SÍFILIS – A DOENÇA NO LUGAR DO PECADO

SÍFILIS –  A DOENÇA NO LUGAR DO PECADO

 

TRATAMENTO DA SÍFILIS, SÉCULO XVII, BASEADO NA TEORIA DOS QUATRO HUMORES, SUOR PROVOCADO

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

 

Durante milhares de anos os homens utilizaram a falsa relação doença-pecado para intervir de modo grosseiro no controle social. É possível achar semelhança entre os acontecimentos que cercaram o aparecimento da sífilis.

Hoje a sífilis não representa mais nenhum perigo àsobrevivência do homem. O diagnóstico pode ser realizado precocemente em qualquer laboratório médico e o tratamento se efetiva com algumas injeções de penicilina. Porém, nem sempre foi assim. Essa doença jé representou um grande estigma, que significava a certeza da incapacidade física, da loucura e morte.

Foi o médico Jerônimo Frascastoro (1483-1553), nascido em Verona, na Itália, quem escreveu , em 1521, a obra que imortalizou  Syphilis Sive Morbus Gallicus, onde apareceu, pela primeira vez, a descrição da patologia com a sua atual denominação, que se universalizou rapidamente nos anos seguintes.

O franco desmoronamento da ordem feudal, as lutas intestinas da Igreja, a reforma, o esboço de práticas comerciais  nunca antes utilizadas e a explosão de conhecimento que caracterizou o Renascimento italiano serviram de base para a concretização da obra de Fracastoro.

O livro de Fracastoro  foi escrito em versos no puro estilo Virgílio, em três livros. O poema começa estabelecendo o caráter epidêmico da sífilis:

  Vi vários casos de uma semente má desconhecida

   Traziam exposta já de algum tempo

   Por toda Europa, parte da Ásia e da Líbia qual tempestade


   Irrompeu no Lácio, por causa da triste guerra dos gauleses

   e recebeu o nome daquela gente

Nos versos 76-80 e 113-115 do livro I, com toda a sua genialidade, Fracastroro sucumbiu definitivamente as pressões eclesiásticas e associou claramente a sífilis com a sexualidade:

 Quando nas pastagens ao  lar livro longamente: e então

   se firmaram os vícios

                Oh! tu que esperas a liberdade pelo trabalho

   Pouco te opões ao cuidado que a todos domina

   Princípios: com esforço de memória guarda estes preceitos

   Embora pouco os prazeres do amor: molestem face toda a vida

O personagem central do livro é um pastor devotado e amando tanto o seu rei que acabou por divinizá-lo. Como castigo sofreu a fúria dos deuses, manifestada sob a forma de uma doença, até então desconhecida, que Fracastoro denominou syphilis.

Em decorrência do completo desconhecimento que envolvia a doença naquela época, ela era conhecida por diversos nomes : mal de Nápoles, mal alemão, mal dos cristãos, mal dos judeus e outros. É evidente que cada população tratava de atribuir a outra a responsabilidade do problema.

 

Com ou sem o pecado da doença foi controlada no seu aspecto médico pela penicilina a partir de 1929. Foram necessários quatro séculos para que se compreendesse que a sífilis não era uma doença moral.

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