente. A única saída era divulgar o mais amplamente possível os novos conhecimentos e descobertas. As recém criadas academias médicas assumiram esse papel e trataram de aumentar o número de revistas nas diferentes especialidades.

Graças a essa disseminação o mundo da ciência tomou conhecimento das seguintes substâncias que poderiam ser usadas no tratamento de várias doenças:

– Emetina, vomitório isolado a partir da raiz da ipeca, da família das rubiáceas (Cephaelis ipecacuanha), por Joseph Pelletier (1788-1842);

– Quinina, alcalóide da quina, em 1820;

– Colchicina, em 1819;

– Ácido acetilsalicílico, em 1899;

– Cocaína, em 1860;

– Digitalina, em 1844;

– Trinitrina, em 1879.

O conhecimento já estava suficientemente grande para que fosse possível, já no século 19, o médico conseguir alcançar as áreas de conhecimento. Provavelmente, os médicos que trabalhavam nos hospitais públicos passaram a assinalar os diferentes modos de apresentação das doenças, chamando atenção aqui e ali, para certas condições que se repetiam em todos os doentes, chamados sinais patognomônicos.

Nesse sentido, as especialidades foram ocupando os espaços, inclusive nas universidades e hospitais, onde as enfermarias recebiam doentes que apresentavam sinais e sintomas relacionados com órgãos e sistemas anatômicos específicos:

 

Especialidades médicas

 

– Neurologia:

– Douglas Argyll Robertson (1837-1909), a ausência do reflexo pupilar na sífilis nervosa;

– Joseph Babinski (1857-1922), as doenças nervosas orgânicas das psicossomáticas;

– Guilhaume Duchenne (1806-1875), ataxia motora progressiva;

– Alfred Vulpian (1826-1887), a esclerose em placa;

– Jean Martin Charcot (1825-1893), a esclerose lateral amioatrófica;

– Vladimir Kernig (1840-1917), a meningite;

– Jules Déjerine ( 1849-1917), a síndrome talâmica;

– George Huntington (1851-1917), a corea crônica;

– Carl Wernicke (1848-1905), a afasia sensitiva;

– Pierre Paul Broca (1824-1880), o centro da linguagem.

 

– Cardiologia:

– Pierre Potain (1825-1901), a medição da pressão sangüínea nas artérias;

– Maurice Raynaud (1834-1881), a gangrena simétrica das extremidades;

– Henri Riger (1809-1891), a comunicação interventricular;

– Étienne Fallot (1850-1911), a tetralogia que ficou com o seu nome.

 

– Endocrinologia

– Karl Basedow (1799-1854), o bócio exoftálmico;

– Thomas Curling (1811-1885), o mixedema infantil;

– Thomas Addison (1793-1860),a insuficiência supra-renal;

– William Gull (1816-1890), o hipotireoidismo;

– Franz Chvostek (1835-1884), os sinais clínicos da hipocalcemia e os do tétano;

– Pierre Marie (1853-1940), a acromegalia;

 

Dermatologia e doenças sexualmente transmissíveis:

– Philippe Ricord (1800-1889), estabeleceu a distinção entre a sífilis, a gonorréia e o cancro;

– Paul Diday (1812-1894), descreveu a evolução da síndrome congênita;

– Alfred Fournier (1832-1914), diferenciou a sífilis congênita da ataxia locomotora amioatrófica.

 

Hematologia

– Karl Landsteiner (1883-1946);

– Loius Malassez (1842-1909), a hematimetria;

– Charles Richet (1850-1921);

– Otto Kahler (1849-1893), o mieloma;

– Henri Vaquez (1860-1936), a poliglobulia;

– Thomas Hodkin (1798-1866), o tumor maligno primário dos linfonodos que recebeu o seu nome.

 

Esse conjunto de progresso em direção à microestrutura dos tecidos humanos e dos agentes patogênicos pouco mudou o curso e o temor das doenças mentais. Salvo as mudanças impostas pelo médico francês Philippe Pinel , em pleno século 19 ainda predominava a idéia da loucura expressa no majestoso quadro de Goya.

