RELAÇÕES MÉDICO-MÍTICAS (V)

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

Com o desenvolvimento e consolidação da Revoluçao Urbana, os grupos sociais iniciaram a acumulação rápida de conhecimentos , suficientes para desencadear o assentamento definitivo de comunidades mais numerosas, iniciando-se nova transformação  social com a formação dos aldeamentos.

Esse aldeamento se deu inicialmente, próximo das fontes de água em caráter permanente e em terras férteis. No chamado Crescente Fértil, entre os territórios montanhosos de Israel, Jordânia e Síria, comprendendo os rios Tigras e Eufrates e se extendendo do mar morto ao Golfo pérsico, apareceram as primeiras aglomerações humanas urbanas conhecidas, datando em torno de 8.000 anos.

É certo que a medicina se desenvolveu nessas cidades ao lado de práticas míticas, envolvendo ritos que se coletivaram e passaram a ser realizados em époas de festividades e consagrações.

A circunsição é um dos exemplos. Ela deve ter sido praticada no Neolítico de modo muito semelhante ao que apareceu na Mesopotâmia e no egito, 5.000 anos depois.

foi a interferência do conceito mítico – religioso – A aliança entre Deus e Abraão – (Ge 17,9) ” Disse mais Deus a Abraão: Tu pois guardarás o meu pacto, tu e teus descendentes depois de ti. todos os machos dentre vós serão circuncidados. E vós circundareis a carne do vosso prepúcio, para que esta circunsição seja o sinal de concerto, que há entre mim e vós”, o fator histórico responsável pela forma de circunsição que temos gravada na memória.

A utilização de instrumentos específicos com o objetivo de facilitar a comunicação com o transcendente e intervir no curso das doenças oi consolidada definitivamente na prática médica e serviu para reforçar institucionalmente o poder médico.

Quando o médico sumeriano sacrificava um animal e retirava o fígado para estabelecer o diagnóstico a partir da leitura das mensagens divinas contidas na víscera do animal sacrificado e o médico moderno leu para o doente o diagnóstico de uma ultrasonografia hepática, o simbolismo foi  absolutamente o mesmo. É claro que não está sendo considerado a evolução tecnológica do diagnóstico. O uqe não se pode duvidar é que em ambos os casos a relação médico-paciente foi estabelecida nos mesmos moldes, isto é, na Babilônia e no hospital atual, o médico e o doente estavam absolutamente convencidos de que naquela instrumentalização centralizava todos os recursos disponíveis para a busca da saúde.

Esses fatos passam a ser de imortância fundamental para a historiografia da medicina se se levanta as alternativas que o homem já utilizou, como agentes irtermediários, enre a sua prática e o objeto dela, na busca incessante do conforto e da saúde.

O uso de plantas alucinógenas pelas populações nativas americanas do Norte e do Sul, constituem outro exemplo dessa utilização instrumental na prática médica. em todos os grupos estudados, apesar de pequenas diferençasa no ritual, o simbolismo é exatamente o mesmo. As plpantas, como dádivas divinas, são utilizadas para facilitar a comunicação entre o pajé os deuses, na busca da cura das doenças.

 

Todas elas Oloiuhqui, Tlitliltzen, Mescal Beans, Teonanacati, Conocybe, Lycoperdon, Pipiltzintzintli, Peito de Moça, Maikoa, Floripondio, Toloatzin, Estramonio, tabaco, San Pedro, Paricá, Virola, Coca, Epadu, Ayahuasca e a Jurema, são utilizadas os rituais médico-míticos por centenas de grupos indígenas nas Américas. Após a colonização predatória e a cristianização forjada a ferro e fogo pelas hordas européias, o uso ds drogas alucinógenas continuou, apesar da implacável perseguição do clero, mas sofreu severas transformações que contribuiram para a desestruturação irreversível do universo mítico de milhões de índios. sem o simbolismo da expplicação da origem primeira, eles se tornaram presa fácil nas mãos exterminadoras do colonizador europeu.

O empirismo racional também foi e continua sendo utilizado ao longo de milhares de anos ao lado dos métodos mágicos na busca da saúde. Os mais conhecidos e usados foram as massagens, administtrações de ervas medicinais sem o prévio conhecimento de seu primeiro ativo, plantas que provocam o vômito e a diarréia, cataplasmas e lavagens intestinais. O uso destes artifícios está profundamente marcado na memória coletiva de todos os povos, independente da organização social de cada um deles.

As relações médico-míticas existentes na atualidade nos grandes centros urbanos estáo tão vivas e acesas que fica praticamente impossível se estabelecer limites no tempo. É como se ondas retardatárias das primitivas relações do homem com o animal e com a terra ainda estivessem chegando.

Somente com o embasamento da história da medicina e da sociologia da saúde e possível compreender a essência da medicina praticada por milhões de pessoas nos centros de umbanda e candomblé, nos templos kardecistas, nas igrejas de diferentes grupos religiosos e, especialmente, o rito de pajelância dos caciques Raoni e Sepain no cientista Augusto  Ruschi, para extrair o veneno do sapo dendrobata que teria sido inoculado no cientista em uma das suas viagens na Amazônia. Este fato foi notificado em todo o mundo como exemplo da relação médico-mítica presente no mundo conteporâneo.

 

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