NOVAS CONSTRUÇÕES E RECONSTRUÇÕES DA ÉTICA MÉDICA E DO DIREITO: BIOÉTICA

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

A bioética compõe parte importante das novas exigências do movimento social em torno das aquisições da ciência e tecnologia, a partir da segunda metade do século 20, com o pensamento molecular, fruto da genética, que introduziu no cotidiano científico as mudanças impostas pelos estudos e aplicações da genética dos seres vivos, especialmente, dos humanos. Por essa razão não pode estar desvinculada da historicidade das práticas médicas e das construções gerais da ética medica.

Estruturalmente, do ponto de vista pedagógico, pode ser considerada como subárea da filosofia

Essa extraordinária mudança na ciência e tecnologia com aplicação imediata dos produtos da genética em caráter pessoal, coletivo e industrial chegou simultaneamente às transformações sociopolíticas que alcançaram o indivíduo, a família e o mercado consumidor.

O surgimento da estrutura teórica que fundamentaria a bioética está ligado ao livro “Bioética: uma ponte para o futuro”, do médico oncologista Van Rensselaer Potter, em 1971. Para esse autor o termo “bioética” por ele proposto estaria vinculado em dois alicerces: os saberes biológicos associados aos valores humanos da ética e da moral.

– Van Rensselaer Potter (1911-2001), bioquímico americano, Professor de Oncologia, na Universidade de Wisconsin-Madison, durante mais de 50 anos. Em 1970, criou o termo bioética para descrever uma nova filosofia que procurou integrar biologia, ecologia, medicina, e os valores humanos.

Braz et al, no artigo Bioética, disponibilizado na internet, resgatou datas  importantes na construção da bioética:

– 1900: Primeiro documento que estabelecia explicitamente os princípios éticos da experimentação em humanos, formulado pelo Ministério da Saúde da Prússia:

– Exigência de integridade moral do experimentador;

– Claro consentimento do sujeito da pesquisa, após ter sido informado quanto as possibilidades de danos, consequentes da pesquisa.

Não houve repercussão no exterior.

– 1930: Em Lubeck, Alemanha, realizado teste com vacina BCG, em 100 crianças, sem a obtenção do consentimento dos responsáveis. A consequência foi a morte de 75 delas, no transcurso da pesquisa. Essa tragédia é conhecida como “desastre de Lübeck”.

– 1931: O Ministro do Interior da Alemanha estabeleceu as 14 “diretrizes para novas terapêuticas e a pesquisa em seres humanos”. O conjunto incluiu além das de 1900:

– Exigência de relatório se houvessem alterações do projeto inicial de pesquisa;

– Detalhamento de possíveis riscos e benefícios;

– Critérios para justificar as pesquisas em pessoas fragilizadas e crianças;

Esse conjunto de normais era mais preciso se comparado à Declaração de Helsinque.

– 1933-1945: Quatro acontecimentos marcantes influenciaram o início das políticas públicas “eugenistas” e racistas na Alemanha nazista:

  1. Lei de 14 de julho de 1933 sobre a esterilização, instando laços estritos entre médicos e magistrados por meio de um “tribunal de saúde hereditária” e das leis “Da cidadania do Reich” e “Para a proteção do sangue e da honra alemães”, que atingiam diretamente judeus e ciganos, proibindo a união entre pessoas de “raças diferentes”;
  2. Circular de outubro de 1939, sobre a eutanásia de doentes considerados incuráveis;
  3. A partir de 1941, assassinatos de grandes populações nos campos concentração;
  4. A participação de médicos e juristas ajudou a legitimar a barbárie, a partir de 1933, aumentando “pesquisa” sem qualquer substrato científico;

– 1945: Com o fim da 2ª Guerra Mundial, as atrocidades cometidas pelos nazistas ficaram melhor conhecidas;

– 1946: Julgamento de Nüremberg , Tribunal de Guerra;

– 1947: Julgamento de médicos no Tribunal de Nüremberg, quando vinte deles foram sentenciados pelos “brutais crimes em nome da ciência médica”. Nesse período, se levantou as questões éticas sobre experimentos em seres humanos;

– 1947: Código de Nüremberg;

– 1948: Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU;

– 1964: Declaração de Helsinki, na Assembléia Médica Mundial e posteriores versões em 1975, 1983, 1989, 1996, 1999 e 2000;