Entre essas muitas mudanças da Medicina oficial, sem dúvida, a ocorrida nos hospitais marcou, definitivamente, as práticas médicas oitocentistas porque, pela primeira vez, desde a Idade Média:

– O ensino abandonou, definitivamente, as disciplinas abstratas como teologia e a filosofia;

– A hospitalização voltou a interagir com a docência;

– Programa comum para todas as Faculdades de Medicina;

– Prática obrigatória da autopsia em todos os pacientes falecidos nos hospitais;

– Obrigatoriedade do diploma universitário para exercer a Medicina;

– Separação em pavilhões distintos e afastados os doentes portadores de doenças infecciosas e transmissíveis;

– Construção dos sanatórios (nasatorius = apto à cura) destinados aos pacientes portadores de tuberculose.

Nessa leitura do movimento social que transformou a Medicina oficial era imprescindível a institucionalização do ensino, em Paris, aconteceu com a criação do primeiro programa de Residência Médica em 1802.

 

– Homeopatia

É importante assinalar que as complicações decorrentes do tratamento eram em número muito elevado, seja nos pacientes submetidos à terapêutica clínica ou cirúrgica. Nessas circunstâncias muitos doentes evitavam as prescrições dos médicos.

Os princípios que regem a homeopatia foram lançados por Samuel Hahnemann em 1790, após ter ingerido a quina verificou que sentiu os mesmos sintomas da malária. A partir desse fato começaram os seus estudos que iriam conduzi‑lo a máxima homeopatica Similia similibus curantur ou semelhante se cura com o semelhante.

Hahnemann continuou as suas experiências e publicou em 1810, a sua obra fundamental Exposição da doutrina homeopática: Organon da arte de curar e, em 1828, Matéria médica pura. Ambas teorizavam a técnica dinamização, segundo a qual os medicamentos homeopáticos são ativos a medida que são diluídos Até hoje, a estrutura teórica da homeopatia é baseada nos estudos de Samuel Hahnemann.

Foi naquele contexto, onde a Medicina oficial mais matava, que apareceu a homeopatia. Se não curava, pelo menos não apressava a morte. Esse fato tornou-se evidente na epidemia de cólera em 1848, que devastou os Estados Unidos. Sobreviveram mais pacientes que foram tratados pela homeopatia. No ano seguinte foi fundada a Sociedade Homeopática dos Estados Unidos.

A homeopatia foi introduzida no Brasil, em 1840 pelo comerciante francês Benoit Mure, discípulo de Hahnemann. Na luta que se travou imediatamente entre a alopatia e a homeopatia ficou caracterizado muito mais que a disputa cientifica, era a conquista do mercado consumidor pelas duas correntes. Com avanços e recuos a homeopatia foi se firmando até ser reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, em 1980, e pelo Previdência Social em 1985.

Séculos 20

 

O século 20 foi marcado por transformações geopolíticas tão grandes e profundas que é, de certa forma, difícil de compreender como foi possível, em tão pouco tempo, aumentar trinta anos na perspectiva de vida das pessoas. Esse extraordinário período, também reconhecido pelos horrores perpetrados do homens contra homens, de máquinas contra homens e homens contra o meio ambiente.

Sem dúvida que o terceiro corte epistemológico da Medicina ¾ pensamento molecular ¾ iniciado com os estudos de Mendel, marcou a prática médica dominante no século 20, gerando aparecimento da biogenética. Porem, entre os fatos que interferiram, direta ou indiretamente, se destacam:

– Transportes, dos automóveis aos foguetes;

– Comunicação, do rádio à internet;

– Desvendar do átomo;

A melhor compreensão do átomo impulsionará a Medicina do futuro na direção do quarto corte epistemológico ¾ as práticas médica dominadas sob a chancela do pensamento atômico.

Se no século I20 já era muito difícil dominar os saberes médicos acumulados, no século 20, tornou-se impossível. Sob a égide do movimento cada vez mais rápido dominando a vida de todo é conveniente conceber a Medicina novecentista em áreas específicas de conhecimentos.

