CARIDADE CRISTÃ

CARIDADE CRISTà

 

CARIDADE CRISTÃ, HOSPITAL MEDIEVAL, SÉCULO XIV

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

 

A conjunto político que  amparou e  consolidou  os  primeiros hospitais  como instituições de assistência social,  teve  as  suas bases nas decisões elaboradas no  Concílio de Trento, no século XVI. Entre as decisões mais importantes a Igreja declarou a unção dos enfermos como sacramento e  aceitou a colaboração humana com a graça santificante.

Graças a esse concílio, a autorização eclesiástica foi formalizada para que todos exercitassem a caridade, garantindo o acesso ao Reino de Deus aos seus praticantes. Os povos cristãos encontraram na abertura conciliar a argumentação  para  justificar  uma postura de  amparo  aos  enfermos  e necessitados.

As  organizações  de solidariedade  mútua, irmandades  e confrarias  multiplicaram-se  em   centenas   na  Europa. Todas procuravam cumprir recomendações conciliares na ajuda caritativa dos desgraçados e amparo aos doentes.

Na assistência aos doentes, existiam  duas  opções atender  os  doentes individualmente ou agrupá-los em lugares determinados,  que ficaram conhecidos  como  xenodochium  pauperum, debilium et  infirmorum (hospital  dos pobres, dos fracos e dos  enfermos). A   alternativa dos  hospitais  acabou  prevalecendo e várias irmandades  foram organizadas para administrá-los. As ordem Hospitalários de São João, Antoninos e Espírito Santo foram as que mais se destacaram. Dentro da mesma estratégia, com o Estado e a Igreja unidos, os primeiros hospitais  dirigidos  por  religiosos passaram  também a receber as  mulheres  grávidas nas  últimas semanas de gestação e os órfãos.  Essa  união  de interesses  comuns, gerou  frutos imediatos alimetados pela  necessidade coletiva de suprir as grandes deficiências na atenção à saúde, no medievo, funcionando também como mecanismo para afrouxar as tensões sociais geradas pelos flagelos da fome e das doenças endêmicas.

Quanto maior a miséria coletiva, maior é o chamamento para a caridade. Foi o que aconteceu em Portugal. A  península  foi  particularmente  castigada   pelos efeitos  da  peste negra, pelo menos com duas dezenas de surtos registrados entre 1188 e 1496. As epidemias do século XIV,  foram  agravadas pelas  guerras intestinas da nação portuguesa e  mostraram-se  tão desesperadores, que o enterro dos mortos se tornou impossível. Os cadáveres acumulavam-se por toda  parte, dando um aspecto da chegada  do  fim  dos  tempos e o  cumprimento das previsões apocalípticas.

Acompanhando a estrada que ligava  Portugal à cidade espanhola de Compostela, onde ficava a igreja de São Jaime, existiam  centenas de albergues utilizados pelos peregrinos e devotos,  que  se dirigiam  em  romaria para  obter a cura naquele  santuário cristão.

Nenhuma doença poderia simbolizar melhor a atenção  que Jesus  deu  aos homens doentes. Os leprosos  foram  escolhidos  no Terceiro  Concílio de Latrão  (1179), sob  o pontificado de Alexandre III (1159 -1181), para receberem tratamento especial dos  cristãos. A Ordem de  São  Lázaro foi criada para dar cumprimento às ordens conciliares e o grão-mestre deveria ser sempre um leproso.

Não se deve estranhar que o pano de fundo das albergarias-hospitais  tenha sido também a obtenção de  vantagens pessoais, financeiras e  políticas  por  seus dirigentes. Essa afirmação  ganha suporte no fato de que D. Pedro, em  1420, escreveu ao   seu   irmão  D. Duarte, sugerindo  a  intervenção real na administração das hospedarias, como alternativa para reabilitar a debilitada economia do reino.

A Igreja e o Estado passaram a  disputar  esse  filão inesgotável de recursos que a caridade passou a representar. As  ordens  religiosas devem ter sido mais ágeis  para dirigir o  produto   monetário da caridade aos  cofres eclesiásticos, a  ponto de a situação ter ficado insustentável, causando  prejuízo à arrecadação do reino. A  reação foi imediata. Por ordem de D. Duarte e publicada nas Ordenações Alfonsinas de 1446, foi decretada a interdição real nas albergarias,  detrminando que todos os legados que fossem doados às irmandades deveriam passar pelas cortes civis e não mais pelos tribunais religiosos.

A  dissolução compulsória das albergarias-hospitais  do reino foi seguida de novas medidas tomadas por D. João II para a organização de hospital único sob o controle  da administração real. Somente em 1479, através da Bula de Xisto IV (1471 – 1484 ), o rei foi autorizado a organizar  hospital único nas principais cidades  e sob a administração real.

Contrariando a expectativa real, essa instituição de assistência médica, idealizada para fugir do controle de Roma, em pouco mais de dez anos, estruturou os alicerces das futuras Santas Casas, administradas no reino português, da Ásia às Américas, pelas ordens religiosas Hospitalários de São João, Antoninos e Espírito Santo.

 

 

 

 

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