RELAÇÕES MÉDICO-MÍTICO (III)

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

Um dos suportes das complexas relaç~ões sociais do homem é a capacidade de engendar explicações fantásticas para o desconhecido como primeiro passo na busca da verdade. Grande parte das doenças sempre se situaram neste contexto. Até hoje, quando a racionalidade dos conhecimentos acumulados desconhece a causa e o tratamento de determinada doença, a respnsabilidade pelo desconhecimento tende a ser transferida para um personagem divinizado com poder suficiente para dar ao homem todas as explicações e soluções dos problemas que afligem a sua sobrevivência.

No lento processo que envolveu, de modo marcante, a medicina com o mito, estava a relação homem-animal com caráter marcadamente transcedente. Somente no Paleolítico superior é que se tem comprovação desta relação. Foram encontrados vários crânios de diversos animais, principalmente de ursos, em cavernas pré-históricas colocados em lugares de destaque que sugerem tratar-se de altares primitivos.

É possível deduzir que a crença do poder animal, ainda hoje aceita em numerosos grupos sociais, tenha surgido nessa épca, quando alguns animais desempenhavam importância fundamental no rítmo da vida do homem. Por esta razão foi que o animal adorado variou de acordo com a situação geográfica da comunidade. Em alguma foi o urso, em outras, o bisão e a rena.

Várias descobertas arqueológica reforçaram a crença de que nossos ancestrais distantes mantiveram algum tipo de adoração mítica pelo  ”poder animal”. A gravura paleotídica de uma mulher grávida, na fase final da gravidez, sob uma rena e as pinturas rupestres dos médicos-feiticeiros de Afvalingskop e de Trois Frères são alguns  exemplos da existência dessa relação homem-animal.

É lícito supor, que no primeiro caso acima, tenha ocorrido alguma forma de dificuldade na resolução natural do parto. A gravura pode ter sido feita memorizar o significado da transferência simbólica da força do animal após a efetivação do parto.

Os médicos-feiticeiros da Ásia Central e da França, do segundo exemplo, estão travestidos de animal em movimento de dança, lembrando sob muitos aspectos, diferentes manifestações médico-míticas ainda existentes em diversas partes do Mundo e mais especificamente, o ritual dos bisões elaborado, ainda hoje, por grupos indígenas no norte dos Estados Unidos.

É evidente que os estudos arqueológicos a paleontológicos avançam no sentido de fortalecer a idéia de que o universo mítico-religioso do homem é muito mais antigo do que se acreditava anteriormente.

A evidência da localização dessas gravuras e pinturas rupestres em locais de difícil acesso, são demonstrativos que se tratava de lugar incomum  para o uso habitual. Um dos exemplos mais marcantes é a caverna de Le Tue dºAudoubert, na França. Neste local, foram encontrados dois bisões esculpidos em argila, com quase um metro de comprimento cada, em espécie de altar, cercados por centenas de impressões de pés de adultos e crisnças moldados no solo argiloso. mesmo hoje, com toda a facilidade de deslocamento, utilizando balsas infláveis e aluz elétrica, é difícil o acesso a este altar primitivo. Todas essas evidências contribuem para consolidar a suposiçaõ de que o universo mítico-religioso do homem paleolítico era dominado pelas relações transcendentes com os animais associadas com o xamanismo.

 

Já se associa a prática médica desenvolvida na pré-história com os desenhos em ”raios X” da mesma época, que mostram o esqueleto e os órgãos internos do animal. Estes desenhos são encontrados em número expressivo na França, Noruega, Índia, Malásia, Nova Guiné e Austrália. Em associação com estudos arqueológicos comparativos levam a comclusão da enorme possibilidade de que a idéia religiosa predominante no paleolítico estava impregnada de xamanismo. E somente o médico-feiticeiro, graças a sua visão sobrenatural, que seria capaz de ver através da pele.

Este raciocínio pode ser facilmente transportado até hoje para explicar historicamente a ”visão clínica” do médico moderno é capaz de chegar ao diagnóstico com um simples olhar, não utilizando qualquer recurso lógico do conhecimento. Esta capacidade é reconhecida e muito valorizada como símbolo de competência entre a população leiga.

A demonstração inquestionável da existência no Paleolítico superior de sistema simbólico baseado nas fases lunares é extremamente importante para a compreensão do todo nas relações históricas do homem com a sua compreensõ da saúde \ doença e vida \ morte. Este sistema de relação do homem com o tempo-espaço forneceu as bases para a compreensão  pelo homem pré-histórico dos processos naturais repetitivos e renováveis como a reproduçaõ do homem e dos vegetais, o  movimento de cheia e vazão das águas, as esta,ões do ano, a morte e o imaginãvel renascimento.

A partir desse ponto ao aparecimento dos ritos de iniciação e da guarda dos segredos deve ter sido um passo curto.

A dança circular é um dos exemplos da existência de ritos nos grupos sociais paleolíticos. Incontestáveis marcas em solo argiloso foram indentificadas em alguns sítios arqueológicos. Estas marcas de pés de adultos e crianças formando círculos bem definidos, ficaram definitivamente impressos no chão como testemunhas caladas do universo mítico-religioso dos nossos anestrais.

Com o início das especializações sociais, isto é, a identificação expontânea no seio do grupo social de afinidades pessoais, é corretp o pensamento de que os especialistas do sagrado começaram a aparecer, detentores de conhecimento específico para intervir na explicação do desconhecido.

As comunidades do Neolítico ou as anteriores a ele, por não possuírem estratificação social, tinham na busca pela sobrevivência e na explicação dos fenômenos naturais, grande parte da sua atenção. A preocupação pelo conforto fisico e em aumentar o tempo da vida deveriam estar entre elas, jé que interferiam na segurança pessoal e coletiva.

Nesta fase, quando o homem começou a aumentar o seu conforto físico e a tentar modificar as relações dos binômios saúde \ doença e vida \ morte em si próprio ou em outro membro da comunidade, fez médico.

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