– Virologia:

O resultado direto do pensamento molecular dominando o histórico desvendar da doença escondida atrás da pele:

– Dimitri Ivanovsky (1864-1920), descobre o primeiro vírus, em 1892, conhecido como o vírus do mosaico do tabaco;

– Martinus Beijerinck (1851-1971), revela o vírus da febre amarela em 1898;

– Sanarelli, em 1903, identifica o vírus da raiva;

– Vacinação conta a poliomielite em 1909;

– Wendell Stanley, em 1935, classifica os vírus como seres vivos;

– Por meio do microscópio eletrônico é obtida a primeira imagem do vírus;

– John Enders, em 1949, demonstra ser possível entender melhor o crescimento virótico quando estudado dentro da célula.

– Imunologia: essencialmente ligada à molécula, essa especialidade também é uma decorrência do pensamento molecular, dessa forma as premiações médicas consagradas são atribuídas nessa área.

– Elie Metchnikoff (1845-1916), descreve a fagocitose, mecanismo no qual algumas células sangüíneas englobam no seu citoplasma certas bactérias;

– Charles Richter (1850-1935) e Paul Portier (1866-1962), escrevem sobre a anafilaxia;

– George Snel, Jean Dausset e Baruj Benacerraf, em 1980, são premiados com o Nobel pelos trabalhos sobre histocompatibilidade;

– Cesar Milstein, em 1984, ganhou o prêmio Nobel pela demonstração dos anticorpos monoclonais;

– Susumu Tonegawa, em 1987, recebeu o prêmio Nobel pela extraordinário trabalho demonstrando que os genes das imunoglobinas podem adquirir nova estrutura durante a vida, significando a existência de processo adaptativo durante a vida e que os genes não estão engessados.

A descoberta do cientista Tenegawa é uma das bases da minha teoria da memória-sócio-genética, na qual ao longo do processo de evolução, a estrutura ontogenética foi adaptada para fugir da dor utilizando além dos mecanismos biológicos atávicos, as religiões e as Medicinas como elos da proteção plena.

– Genética:

Da mesma forma que a imunologia, a genética diz respeito, exclusivamente, ao gradativo domínio do pensamento molecular que passou a buscar a causa e o tratamento das doenças na estrutura da molécula.

– James Watson e Francis Crick, em 1953, propuseram o modelo da dupla hélice do ADN;

– Raymond Turpin e Jérôme Lejeune, em 1959, comunicam a presença do cromossomo anômalo no 21o. par cromossômico, doença genética que ficou conhecida como trissomia 21;

– Diversos autores, nos Estados Unidos da América e em países da Europa central, publicam artigos sobre a recombinação genética, isto é, o isolamento de fragmento de ADN de um cromossomo, em seguida modificar a sua estrutura e reintroduzir em outro organismo;

– Em 1999, termina o estudo morfológico do mapa genético do homem levado a cabo por meio de consórcio internacional de laboratórios e cientistas dos países industrializados.

A Medicina do século 20 ao mesmo tempo em que enveredava no pensamento molecular, aperfeiçoava os avanços da anatomia e da fisiologia, intimamente atadas às especialidades:

– Cardiologia

– Jules-Étienne Marey e Jean-Baptiste Chauveau, em 1902, descrevem os mecanismos cardíacos responsáveis pelas pressões sistólica e diastólica;

– MIchel Pachon, em 1909, inventou o aparelho para medir a pressão arterial;

– Willem Einthoven (1860-1927), registrou o primeiro eletrocardiograma e, em 1907, o pioneiro fonocardiograma. Em 1924, foi agraciado com o prêmio Nobel;

– Werner Forssmann (1904-1979), realizou o primeiro cateterismo cardíaco.

Hematologia:

A terrível carnificina da guerra de 1914-1918, de certa forma, impulsionará a melhoria da transfusão de sangue nos soldados dilacerados pelas bombas e metralhadoras dos dois lados.

– Karl Landsteiner (1868-1943), em 1901, descreve os quatro grupos sangüíneos;

– Jansky, em 1910, os denomina de A, B, AB e O;

– Émile Jeanbrau, no dia 16 de outubro de 1914, em Montpellier, na França, realizou a primeira transfusão de sangue num militar vindo da frente de batalha;

– Uso do citrato de sódio, na Primeira Guerra, para manter o sangue incoagulável e permitir a transfusão;

-Arnault Tzanck, em 1923, em Paris, organizou o primeiro centro de transfusão sangüínea;

– Landsteiner e Wiener, em 1940, em Nova Iorque, os sub-grupos sangüíneos caraterizados pela presença e ausência do fator Rhesus;

– Michaël Arinkin, em 1947, realizou o primeiro transplante de medula óssea;

– Cancerologia

Os maiores avanços da cancerologia, no século 20, também foram a passagem do pensamento celular oncológico, de certa forma, atribuído a Virchow, para o pensamento oncológico molecular, gerador tanto do melhor diagnóstico no nível genético, quanto do extraordinário avanço terapêutico com a descoberta de novas estruturas moleculares com propriedades tumoricidas e o uso controlado das radiações eletromagnéticas iniciado pela Madame Curie na França.

Por outro, como seria óbvio esperar, a fidelidade das coletas dos dados epidemiológicos resultaria na identificação de fatores predisponentes ao aparecimento de certos tumores. Com o suporte dessas informações inquestionáveis, a partir da década de sessenta, os serviços de saúde dos governos trataram de organizar campanhas institucionais permanentes voltadas ao desestímulo coletivo dos hábitos e vícios facilitadores da carcinogênese.

– Peyton Rous (1879-1970), comunica que o sarcoma da galinha pode ser transmitido entre esses animais por meio injeção do filtrado celular do tumor;

– Dominique Stehelin, em 1976, descobre os anti-oncogênes ou genes supressores do câncer.

Está claro que o inquestionável avanço realizado na cancerologia, notadamente no último quarto do século 20, estamos longe de entender os múltiplos mecanismos da carcinogênse. Também não seria excesso teorizar que o grande desvendar virá, no futuro, com o pensamento atômico substituindo o pensamento molecular

– Endocrinologa

– Jokichi Takamine e Thomas Aldrich, em 1901, isolaram por meio da cristalização a adrenalina;

– Ernest H. Starling e William M Bayliss, em 1904, associaram a secretina com a função pancreática;

– Edward C. Kandall, em 1914, isolou da tiroxina;

– Frederick G. Banting e John Macleod, em 1923, descobrem a insulina.

O pensamento molecular além das novas descobertas tanto no diagnóstico quanto na terapêutica enveredou para transpor os mecanismos naturais da gravidez, fazendo com que a concepção e a anticoncepção fossem possíveis em momentos diferentes daqueles permitidos pela ontogênese.

– Anticoncepção

– Ludwig Haberlandt (1885-1932), em 1927, demonstrou que a administração de extrato ovariano em coelhas determinada a esterelização temporária;

– Willard Allen e Gegorge Corner, em 1929, obtêm extrato cristalizado de hormônio retirado do corpo amarelo da porca;

– Allen e Corner, em 1934, designam o hormônio de progesterona;

– Russel Marker, em 1941, obtém a progesterona do chá da planta lithospernum, usada há centenas de anos pelas mulheres de uma tribo de Nevada com fim anticoncepcional;

– Gregory Pincus, em 1956, realizou com pleno sucesso o primeiro ensaio anticoncepcional em 221 mulheres de Porto Rico;

– Émile Baulieu, em 1982, descobre a mifepristone ou RU 486 (pílula do dia seguinte), como meio anticoncepcional episódico e para a interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras horas após a formação do ovo.

O poder eclesiástico reagiu a anticoncepção artificial e, em 29 de julho de 1968, o papa Paulo VI publicou a encíclica Humanae Vitae, na qual condena todas as formas de contracepção, com exceção daquelas fundamentadas nos meios naturais.

– Concepção

– Em 1963, a criação do primeiro banco de esperma nos Estados Unidos da América;

– Em 1970, as primeiras inseminações artificiais nos casos de esterilização masculina;

– Em 1978, nasce o primeiro bebê fecundado in vitro ou bebê de proveta, chamada Louise Brown, cuja mãe era estéril;

– Em 1984, nasce o primeiro bebê originado de embrião congelado;

– Em 1985, é realizada a primeira injeção de espermatozóide na zona pelúcida do ovo, conhecida como técnica Suzi (Subzonal insemination);

O movimento para entender as doenças psiquiátricas foi magistralmente modificadas pela teoria freudiana, na qual lança as bases da psicanálise. Em 1990, publicou, em Viena, o livro A interpretação dos sonhos, e em 1902, fundou a Sociedade Psicanalítica de Viena.

