Memórias-sócio-genéticas e as linguagens-culturas: construções essenciais da vida – 3

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

7. Linguagens-culturas: partes essenciais da vida

É inconcebível pensar nas linguagens e nas culturas ligadas somente às trocas metabólicas físico químicas, nos níveis biológico molecular, ou nas exclusivas origens sociais. É tempo de interagir a natureza, o social e a História à genética. A força mental que impulsiona a repetição e molda a ficção é muito forte para ser exclusivamente sóciocultural.

O conjunto das reações neuroquímicas, ligando o ser ao objeto, só é consolidado nas mentalidades ─ memorizado e reproduzido ─ quando for elaborado em estreita consonância com as necessidades pessoais e coletivas, requeridas no processo societário, especialmente, a fuga da dor e a busca do prazer.

O ser é biológico e social; ele não existe sem as relações de trocas e estas não seriam possíveis sem ele. As ações apreendidas, inclusive as linguagens e as culturas, também seguem concatenamentos semelhantes nos caminhos do SNC.

Como esses caminhos, que dependem da forma e função de muitos segmentos do corpo, especialmente as do córtex cerebral, possuem claríssima dependência dos genes, do mesmo modo que é importante conhecer as análises históricas anteriores das linguagens e das culturas, objetivando compreender as linguagens e as culturas que desprezam os saberes genéticos estão distantes da atualidade da ciência.

Por outro lado, os indicadores mostram que as teorias que pretendem desvendar os mistérios da vida de relação, nas quais estão incluídas as que tratam da fantástica capacidade de escrever, valorizando a natureza humana pendular entre o objetivo e o subjetivo, contida nos determinantes intrínsecos e extrínsecos, acima citados, oferecem maior possibilidade de acerto.

O conjunto formador da ação apreendida não se dá sobre o nada. As estruturas nervosas, centrais e periféricas, responsáveis pela intercomunicação entre a memória, a linguagem, os sentidos e o social ligam se ao córtex cerebral, através de bilhões de sinapses. É a prisão mental de cada um. É a jarra de Pandora de onde já saiu, na oralidade, e continuará brotanto, na linguagem escrita, todos os infortúnios e todas as esperanças da humanidade.

A vida de relação, registrada nas linguagens-culturas, está sob o constante crivo neurológico funcional. Não existe qualquer dúvida das conjunções anatômicas e funcionais, unindo como gêmeos xifópagos, a forma e a função, mesmo que até hoje não estejam bem explicadas.

Entretanto, estão identificados, pela cirurgia experimental, alguns centros neurológicos específicos, relacionados com o comportamento emocional. Quando estimulados artificialmente por corrente elétrica, nos animais de laboratório, são capazes de os impelir às expressões de sono, agressividade e medo ou fazer o animal assumir posição de cópula ou de choro.

Há de existir algum tipo de coerência funcional a nível celular, molecular e em dimensões ainda menores, na conjunção massa energia, no interior do átomo, ligando o ser ao objeto, transcrito no ato de escrever.

Logo, a capacidade individual para sentir e expressar as emoções, nas linguagens, nasceriam como conseqüência das relações biológico sociais.

Vez por outra, o lento desvendar avança apoiado no estudo dos achados acidentais. Foram descritos dois casos clínicos, na literatura especializada, relacionados com os núcleos cerebrais da linguagem, atendidos por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e do Hospital Maggiore, Bolonha, na Itália.

No primeiro, um homem com 62 anos, depois de sofrer um derrame cerebral, não conseguiu mais escrever as vogais; as palavras eram escritas em perfeita simetria com o pensamento expresso oralmente, porém só com as consoantes. O paciente não conseguia simbolizar as cinco letras. Não resta mais dúvida de que a escolha dos caracteres, para compor a linguagem escrita, está contida num segmento específico do cérebro.

O segundo relato diz respeito ao paciente do sexo masculino, 32 anos, norte americano, que depois de ser acometido por acidente vascular cerebral, perdeu a familiaridade com o inglês, sua língua materna, e passou a acrescentar vogais às palavras, resultando num sotaque escandinavo. A cura do distúrbio deu se na medida da recuperação da área cerebral danificada pela isquemia.

É precisamente nessa convergência, entre o físico presente na estrutura celular e o crivo do genético social, dando forma à função, que ocorre a maravilhosa e intrigante materialidade da idéia invisível, capaz de nominar, desvendar, criar e transformar o objeto.

Por essa razão não existe discurso sem a linguagem impregnada do saber acumulado historicamente. No contexto da multidisciplinaridade, as gramáticas são, na essência, ideológicas, porque expressam um tipo de posse do real e as características pessoais que marcam, profundamente, nos corpos, os prazeres e as dores sentidos e imaginados.

Por essa razão, a busca da verdade opera se no conflito entre o objetivo e o subjetivo (de certa forma, confundindo se com o sagrado e o profano), refletindo o estado da coisa numa determinada temporalidade. A variante do tempo impõe se, por estar contida na essência que torna perceptível a forma e a função do ser vivente.

O objetivo primário da ação neurológico motora (a idéia seguida do movimento do corpo), motivada pela mensagem atávico social, responde, por si mesmo, ao mais fundamental sentimento mantenedor da sobrevivência: a cooperação unindo os grupos para fugir à dor e desfrutar do maior prazer. Algo que poderia ser chamado de crítica da proteção pura.

Todos os seres vivos, sem exceção, desejam o abrigo protetor. Não se trata, exclusivamente, do viver. O morrer pode representar, em certos instantes, o ato cooperativo dominante e, nesse caso, a morte representará a proteção pura.

O anseio para compreender as diferenças entre o constatado pelos sentidos (objetivo) e o imaginado extrassensorial (subjetivo), propiciou interdependência muito forte entre elas. Em certas etapas do processo, é impossível saber onde começa uma e termina a outra.

Não existiram partidas independentes. A realidade, vivida pelos humanos com os outros animais, dividindo o meio ambiente comum, contribuiu para fortalecer profundas imitações simbólicas, presentes como marcas profundas do tempo passado, na consciência coletiva.

Muitos inventos e expressões estéticas, no passado e no presente, projetadas pelo aprimoramento da técnica, acabam sendo facilmente identificadas no meio comum partilhado.

O ímpeto para reproduzir os elementos visíveis, tirando deles a utilidade para sustentar o conforto (aqui compreendido como a fome e a sede saciadas, o alívio da dor e o abrigo contra o frio e o calor), influenciou as primeiras interações entre o pensamento, o ato e o social.

O fato dos nossos ancestrais longínquos terem aprimorado as cópias do perceptível na natureza circundante, animais e coisas, nos abrigos das cavernas, há milhares de anos, representa a certeza da profunda coerência entre a forma e a função no corpo.

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