Prof. Dr. HC João Bosco Botelho
”Subitamente ela caiu sobre a cidade de Atenas, atacando primeiro os habitantes de Pireu, de tal forma que a população local chegou a acusar os Peloponeso de haverem posto veneno em suas cisternas. Depois atingiu também a cidade alta e a partir daí a mortalidade se tornou muito maior. Médicos e leigos, cada um de acordo com sua opinião pessoal, todos falavam sobre a sua origem provável e apontavam causas que, segundo pensavam, teriam podido produzir um desvio tão grande nas condições normais da vida(…)
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. 2. ed. Brasília, Ed. UNB. 1986, p. 102.
Esta impressionante descrição de Tucídides da epidemia que assolou a cidade de Atenas, entre os anos 430 e 427 a.C., na Grécia Antiga, constitui o primeiro relato das relações do homem com a ameaça da sobrevivência coletiva por doença de causa desconhecida.
Até hoje, 2414 anos depois o comportamento do homem guarda fortes vestígios da sua herança social das grandes epidemias.
Em diferentes épocas, nos últimos milênios, as epidemias apareceram, espontânea ou propositalmente, e deixaram nos seus rastros a desolação, a morte e o medo coletivo.
Durante longo tempo as epidemias foram agrupadas em torno da palavra Peste. Encontram-se numerosos registros históricos a partir do II milênio a.C., entre os egípcios, os hititas e os chineses da ocorrência de diferentes epidemias, algumas delas relatadas com muita precisão, possibilitando a identificação da doença.
Não se tem dúvida que os aparecimentos das pestes foram associados, possivelmente, pelos médicos-sacerdotes, com vontade divina, como forma de aumentar o poder do controle social.
No Antigo Testamento encontramos numerosas referências das epidemias sob diferentes designações: calamidade, fome, dilúvio, fogo, doenças e outras. Todas simbolizando a mortalidade de um número grande de pessoas em curto espaço de tempo vitimado pela mesma causa.
A partir dos últimos livros do judaísmo (Sb 10-19; DI – 9,24-27), passando pelos Profetas (Ez 14;21) e Si 24), chega até pragas do Egito (Ex- 7-10).
Em todas estas passagens bíblicas o sentido da peste é claro: representa o castigo de Deus aos homens impuros e a proteção aos eleitos Dele.
O homem sempre fez, mesmo entorpecido pela interpretação mítico-religiosa, a associação do aparecimento das epidemias com alguns insetos e roedores, como a mosca, o gafanhoto, o mosquito e o rato. Milhares de anos antes da demonstração racional da ligação destes animais com a cadeias de propagação das epidemias, foram registrados inúmeros depoimentos da importância deles no aparecimento das doenças epidêmicas.
Na realidade, a ocorrência das epidemias sempre acompanhou o homem na sua luta pela sobrevivência e de conquista dos novos espaços.
Na ata Idade Média, a ocorrência da peste negra foi descrita com absoluta precisão por Gregório de Tours no século IV, apesar da sua interpretação religiosa da doença com os desígnios de Deus. Esta epidemia varreu a Europa até o fim do século VIII, em ritmo cíclico de agravamento, e atenuação, ocasionando a desorganização social e econômica de dezenas de cidades.
Foi a epidemia do século XIV, entre 1348 e 1351, uma das que mais marcaram a humanidade pelo medo da doença e da morte coletiva.
Essa peste negra começou na Ásia Central e se propagou pela rota das caravanas no norte do mar Cáspio. Em fins de 1347 chegou à Constantinopla e daí em toda a Europa.
É difícil imaginar hoje a extensão da mortalidade de homens e animais ocorrida na Europa em consequência da Peste Negra nestes três anos. O testemunho de Simon de Cevino é eloquente: ”O número de pessoas enterradas foi o maior que o número de vivos; as cidades estão despovoadas, milhares de casas estão fechadas a chave, milhares têm as portas abertas e desabitadas; estão repletas de podridão”.
Acredita-se que nesse espaço de tempo, entre 1348 e 1351 a Europa perdeu entre um terço e a metade dos seus habitantes vitimados pela peste negra.
Nessa fase do processo de desenvolvimento do homem europeu o cristianismo já tinha fixado a sua base doutrinária e contribuiu decididamente para a formação da ideia de que o aparecimento da peste estava associado com a vontade divina para castigar os pecados dos homens.
O mais impressionante deles foi a suposição de que a AIDS teria sido produzida em um laboratório do Exército americano e no Centro de Pesquisa de Guerra Biológica em Ford Detrick Maryland. Em consequência da quebra de segurança, foi disseminado.
Na realidade, a busca dos culpados tem a mesma finalidade da que motivou, em 1630, a prisão e a morte sob tortura do barbeiro Mora de Milão. Durante o processo foi acusado de possuir um unguento misterioso. A sua casa foi derrubada e em seu lugar foi erguida a coluna da infância, para assinalar às relações futuras o terrível crime do barbeiro de Milão.
Esta trágica acontecimento foi registrado na literatura por Manzone (1785-1873) no seu livro Os Noivos, através de um apêndice A história da coluna infame.
