Tabaco: o sagrado e o profano em torno da fumaça – 2/6

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho
Quase dois milênios depois, milhares de quilômetros de distância das culturas mediterrâneas, os primeiros colonizadores, nas Américas, registraram a aspiração da fumaça produzida pela queima do tabaco e de outros vegetais como instrumento de cura de doenças (Figuras 1,2,3,4).

 

Figura 1 – Relações com o poder de cura da fumaça na América Central.

Figura 2 – Relações com o poder de cura da fumaça na América Central.

Figura 3 – Relações com o poder de cura da fumaça nas Américas do Norte e Central.

Figura 4 – Relações com o poder de cura da fumaça nas Américas Central e do Sul.
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No Brasil, os europeus Thevet(16), Salvador(17) e D’Evreux(18), instruídos na filosofia greco‑latina, relataram os hábitos sociais e crenças dos índios brasileiros. Os três foram unânimes quanto à importância da fumaça do tabaco na organização do espaço sagrado. A perspicácia de Thevet, citando comparativamente as obras de Aristóteles, Ovídio e Plínio, identificou o sentido mítico indígena do Grande Caraíba como o profeta‑mor responsável pela invenção do fogo.
Entre os Tupinambás, antigos senhores do litoral brasi­leiro, proliferou o mito de origem e da conservação do fogo(19) guardado por Monan nas costas da preguiça.
Os relatos dos cronistas e viajantes, no Brasil, alguns acompanha­dos de gravuras (Figura 5), narraram o uso da fumaça do tabaco nos ritos terapêuticos e divinatórios. Os pajés se comunicavam com os espíritos, para curar e adivinhar, através da força embriagadora da fumaça do tabaco queimado.
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Figura 5 – Relações com o poder de cura da fumaça no Brasil assinalado pelos primeiros elementos colonizadores.
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Herdeiro de outra informação, o colonizador sem compreender o significado mítico-religioso da fumaça, não tardou em demonizar o tabaco(20).
Apesar das severas restrições ditadas pela política colonial, em pleno século 21, em Manaus, permanece vivo o uso da fumaça do tabaco nos ritos de cura (Figura 6).
Figura 6 – Curadora rezando e soprando a fumaça do tabaco sobre a cabeça de uma criança doente, em Manaus, 2007.
Bibliografia
16. THEVET, Andre. Singularidades da França Antártica. Belo Horizonte. Itatiaia. 1978. p. 171.
17. SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil 1500‑1627. 7. ed. Belo Horizonte. Itatiaia. 1982. p. 84.
18. D’EVREUX, Ivo. Viagem ao Norte do Brasil. Rio de Janei­ro. Ed. Livraria Leite Ribeiro. 1929. p. 313.
19. MÉTRAUX, Al­fred. A religião dos tupinambás. 2. ed. São Paulo. Nacio­nal. 1947. p. 65‑79.
20. BOTELHO, João Bosco. Tabagismo: do sagrado ao profa­no. História da Medicina: da abstração à materialidade. Manaus. Valer. 2004. p. 369-380.
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