Com as transformações na anestesia, no controle da dor e na infecção, as técnicas cirúrgicas para atender o paciente traumatizado sofreram significativas mudanças patrocinadas pelas pressões sociais ocorridas secundariamente:

– Segunda guerra mundial;

– Guerra da Coréia;

– Guerra do Vietnã;

– Traumas em acidentes nas estradas.

A tendência conservadora do corpo marcou todas as práticas cirúrgicas cirúrgica no século 20. Desse modo, antepondo-se ao passado, predominou a luta para que a cirurgia pudesse mudar diretrizes predominantes dos séculos anteiorres para:

– Preservar o órgão;

– Restaurar a função;

-Melhorar a estética;

-Retirada de segmentos largos do corpo mantendo a função;

– Melhoria da cirurgia experimental.

Em ondas sucessivas de aprimoramento do manuseio cirúrgico, ao contrário da tendência amputadora dos séculos anteriores, a nova ordem voltou-se à reconstrução da forma e da função, surgiram:

– Próteses;

– Microcirurgia;

– Endoscopia

– Transplantes de órgãos

– Em 1958, John Meril e Joseph Murray, realizam o primeiro transplante renal com sucesso;

– No mesmo ano, Jean Dausset demonstra a existência dos grupos leucocitários HLA (human leucocyte antigens) como os responsáveis pela rejeição dos transplantes;

– Em 1963, Thomas Starzl, em Denver, nos Estados Unidos da América, realiza o primeiro trnasplante de fígado;

– Em 1967, na África do Sul, Christian Barnard realizou o primeiro transplante cardíaco;

– Em 1970, transplante de pâncreas, nos pacientes insulino-dependentes;

– Em 1981, transplante de pulmão;

– Em 1982, melhor compreensão da imunomodulação dos transplantes que permitiu extraordinário avanço no controle da rejeição;

– Em 1996, transplante completo do joelho composto de osso, menisco, ligamentos e vasos, realizado em jovem acidentado;

-Em 1999, transplante de uma mão em paciente amputado há 10 anos.

 

– Imageologia:

A melhoria do diagnóstico com o auxílio das imagens congeladas e dinâmicas teve início, no século 19, e foi consolidado no século 20, por meio dos trabalhos da radiologia médica de Wilhelm Conrad Röntgen, da Universidade de Würzburg, e de William Crookes:

– Em 28 de dezembro de 1895, Röntgen radiografa a mão da sua esposa;

– Em 1901, Wilhelm Conrad Röntgen recebe o prêmio Nobel de Medicina;

– Em 1910, o médico austríaco Guido Holzknecht e o americano Walter Bradford Cannon preconizam o uso de bário nas radiografias contrastadas do aparelho digestivo;

– Em 1910, iodeto de sódio é utilizado nas urografias endovenosas;

– Em 1921, Jean Marie Athanase Sicard usam o lipidiol na cavidade uterina, brônquios e trajetos fistulosos;

– Em 1927, Egas Moniz realiza a arteriografia;

– Em 1916, o físico Paul Langevin demonstra a importância do princípio do ultra-som usado para detectar submarinos no diagnóstico médico;

– Na década de 1960, o físico Gordon Hounsfielf, trabalhando nos laboratórios da EMI, descobre a tomografia computadorizada;

– Em 1976, o físico belga Raymond Damadian aprimora a ressonância magnética.

