ESCOLHA DO MÉDICO: ELO DE CONFIANÇA

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

            Aquilo que doença causa, na essência entendido como mal que deve ser extirpado, constitui o principal pilar que alicerça a abordagem do doente, montando o elo de confiança entre o enfermo e o curador, não somente como fenômeno biológico, mas também como parte da totalidade sociocultural do curador e do doente.

            Ao longo da História, o controle das endemias sempre esteve diretamente ligado a essa realidade. O historiador Jaques Le Goff é enfático: “La maladie n’appartient pas seulement à l’histoire superficielle des progrès scientifiques et technologiques mais à l’histoire profonde des savoirs et des pratiques lies aux structures sociales, aux institutions, aux representations, aux mentalites”.

            Um dos exemplos mais marcantes é a hanseníase. Essa doença começou a desaparecer da Europa ainda no século 17, trezentos antes do início do tratamento considerado efetivo. Aqui reside um dos pontos cruciais do atual entendimento da medicina enquanto pratica social: é preciso que as nossas escolas de medicina repensem as metodologia para que os alunos compreendam a dimensão social da doença.

            A análise cultural das doenças pode contribuir também para esclarecer como se processa a escolha que o doente faz na procura do médico ou do curandeiro, consolidando o elo de confiança. Em determinadas culturas distante milhares de quilômetros entre si, esse encaminhamento é concretizado de modo semelhante, isto é, as pessoas se baseiam no sistema referencial dos amigos e não em indicadores objetivos do êxito profissional.

            Após a escolha do curador, não necessariamente médico, as práticas se distanciam rapidamente. Em certo sentido, em especial na construção do elo de confiança, a medicina popular é mais integral que a medicina das universidades. O médico tende, como resultado da sua formação desvinculada do sociocultural, abordar exclusivamente a doença em compartimentos corpóreos, enquanto que o curador‑popular se envolve com o dominante cultural e o utiliza no seu objetivo de curar.

             A milenar crença de que a doença é um castigo divino ainda é marcante em muitas culturas. Nas grandes religiões, em certas circunstâncias, continua sendo utilizada em larga escala como instrumento de controle social.

            A compreensão das enfermidades como forma de desvio social foi teorizada Parsons, em 1951. Essa abordagem foi marcada pelo etnocentrismo americano da década de cinquenta que acabou legitimando o pressuposto de que as pessoas não podem se ajudar mutuamente e transformou todos em seres passivos e obedientes que devem se submeter inteiramente ao poder da Medicina.

            Essa conduta fortaleceu a medicina e a morte hospitalar fixndo relação de absoluta dependência entre o doente se o médico. Nessa situação, “sucessos da tecnologia curando doenças temidas” se transforma em duro confronto com a realidade vivida, sem cuidados primários à saúde, torna impossível a construção dos elos de confiança entre doente e médico.

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