-1960: Primeiro problema historicamente conhecido como “bioético” surgiu com a recusa das companhias de seguro para arcar com as despesas da diálise, em torno de dez mil dólares por ano.  Para superar a dificuldade, o Seattle Artificial Kidney Center, com capacidade de nove leitos para realizar a diálise, criou o Comitê de Seleção de Diálise de Seattle composto de sete pessoas de diferentes formações que analisavam quem deveria receber a diálise.  A idéia de transferir uma decisão médica de salvar vidas para um comitê de leigos abalou a tradicional confiança na relação médico-paciente;

– 1966: Um artigo de Henry Beecher, no New England Journal of Medicine, denunciando artigos científicos publicados sem descrição dos cuidados éticos;

– 1967: após o primeiro transplante de coração, realizado pelo Dr. Christian Barnard, na África do Sul, aparecem necessidades de melhor definição do critério de morta;

– 1968: Definição de Morte Cerebral, por meio NEJM: “A Definition of Irreversible Coma: Report of the Ad Hoc Committee at Harvard Medical School to Examine the Definition of Brain Death”.

– 1969/1970: Fundado o Hastings Center, em Nova York, por Daniel Callahan, católico com formação teológica e filosófica, com o objetivo construir argumentos e práticas éticas dirigidas para conflitos específicos;

– 1971: Fundação do Instituto Kennedy de Ética, na Universidade de Georgetown. Pelo pediatra neonatologista André Hellegers, que ofereceu o primeiro programa de pós-graduação em Bioética do mundo;

– 1971: Publicação do livro “Bioethics: Bridge to the Future”, do médico Van Rensselaer Potter (1911-2001), bioquímico americano, Professor de Oncologia, na Universidade de Wisconsin-Madison;

– 1972: A imprensa americana deu grande destaque a três acontecimentos:

– 1963, no Hospital Israelita de Doenças Crônicas, Nova York, foram injetadas células cancerosas vivas em idosos doentes;

– 1950 e 1970, no Hospital Estadual de Willowbrook, em Nova York, injetaram o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental;

– 1932, no Estado do Alabama, “caso Tuskegee”, 400 negros com sífilis foram recrutados para participarem de uma pesquisa de história natural da doença e foram deixados sem tratamento;

– 1972 a pesquisa foi interrompida após denúncia no The New York Times. Restaram 74 pessoas vivas sem tratamento.

– 1974-1978: Relatório Belmont, consequencia aos escândalos, o Governo e o Congresso norte-americano constituíram, em 1974, a National Comission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, com o objetivo de identificar os princípios éticos básicos que deveriam conduzir a experimentação em seres humanos. O Relatório Belmont apresenta os princípios éticos, considerados básicos, que deveriam nortear a pesquisa biomédica com seres humanos:

  1. Princípio do respeito às pessoas;
  2. Princípio da beneficência;
  3. Princípio da justiça.

– 1973: A Suprema Corte dos EUA decidiu a favor de uma mulher, do Texas, contra a lei que proibia o aborto, do século 19, decidindo que nenhuma lei estadual poderia restringir o direito de uma mulher, de acordo com seu médico, de se submeter ao aborto até o primeiro trimestre de gravidez;

– 1976: A Suprema Corte do Estado de New Jersey autorizou o desligamento dos aparelhos que mantinham uma paciente viva;

-1978: Publicação da “Enciclopédia de Bioética”, editor Prof. Warren Reich, membro do Kennedy Institute of Ethics, da Universidade Georgetown, Washington;

– 1978: Nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta:

– 1979: Tom Beauchamp e James Chidress, 1978, ambos do Kennedy Institute of Ethics, lançaram o livro Principles of Biomedical Ethics”.  Considerado o texto de referência da corrente bioética conhecida como “principialismo”, o maior enfoque da ética do Relatório Belmont, baseado em quatro princípios “não absolutos”:

  1. Princípio do respeito da autonomia;
  2. Princípio da não-maleficência;
  3. Princípio da beneficência;
  4. Princípio da justiça.

O principialismo ou bioética dos princípios busca soluções aos problemas e conflitos éticos em torno da construção de perspectiva negociável e aceitável pelo conjunto das pessoas envolvidas. Contudo, a partir dos anos 90, o principialismo recebe críticas por não estar aderido às outras teorias éticas.

– 1982: em Bloomington, Indiana, os pais recusaram a correção cirúrgica do filho que nasceu com síndrome do Down e fístula traqueoesofágica. A Corte julgou a favor da família;

– 1983: em Smithtown, New York, os pais de uma criança que nasceu com severas más formações no sistema nervoso central recusaram tratamentos. O Departamento de Justiça, do Governo Reagan, se manifestou contra alegando se tratar de discriminação contra o recém-nato.  O bebê morreu dias depois, mas acendeu intenso debate ético e legal, sobre quem deveria decidir: a família ou o Estado.