 

– Infecções por vírus:

– Em 1970, Gertrude B. Elion a partir das pesquisas dos aribonosídeos derivados das purinas descobre a acicloguanosina (Aciclovir), imediatamente usado no tratamento do herpes;

– Em 1988, Gertrude B. Elion recebe o prêmio Nobel de Medicina;

 

– Antibóticos:

– Em 1928, Alexander Fleming descobre a ação bactericida do fungo Penicillium notatum;

– Em 1935, Gerhard Domagk descobre as sulfamidas;

– Em 1941, Howard W. Florey e Ernst Boris publicam na revista The Lancet o primeiro tratamento pela injeção de penicilina;

– Em 1945, Fleming, Florey e Boris recebem o prêmio Nobel de Medicina;

– Em 1944, Selman Abraham Waksman descobre a estreptomicina com ação sobre o bacilo de Koch;

– Em 1947, cloranfenicol;

– Em 1952, a isoniazida é associada à estreptomicina no tratamento da tuberculose;

– Em 1948, a descoberta da aureomicina;

– Em 1951, a terramicina;

– Em 1953, a tetraciclinas;

– Em 1954, eritromicina;

– Em 1968, a rifampicina;

 

Ente o final do século 19 e os primeiros anos do século 20, a estrada em direção ao terceiro corte epistemológico da Medicina ¾ a molécula ¾ produz inimaginável progresso em torno do controle profilático das doenças. Nesse sentido, a vacinação e o uso da soroterapia em grandes parcelas da população, nos quatro cantos do planeta, muda o perfil da nosologia prevalente desde os primeiros registros escritos:

– Em 1894, Emil Adolf Von Behring e Emile Roux tratam a difteria tratam os doentes com soro de cavalo previamente infectados com toxinas diftérica e tetânica;

– Em 1894, Yersin usa princípio semelhante na peste;

– Em 1895, Sclavo e Marchoxna, no carbúnculo;

– Em 1906, Georg Jochmann, na meningite meningocócica.

 

– Vacina

– Em 1909, Richar Pfeiffer, Henri Vincent e Fernand Widal aperfeiçoam a vacinação tríplice contra os bacilos tifóide, paratifo A e B;

– Em 1921, Léon Charles Albert Calmette e Jean Marie Guérin, contra a tuberculose

– Em 1948, a Organização Mundial de Saúde recomenda a vacinação BCG;

– Em 1923, Gaston Léon Ramon descobre a toxina tetânica e, em 1927, a vacinação antitetânica assegura o controle do tétano neo-natal;

-Em 1949, John Enders descobre o vprus da Poliomielite em culturas de tecido nervoso;

-Em 1955, Jonas Salk publica os primeiros resultados da vacinação contra a poliomielite;

– Em 1957, Sabin inicia a vacina oral;

– Em 1958, vacina contra a rubéola;

– Em 1969, vacina contra rubéola e parotidite;

– Em 1976, contra a hepatite B;

 

LEITURA COMPLEMENTAR

 

BOTELHO, João Bosco. Epidemias: a humanidade contra o medo da dor e da morte. Manaus. Valer. 2008.

BOTELHO, João Bosco. Medicina e religião: conflito de competência. Manaus. 2ª. Ed. Valer. 2005.

BOTELHO, João Bosco. História da Medicina: da abstração à materialidade. Manaus. Valer. 2004.

BOTELHO, João Bosco. O Deus genético. Manaus. EDUA. 2000.

BOTELHO, João Bosco. Os limites da cura. São Paulo. Plexus. 1998.

BELLONI, Luigi. El microscopio y la anatomia. In: Entralgo, Pedro Lain (org.) Historia universal de la Medicina. Barcelona: Salvat. v. 4. 1986.

BIRABEN, Jean-Noël. Les maladies en Europe: équilibres et ruptures de la pathocénose. In: Grmek, Mirko D. (dir.) Histoire de la pensée médicale en Occident. v. 1. Paris: Seuil. 1998.

CASTIGLIONE, Arturo. Histoire de la Médecine. Paris: Payot. 1931.

CHASTEL, Claude; Cénac, Arnaud. Histoire de la Médecine. Introduction à l’épistemologie. Paris: Ellipses. 1998.

D’ALLAINES, Claude. Histoire de la chirurgie. 3. ed. Paris: Presses Universitaires de France. 1984.

ENTRALGO, Pedro Lain. Estudios de historia de la Medicina y de antropología médica. Madri: Escorial. 1943.


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