Arqueologia da doença e a teoria do caos (2/2)

 

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

Atuais competências e incompetências da Medicina

Como consequência das incontáveis dúvidas, fica mais fácil entender os níveis de competência da medicina-oficial e, nessa relação direta, a maior ou menor presença do chamamento à medicina-divina e à medicina-empírica:

– Competência da medicina-oficial com pouco ou nenhum chamamento da medicina-oficial e medicina-empírica: doenças não traumáticas em pacientes com imunidade normal, portadores de doenças infecciosas causadas por fungos e bactérias;

– Incompetência da medicina-oficial com muito chamamento da medicina-oficial e medicina-empírica: doenças não traumáticas em pacientes com imunidade normal, portadores de doenças infecciosas causadas por vírus;

– Incompetência da medicina-oficial com muito chamamento da medicina-oficial e medicina-empírica: doenças não traumáticas em pacientes imunodeprimidos, portadores de doenças infecciosas causadas por bactérias, fungos e vírus;

Entre as muitas circunstâncias que envolvem incompetência da medicina-oficial, podem ser citadas:

– como aparece a primeira célula do câncer;

– previsão do infarto do miocárdio;

– como ocorrem as doenças imunomoduladas;

– alteração da forma do sistema nervoso central nas psicoses;

– diferentes manifestações da mesma doença.

A partir dessa certeza, de a medicina-oficial desconhecer em qual dimensão da matéria o normal se transforma em doença, parece ser possível ensaiar outra abordagem teórica da arqueologia da doença tomando como parâmetros o caos — instabilidade que persiste.

Apesar dos avanços tecnológicos alcançados, principalmente, com a mecanização automação interferindo cada vez mais no domínio da natureza, persistem muitas dúvidas estruturais para compreender melhor a coisa em si (referida ao conceito kantiano). Por outro lado, deve ficar clara que essa abordagem está voltada à certeza do resolutório patrocinado pelo processo histórico do conhecimento, como ponte para transformar a coisa em si em coisa para nós.

A busca da arqueologia da doença é, certamente, uma das dúvidas que persistem.

O caos está presente em toda a natureza e pode se manifestar quando um objeto é submetido ao efeito de mais de uma força, gerando situações impossíveis de previsibilidade, com os atuais conhecimentos. Os exemplos mais banais vão desde a ten-tativa de prever o próximo movimento de uma folha que corre livre ao sabor da corrente das águas de um rio, uma bactéria que sobrevive na corrente sanguínea até as previ-sões climáticas. Nesses exemplos, ainda não é possível saber o que poderá acontecer à folha, à bactéria e se terá ou não tempestade em Manaus num determinado dia, mesmo utilizando os mais complexos sistemas de cálculos.

A maior dificuldade reside em separar a supremacia do caos à aparente estabilidade das coisas visíveis aos olhos desarmados. A nossa visão apreende o conjunto circundante como se tudo apresentasse o mesmo ritmo uniforme e eterno: a noite, o dia, as estações do ano, as estrelas e o movimento dos planetas.

Sob essa aparente e enganosa simplicidade rítmica, o homem tem acumulado saberes e, em especial, construiu compreensões estáticas da saúde e da doença, predominando um divisor de águas entre o homem doente, como sinônimo da morte, e o sadio, como afirmação da vida.

Nada na natureza circundante se passa desse modo. O matemático francês Henri Poincaré (1854-1912) demonstrou a instabilidade mesmo em sistemas simples. Esse pensador acabou ficando conhecido também pela defesa da existência de uma “comodidade da ciência”, onde as teorias científicas traduziriam a arbitrariedade da razão com o objetivo de tornar inteligível um conjunto de fatos observados.

A atual compreensão de instabilidade regendo o conjunto que mantém a vida no planeta é absolutamente fantástica, porque obriga todos a mergulharem na incerteza angustiante ao acabar com as certezas acabadas.

O estudo do caos inseriu a matemática nos sentidos do homem onde a capacidade humana de abstrair as formas espaciais foi incorporada a outra geometria muito diferente da euclidiana. Reforçando essa fantástica capacidade de avançar para procurar respostas, homens geniais imaginaram a projeção espacial da molécula de ADN, abrindo o caminho para desvendar o genoma.

Sob esse prisma, decompondo as estruturas lineares e estáticas, na certeza de que a coisa em si passa gradual e inexoravelmente à coisa para nós, isto é, o noumeno cedendo lugar ao conhecido, é razoável pressupor que, no futuro, a doença será compreendida como fenômeno dinâmico fora do espaço euclidiano.

O possível caminho envolvendo a arqueologia da doença à caoslogia, isto é, outra compreensão do “normal” e da “doença” fora do espaço euclidiano, foi iniciado pelo pesquisador Susumi Tonegawa, o ganhador do Nobel de 1987, com o indicativo de certos fatores sociais causarem alterações genéticas, demonstráveis em laboratório por meio:

– Ocorrência de variações na ordem dos aminoácidos dos anticorpos produzidos nos linfócitos B;

– Segmentos do material genético são selecionados e misturados para formar novos genes;

– Originaram muitas sequências variadas de aminoácidos, que seriam capazes de efetuar com competência a defesa do corpo humano contra as agressões nas dimensões micro e macroscópica.

Nessas condições, as conhecidas alterações orgânicas produzidos por certos tipos de estresses repetitivos, teriam sido induzidas geneticamente no passado remoto, com a função de manter a vida:

– Redução temporária do número de linfócitos;

– Aumento de neutrófilos e das células natural killer no sangue;

– Migração dos linfócitos para a medula óssea e pele;

– Ativação rápida das glândulas do sistema hipotálamo-hipófise-adrenal, liberando grandes quantidades do hormônio cortisol, na glândula suprarrenal.

Nada impede de considerar como legítimo o pensamento inverso: se as adaptações genéticas foram competentes para gerar respostas endógenas repetitivas para manter a vida, existiriam outras circunstâncias, nas quais não teria ocorrido a mesma competência, resultando em muitas doenças. Com a liberdade requerida pelos que anseiam respostas (como ponte para transformar a coisa em si em coisa para nós), sem as tê-las, quem sabe, em alguma parte da matéria viva, estariam os encontros entre as medicina-divina, medicina-empírica e medicina-oficial, que justificaria a im-pressionante reprodução na crença dos milagres nos quatro cantos do planeta. Esse caminho possibilitaria desvendar a arqueologia da doença até nas menores dimensões da matéria, onde o normal se transforma em doença.

Bóson de Higgs

A imprensa mundial divulgou, no dia 31 de março próximo passado, o espetacu-lar acontecimento científico ocorrido no Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês): o encontro de dois feixes de partículas subatômicas com a velocidade próxima à da luz, possibilitando a descoberta de outras partículas subatômicas e, talvez, de outras dimensões.

Do mesmo modo, também poderá significar o início do caminho para a ciência entender em qual dimensão da matéria o tecido normal se transforma em doença.

Sob essa magnífica realidade, igualmente, é possível teorizar que o quarto corte epistemológico da Medicina esteja em curso: a busca da materialidade da doença na dimensão atômica-subatômica.

Esta entrada foi publicada em HISTÓRIA DA MEDICINA. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *