RELAÇÕES MÉDICO-MÍTICAS (IV)

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

Foi provavelmente, graças ao sonho, que o homem paleolítico reconheceu a existência de um componente imaginário independente do corpo, que nas línguas modernas é conhecido como alma, espírito, dupplo etéreo, aura, etc.

Como consequência dessa crença primitiva, nasceu um dos mais fantásticos objetos de busca da saúde pelo homem os crânios trepanados no período Neolítico, há mais de 10.000 anos.

Existem dezenas de crânios que foram abertos cirurgicamentes e algumas pessoas que foram submetidas a estas cirurgias sobreviveram por longo tempo, o sufuciente para que as bordas do osso cortado se regenerassem parcialmente.

Essa atitude médico do homem neolítico estava impegnada de sentido mítico-religioso, semelhante ao ainda hoje encontrado entre os nativos do arquipelago Bismark, onde essa cirurgia ainda é realizada com o objetivo  de retirar os demônios e os maus espíritod dos doentes que apresentam algum tipo de alternação comportamental.

Não pode haver dúvidas de naquela época neolítica, o ato médico era acoplado ao magico-religioso e a cabeça com o seu conteúdo era considerada a sede da alma. Somente assim poderemos explicar o grande número  de crânios  que foram  abertos cirurgicamente há mais de 10.000 anos.

Na proporção do aperfeiçoamento da linguagem, aumentou a insrumentalização médico-mítica do homem. Mesmo antes da linguagem articulada, a voz humana era capaz de transmitir não só a informação, ordens e desejos, mas também, criar coletivamente um universo imaginário de relações do homem com ele mesmo e com o meio, fazendo do desconhecimento a pedra angular da formação das suas relações sociais.

As mudanças climáticas ocorridas por volta de 8000 anos a.C. na Europa, proporcionaram  incríveis tansformações ns relações sociais do homem. O recuo das geleiras provocou a migração da fauna em direção das regiões setentrionais com substituição das estepes pela floreta, obrigando aos homens adaptarem-se a nova fase.

Os elementos sagrados continuaram a acompanhar o homem na sua trajetória de conquista do espaço, que começou a ser concrertizada ao lado dos rios e lagos férteis.

No fundo do lago de Stellmoor, perto de Harburgo, na Alemanha Ocidental, foi encontrada uma  estaca de ppinho com um crânio de rena na sua porção mais alta e um tronco de salgueiro  com mais de três metros de comprimento, grosseiramente esculpido, percebendo-se a cabeça e o pescoço de um personagem humano, ambos datando com mais de 8000 anos.

Foram sobretudo os iniciadores da cultura natufiana, que optaram pela vida francamente sedentária, ao contrário dos seus antecessores biológicos que mantiveram, durante milhares de anos, o nomadismo.

Essas transformações sociais ficaram conhecidas como Revolução Agro-pastoril do Neolítico. Sabe-se que ela foi um produto de combinações geográficas e climáticas circunstanciais específicas. Porém, um dos fatos mais interessantes foi que diferentes grupos sociais passaram pelo mesmo processo em épocas distintas, na Mesopoptâmia há 10.000 anos, no Egito há 8.000 anos, na Índia há 6.000 anos, na China há 5.000 anos, na Europa há 4.500 anos, na África há 3.000 anos e nas América há 2.500 anos.

 

A medicina, já definida como especialidade social nessa fase do desenvolvimento do homem, sofrera a influência da deificação da naturaza e incorporara no seu bojo toda a estruturação  das práticas míticas que envolviam completamente os homens que iniciavam o irrevrsível processo de sedentarização das suas relações de produção.

As centenas de milhares de anos que os caçadores-coletores permaneceram em relação direta com a natureza, deixaram traços bem definidos na sua nova adaptação ao meio.

É dispensável reafirmar a importância para o homem do desenvolvimento da agricultura racional. Além de tudo o mais, esta agricultura impos uma divisão de trabalho que interferiu decisivamente no tipo de doença que o homem passou a ter como uma das consequências da modificação dos hábitos sociais.

As relações do homem com o animal que predominaram no universo mítico  mesolítico são modificadas com o aparecimento da agricultura dirigida. A ordem religiosa com o mundo animal é substituída pela sociedade mítica entre o homem e o vegetal. O osso e o sangue são substituídos pela terra e pelo esperma.

A antiga dispersão das idéias religiosas é agora concentada em espaço definido, a aldeia. Apareceram os primeiros templos fortemente estabelecidos a partir das idéias religiosas indissociáveis da metalurgia, da urbanização, da realeza e do corpo sacerdotal organizado detentor do conhecimento e capaz de interferir, com a ajuda dos deuses, nas relações saúde \ doença e vida \ morte.

É provável que tenha sido nesta fase do procsso de transformação das idéias do homem, que tenha se dado a consolidação da criatividade religiosa, como secundária ao fenômeno empírico do cultivo da terra. Não pode se afastada a possibilidade de ter frutificada a partir do desenvolvimento da consciência pessoal e coletiva do tempo, identificada no ritmo da vida dos vegetais, como indicador da renovação perene da vida.

O estudo das idéias e crenças religiosas do homem mostra uma quantidade enorme de exemplos em todos os continetes de mito de origem a partir da nova relação do homem com a terra como o existente na ilha do Ceram, na Nova Guiné, aonde do corpo retalhado de uma jovem semi-divina, Hainuwele, crescem plantas até então desconhecidas que oferecem o alimento necessário para as pessoas viverem e a nossa lenda amazônica do guaraná, do vale dos rios Andirá e Maués, na qual o filho da índia Onhiamuacabe é morto e do seus olhos plantados, originou-se do esquerdo o falso guaraná, Uanará-Hopu e do direito o verdadeiro guaraná, Uaraná-Cécé e do corpo enterrado e ressuscitado deu origem ao primeiro maué.

milhares de anos depois do processo de elaboração dos mitos de origem, surgiram formas sincretizadas, cujo simbolismo é exatamente o mesmo. No Velho Testamento, o pão passou a ser considerado dom de Deus e fonte de todas as forças (SI 104, 14s), um meio de subsistência táo essencial que a falta do pão significa falta de tudo ( Am 4,6 e Gn 28,20).

Após a consolidação da praxis cristá no Ocidente o pão continuou a ter o mesmo significado simbólico, como o desejo de comer no Reino (Lc 14,15), relação entre o pão e a palavra de Jesus (Mc 6,30 – 40) e culminando no rito da eucaristis (Jo 6,48 – 52) : ”Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Aqui está o pão que desceu do céu para que todo o que ele comer, náo morra. Eu sou o pão vivo, que desci do céu. se qualquer comer deste paõ, viverá eternamente: e o pão que eu darei é a minha carne, para ser a vida do mundo”.

A significação dos mitos ao renascimento a partir da nova relação do homem com os vegetais é clara, os alimentos sáo sagrados por derivarem do corpo de uma divindade e devem ser utilizados para a conservação da bida.

Foi a partir da consolidação do aldeamento que se tem comprovação da utilização empírica das plantas como agentes intermediários na busca da saúde, provavelmente como fruto das novas relações míticas do homem com a terra.

Esta entrada foi publicada em ARTIGOS. Adicione o link permanente aos seus favoritos.