CONFLITOS ENTRE OS CURADORES DE TODOS OS MATIZES

 

 Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

     Em consequência da frequência das disputas entre médicos e outros curadores, algumas com forte agressividade de ambas as partes, nos quatro cantos do mundo, raramente essa questão vem à tona despida das paixões parcimoniosas. A importância sociopolítica é diluída na polarização na disputa de poder que pode ser simbolizada na mesma essência de Apolo e Dionísio, onde a medicina‑ciência se confronta com a religião‑medicina. Essa abordagem apaixonada é construída como se o conhecimento historicamente acumulado pouco interferisse nessa com­plexa relação de poderes e, simplesmente.

     Com frequência, ao longo da busca que motivou esse ensaio teórico, eu en­contrei dificuldades para selecionar a palavra adequada que pudesse colocar o pensamento ao lado da linguagem escrita, capaz de traduzir a certeza que tenho do quanto a medicina-ciência continua vinculada à religião por meio da coisa sagrada.

     As mensagens deixadas nas paredes das cavernas pelos nossos ancestrais mais distantes deixam entender, quando associadas aos outros dados da paleopatologia, mesmo aos mais céticos, que as práticas de curas e as expressões de religiosidade estariam incrivel­mente atadas e dependentes.

     Os maiores entulhos que se colocam entre essa associação histórica – os conflitos entre os curadores -, em grande parte, são fruto das muitas metamorfoses ao longo dos milênios, não só nos ritos, mas prin­cipalmente no modo como foram compreendidas nos sucessivos processos de transformação social.

     A ignorância da origem das enfermidades, principal impedi­mento da vida e do conforto físico, contribuiu para que fosse inicia­do, num determinado momento da história do homem, o processo de divini­zação do desconhecido. A doença e a saúde, a vida e a morte passaram gradualmente a fazer parte de um mundo exclusivo da divindade e dos seus representantes na terra, capazes de interpretar e manusear o sagrado.

     A questão que relaciona o objeto sagrado à religião foi analisada por Croce que negou a independência de uma ” categoria religião ” e a considerava como subproduto da “categoria moral”, en­quanto outro renomado filósofo Otto se esforçou para demonstrar a realidade da experiência do “sagrado” como fundamental para qualquer religião. Nessa magnífica construção teórica para entender o invisível, Gramsci desconsi­derou qualquer conceito de religião sem a correspondente relação cul­tural entre o indivíduo e o objeto sagrado. Os estudos gramscianos colocaram a religião como integrando uma concepção da vida cotidiana contida no conjunto ideológico ligado à ética e por isso contribuin­do, em certas circunstâncias, para que o homem aceitasse as desigualda­des sociais.

     Em todas as circunstâncias, os discursos teóricos não contribuíram para atenuar o confronto entre curadores de todos os matizes.

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