Processos históricos da ética médica (1/7)

 

 

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

1. Considerações gerais

O alfabeto grego possui duas letras “e” longo = eta e o “e”curto = épsilon. Dessa forma, êthos com a letra eta significa: característica, modo habitual de se comportar; éthos com a letra épsilon, corriqueiro, costume, usual. O processo histórico linguístico impôs semelhança etimológica entre os dois termos: ambos estão vinculados à virtude. Talvez também por essa razão, no cotidiano, a ética tem caminhado ao lado da moral.

A palavra “moral” é de origem latina, “mores” significa “costume”, mas não qualquer costume, e sim estritamente aderido à virtude. Assim, Kant de modo genial caracterizou a ação moral plena de virtude e realizada, exclusivamente, por dever legalista, em respeito às leis, em caráter universal.

Em muitas circunstâncias, essa característica universal da ação moral, citada por Kant, isso é, a busca incessante para que o comportamento humano estivesse sempre ao lado da virtude, independente do processo fiscalizador, ultrapassa as relações sociais em si mesmas. Não é impertinência pensar que esse desejo humano, desde um passado impossível de precisar, de valorizar a virtude, como antagonismo ao vicio, seja um processo gerado ao longo da humanização, ligado à sobrevivência do grupo humano.

Sem esforço, torna-se inevitável articular um pensamento teórico voltado à herança genética, para a existência de uma ou mais memórias-sócio-genéticas (MSGs) ligadas à valorização da virtude e ao desprezo ao vício, atadas aos mecanismos institucionais para valorizar a virtude e unir os vícios. Esse conjunto organizador social presente nas MSGs, vinculado à sobrevivência, – ética-moral –, presente na espécie humana, a única com neocórtex tão desenvolvido, desprezando o vício (aqui compreendido como oposição à virtude) também se manifesta socialmente por meio de outras categorias metamórficas, todas amparando a sobrevivência pessoal e coletiva: linguagem, ser-tempo (pessoas vistas e pensadas), ser-não-tempo (seres pensados impossíveis de serem vistos), relações médico-míticas (associação de deuses e deusas de muitos panteões, como a saúde a doença), dor-histórica (presentes nas MSGs, ao contrário da dor pessoal, tratada pelo agente da cura, funciona como alerta de um ou mais sofrimentos coletivos que impuseram mudanças socias) e a coesão social. A ética-moral ampara e mantém as MSGs.

É claro que, nos dias atuais, ainda não existem mecanismos na engenharia genética capazes de identificar essas MGSs, mas esse fato não invalida essa construção teórica.

É difícil atribuir a atávica busca da virtude somente às relações sociais. Em incontáveis ações humanas, sejam pessoas ou coletivas, em grupos sociais das mais diversas etnias, nos quatro cantos do planeta, existem fortes indicativos de que esse encanto coletivo pela virtude seja motivado por impulsos que transcendem o exclusivamente social.

Desse modo, sob essa perspectiva, os significantes da ética ligada a moral, oriundos da escrita grega, com o “e” longo, o eta, ou com o “e”curto, o épsilon, reproduzem importantes e indispensáveis mecanismos sócio-genéticos da sobrevivência da espécie humana, materializados nos códigos de ética de muitas atividades, nas quais a ética médica é um deles.

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