PECADO E DOENÇA NO MONOTEÍSMO CRISTÃO

A extraordinária reconstrução grega da doença desvinculada do pecado atingiu os ritos romanos. Para conter o avanço do laico os teóricos da coisa sagrada impuseram regras mais rígidas para evitar o erro cerimonial nos ritos, reforçando o rito puro e novas estruturas polares piedade (pietas) e impiedade (impietas) constrói. O rito mal conduzido, gerando pecado, doença, maléfico, infelicidade, seria consertado por meio de outra cerimônia (expiatio) para anular a impureza (pecado). Nessa esteira, seguiram-se os muitos cultos gnósticos defendendo desprezo pelo corpo, pela coisa exclusivamente laica. Como seguimento, os ritos corretivos dos pecados tornaram-se violentos, impondo jejuns prolongados e flagelações sangrentas, abrindo caminho às futuras teorizações do pecado sob a égide judaico-cristão.
Desde aqueles tempos, não existia consenso em torno do pecado original. Um dos exemplos mais significativo da negativa do pecado original está fincado na fundação de Roma, quando Rômulo mata por banalidade o irmão Remo: enquanto Cícero admite o pecado, no De officius, III, 41 (peccatum), Horácio defende o pressuposto de crime, no Epodon líber, VII, 1 e 17-20 (scelus) e Virgílio, afasta a idéia de pecado.
No Antigo Testamento, nas linhas mais interessantes ligando a doença ao pecado se destaca a interseção da serpente. A idéia de pecado original no AT se mostra essencialmente voltada à ordem espiritual (Gênesis 2, 8; 3; Job 14, 1-4; Salmos 50 e Ezequiel 18, 1-32), sem a marca da transmissão à descendência.
A concepção fundamental do pecado no AT é representada pela associação com doenças, desgraças, infelicidades e provocando ações para corrigir e evitar novos pecados não mortais (Samuel, 20,1; I Reis, 2,19; II Reis, 1, 1) e pecados mortais (Deutoronômio, 14,16; 21, 22; 22,26; Ezequiel, 3, 20; Amos, 9,10). Nas duas circunstâncias, o perdão divino concedido ao pecador, gerando a cura da doença, a dissolução da infelicidade ou do nó, seria alcançado por meio da confissão individual (Gênesis, 39, 9; Josué, 7, 13-23).
Nos últimos séculos do judaísmo antigo surgiram reconstruções em torno do pecado original, como fontes de doenças, infortúnios e morte prematura, voltadas à responsabilidade de Eva, em Eclesiastes, 25-24: ?Foi pela mulher que o pecado começou e, por sua causa, todos nós morremos.?
Várias passagens dos Evangelhos descrevem a concepção judia do pecado, diferenciando os pagãos como pecadores por não cumprirem as Leis, pondo a misericórdia de Deus como possibilidade do perdão puro ? Nova Aliança. Jesus Cristo ao vencer o diabo, removeu o pecado, a doença, o aleijão, a infelicidade.
Ao contrário às raízes pré-socráticas, outra vez, a doença adere fortemente ao pecado. No medievo, os teólogos acrescentaram rigores no entendimento da doença ? como obstáculo entre o homem e Deus ? como sinal de pecado, em especial, às moléstias deformantes do corpo, como a lepra.

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