Hoje, sabe-se, que o vírus da AIDS não é único. É muito provável que existem dezenas de variedades mutantes. Em novembro do ano passado, um grupo de pesquisadores declarou a descoberta da quarta variante do vírus, denominada HTLV-4, que apesar de ter estrutura de DNA semelhante ao HTLV-2, não tem o mesmo potencial de agressividade biológica no homem.
Os últimos estudos epidemiológicos publicados mostram que a África negra está severamente contaminada pela AIDS. A proporção atinge a inquietante cifra de 25% do total de pessoas independente do sexo, idade ou hábitos sexuais. De todos os países, o Zaire é atualmente o mais atingido. Para o povo deste país a AIDS é uma imundice trazida pelos brancos.
Hoje, nos Estados Unidos já foram diagnosticados 274.000 casos de AIDS e os órgãos de Controle da Saúde Pública calculam que até 1990, morrerão 179.000 americanos em consequência da doença. A partir desta data a AIDS matará por ano mais que a guerra do Vietnã, na qual morreram 58.000 americanos.
Na África esses números podem ser multiplicados por quinze ou mesmo por vinte e constituirá mais uma tragédia para sobrevivência humana negra no continente africano.
O Brasil, de deter cifras recordes de níveis de subdesenvolvimento social, já ocupa o quarto lugar em números de casos de AIDS já diagnosticados, figurando abaixo somente dos Estados Unidos, França e Canadá.
As igrejas católicas através de seus membros ilustres já associaram a AIDS com a degenerescência moral, inversão sexual, a troca de parceiros e uma interminável lista de atos condenados pela legislação divina, que são os responsáveis pela rápida propagação do vírus e conclui: É Exatamente no desrespeito à moral católica que vamos encontrar o maior foco de propagação de AIDS entre as sombras, provocadas pelo pecado, vemos o brilhar da grandeza e atualidade dos ensinamentos de Cristo. (Dom Eugênio de Araújo Sales, cardeal – arcebispo do Rio de Janeiro, JB, 3.1.87).
O que era exclusivo de um pequeno grupo de risco limitado aos homossexuais, hemofílico e usuários de drogas injetáveis, agora existe a certeza que ela pode ocorrer em qualquer pessoa, mesmo que não apresenta dentro da moral Ocidental nenhum desvio do comportamento sexual e social.
Em relatório distribuído pela Organização Mundial da Saúde, está clara a recomendação: ” se deve falar da doença a todas as crianças que já tem suficiente capacidade de entendimento e que todas as pessoas tenham o risco de serem contaminadas mais rapidamente devem se envolver na campanha de esclarecimento. A AIDS não é mais a preocupação de apenas um segmento da sociedade. É uma preocupação de todos nós”.
Apesar dos vultosos recursos destinados na busca do tratamento eficaz, a medicina atual não tem muito a oferecer aos pacientes com AIDS.
Ao contrário das doenças transmitidas por bactérias, onde os antibióticos são muito úteis na maioria dos casos, no caso das viroses, no caso como a AIDS os recursos são absolutamente ineficazes. Foram desenvolvidas nas últimas décadas algumas substâncias que inibem o crescimento dos vírus como HPA 23 (Tungsto-Antimoniato de sódio), o Suramin, o Ribavarin, o Interferon Alta e a Azidotimidina (AZT) do ponto de vista prático eles são tão úteis quanto foram os misturados de osso de crânio com pó de ouro usado no tratamento da Peste Negra do século XIV.
Apesar dos progressos tecnológicos que permitiram o vírus causador da AIDS dois anos depois da identificação clínica do primeiro doente, ao contrário da Peste Negra, cuja bactéria só foi identificada no século XIX, 1600 anos depois do primeiro registro histórico que nos chegou, os envolvimentos emocionais não são muito diferentes dos relatos de Tucídides e os contidos nas crônicas medievais. Os conflitos, amores, ambições, mágoas e esperanças são muito semelhante.
Já estamos vivendo a realidade dos relatórios de prospecção da epidemia para o ano 2000. O Ministério da Saúde dos Estados Unidas afirma que morreram 100 milhões de pessoas até o Ano 2000. É bom lembrar que para a consolidação para este quadro faltam apenas 13 anos e que a população é em torno de 130 milhões de pessoas.
Com todo esse Panorama desolador, onde até hoje não tem qualquer indício de tratamento eficaz, a Igreja católica criticou a companhia iniciada em Minas Gerais pela linguagem clara da abordagem dos hábitos sexuais. É impressionante como, séculos depois da Peste Negra, o clero continua a insistir no castigo divino A AIDS NÃO É UM PROBLEMA MORAL É VIRÓTICA.
É muito importante que mesmo sabendo da atual seriedade da disseminação geométrica da AIDS não esqueçamos que no Brasil morrem 500 mil crianças por ano de doenças infecciosas e parasitárias, há 70 mil casos de Sarampo, 2000 de Coqueluche e Tétano, 3000 de Difteria. Os chagásicos são cinco milhões e alcançam mais de 500 mil novos casos de Malária por ano. Todos esses números, mais assustadores que os da AIDS, por representarem a situação atual não causam comoção coletiva. Chegam a passar silenciosamente pela consciência pública.
Não é difícil pensar que aliado a real gravidade para a saúde pública que a AIDS representa, já exista interesse políticos – econômicos inconfessáveis começando a atuar nos mecanismos coletivos de controle social. Impedimenta, no serial a premiere viz.