O homem e a medicina – III

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

 

A documentação fossil existente mais antiga da primeira ação médica no homem data de 45.000 anos, no Pleistoceno superior, Trata-se de esqueleto descoberto no monte Zagros, no Iraque, com traços de amputação cirúrgica do braço direito.

É provável que nessa época do desenvolvimento do homem, a área de Broca, responsável pela coordenação dos músculos da boca, língua e laringe quando falamos e a área Wermocke, que estrutura o sentido lógico da linguagem, localizada no hemisfério cerebral esquerdo já estavam plenamente definidas anatomo e funcionalmente.

Sem dúvida, o aprendizado é um processo que leva tempo para se concretizar. O homem deve dispor de tempo para aprender uma história, um gesto, uma palavra ou o conjunto de ações para retirar um espinho do pé. Pode também serem necessárias várias tentativas para a consolidação do aprendizado.

Todo o mecanismo cerebral envolvido para a cristalização d conhecimento é baseado na acumulação das informações recebidas em um tempo determinado.

Os aprendizados caracterizados como “único ensaio” envolvem geralmente experiências desagradáveis que funcionam como espécie de defesa para a conservação do conforto físico. É conhecido e aceito pela experiência o velho refrão “criança queimada tem medo do fogo”.

Nesse período de desenvolvimento da Medicina o homem já elaborava diferentes instrumentos de trabalho que  utilizaria também na busca do conforto, da saúde e da vida.

O registro arqueológico do início da instrumentalização do homem data de 2,5 milhões de anos. Os instrumentos evoluiram de elementos rudimentares de pedra e osso, passando pelos machados de diferentes tipos de utilização de técnica mais aprimorada envolvendo elementos de simetria que permaneceram até 200.000 anos atrás, quando foram introduzidos novos  componentes na confecção destes elementos. Trata-se de lascas de diferentes materiais, retirados e manuseados com maior precisão de detalhes, datando de aproximadamente 40.000 anos.

É dessa época que datam as comprovações arqueológicas dos sepultamentos ritualizados com diferentes tipos de oferendas que acompanhavam o morto.

A grande e insuperável preocupação do homem com a morte é fixada a partir desta época, quando o morto era acompanhado de coisas que faziam parte do seu dia-a-dia para ajuda-lo na suposta nova vida após a morte. Essa atitude mítica-religiosa se reproduziu nos milhares de anos que se seguiram até culminar com a fantástica elaboração da morte idealizada pelos egípcios com a construção das pirâmides e a mumificação dos mortos, que no seu conjunto, tinham como função a preparação do morto para a imaginável vida depois da morte.

Foi nessa busca incessante pela vida e na incompreensão da morte que o homem começou a interferir no curso das relações sócio-econômicas, objetivando aumentar o seu tempo de vida através de medidas alternativas, quase sempre estritamente ligadas à compreensão mítica da realidade. Muitas dessa ações permanecem vivas no comportamento do homem contemporâneo.

Estava, sem dúvida, a consolidada a ação médica como uma entre muitas atividades sociais nessa fase do desenvolvimento do homem. Era executada por alguns membros que se especializavam na busca do conforto, da saúde e da vida.

A incompreensão dos fenômenos naturais, da própria origem da vida e da morte, foram decisivas para que ocorresse imediata e duradoura associação da prática médica com a interpretação mítica-religiosa da realidade.

Com a elaboração de outros instrumentos de trabalho foi possível ao homem neolítico registrar nas pinturas rupestres e nas esculturas o seu pensamento e estabelecer os traços das suas relações sociais. Entre 30.000 e 10.000 anos atrás houve intensa atividade artística que produziu inúmeras pinturas e esculturas resgatadas pelos estudos arqueológicos e que deram início a análise de interpretação do pensamento e da ação do homem daquela época em relação a vida e a morte.

Certamente que alguns agentes biológicos potencialmente agressores a saúde do homem como as bactérias, os fungos e os vírus já existiam muito antes do que o próprio homem. A questão é saber como esse homem se relacionava com as doenças na sua luta pela sobrevivência.

A análise dos poucos registros arqueológicos e antropológicos podem nos dar a pista da interpretação histórica e estabelecer paralelismo concretos entre a realizada pelo homem americano pré-colombiano. É também importante tentar estabelecer relação entre esta Medicina primitiva e a realidade médica atual, de modo mais marcante nos países subdesenvolvidos  e pobres , onde até hoje as práticas médicas se confundem com a religião e magia.

Essa relação guarda semelhança, sob alguns aspectos, com a que determinou a Revolução Agro-pastoril, em que diferentes comunidades passaram pelo mesmo processo em épocas distintas, como se o desenvolvimento comportamental do homem fosse dirigido por uma espécie de relógio biológico, no qual ele inexoravelmente terá que passar sucessivamente pelas mesmas ondas de transformação, tanto na ação médica como no conteúdo sócio-econômico.

Não se tem explicação racional eficiente para que possamos aceitar sem questionamentos o achado de crânios que foram submetidos a trepanação (abertura cirúrgica voluntária e dirigida para determinada área dos ossos do crânio por instrumentos suficientemente resistentes para vencer a espessuara dos ossos) em fósseis do homem neolítico europeu e asiático com mais de 10.000 anos e em crânios fósseis do homem americano pré-colombiano com datação assegurada de somente pouco mais de 1.000 anos. A trepanação de modo muito semelhante ainda hoje é pratica por grupos indígenas no arquipélagos Bismark com o objetivo de retirar os maus espíritos nos membros da comunidade que apresentam alterações do comportamento de diferentes tipos.

 

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