– 1997: nascimento da ovelha Dolly, o primeiro animal mamífero clonado por transferência nuclear utilizando células embrionárias ou células somáticas;

– 1997: revista “Nature” iniciou o debate em torno da clonagem humana;

– 2000: o Genoma Humano, com 97% da seqüência do genoma humano;

Esse conjunto de acontecimentos culminou, em 1974, nos Estados Unidos, na “Comissão nacional para a proteção de sujeitos humanos na pesquisa biomédica e comportamental”, que gerou o Relatório Belmont com o objetivo de resguardar a ética e a moral nas pesquisas envolvendo seres humanos.

O Relatório Belmont abrange três fundamentos básicos:

– Respeito pelas pessoas: a significante maior deverá estar expressa na absoluta lisura para que os sujeitos saibam previamente de todos os riscos prováveis da pesquisa e que estejam de acordo atestando por meio de documento livre e esclarecido;

– Justiça: mais relacionado às teorias da filosofia, ética e moral;

– Beneficência: é o que faz a ponte entre a própria história da Medicina entendendo a profissão e os médicos como agentes aderidos à virtude sempre com o compromisso do pesquisador para assegurar segurança e bem-estar das pessoas envolvidas direta ou indiretamente com os procedimentos experimentais.

A bioética está associada à reflexão e ao desenvolvimento de tolerância nos conflitos, onde a divergência nos valores morais e crenças e idéias religiosas (Aula – Bioética: reflexos e conflitos. Luciano Eloi Santos e Paulo Fortes, 2009; cedida pelo Prof. Mst. Aristóteles Alencar):

– Reflexão Multidisciplinar em questões relacionadas aos binômios compondo saúde-doença, vida-morte e controle da dor;

– Método ou técnica de análise para buscar solução de conflitos éticos envolvendo necessidade de ação;

Bioética é o resultado de nova abordagem ambiental, onde a preservação da vida, em especial, a humana, é o enfoque principal.

Características da bioética:

– Pluralista;

– Secularizada;

– Multiprofissional;

– Transdisciplinar;

– Intercultural.

Paradigma principalista;

– Beneficência;

– Não malificência;

– Justiça;

– Autonomia.

Classificação da bioética:

  1. Nas situações cotidianas ou persistentes:

– Aborto;

– Eutanásia;

– Miséria;

– Prostituição infantil;

– Violência.

 

  1. Nas situações de fronteiras ou emergentes:

– Nascimento e morte;

– Natureza humana;

– Sexualidade.

 

Bioética e o sistema de saúde:

Modelo assistencial de saúde, de caráter hospitalocêntrico, induz a manutenção da reflexão bioética sobre questões do início e fim da vida.

 

Reflexão bioética atual:

O contexto social de expressiva urbanização da população brasileira, ampliação da violência urbana e transição demográfico-epidemiológica com o maior envelhecimento da população.

 

Ajustes da bioética ligados à ética do médico frente às mudanças da ciência e da tecnologia

 

Ao aceitarmos a pós-modernidade, como sugere Jean‑François Lyotard, moldada no desencanto aos metarrelatos universalizantes, será inevitável o repensar o enquadramento metafísi­co de palavras‑sentimentos: “razão”, “sujeito”, “totalida­de”, “verdade” e “progresso”.

Por essa razão, não existe mais lugar para os super-heróis com as super-propostas.

Se as sociedades continuarem seguindo o mesmo curso na ciência e na tecnologia, as relações de conhecimento, incluindo, especialmente, as éticas, ficarão entre o antagonismo entre dois outros mundos: o desenvolvido e os em desenvolvimento, separados pela produção tecnológica, oriunda do trabalho sistemati­zado nos laboratórios de pesquisa.

Se abordarmos a pós-modernidade da Medicina sob esse enfoque técnico‑científico, veremos com transparência que o pilar sustentador está fincado na aquisição de um saber ‑ a engenharia genética ‑ vendido ou negado pelos países em desenvolvimento de acordo com as conveniências político‑econômicas.

A condição pós‑moderna, resultante dessas pesquisas de ponta, obrigou a completa reformulação dos antigos conceitos em relação à saúde e a doença, aceitos desde o aparecimento da micrologia no século 17, atingindo diretamente os processos éticos.

Nesse complexo conjunto, a Medicina dos países desenvolvidos se afastou da classificação morfológica das doenças e esta utilizando a engenharia genética na busca de soluções para os problemas de saúde, entre outras, câncer, doenças degenerativas  e o envelhecimento.  A Medicina do subdesenvolvimento, ainda continua empenha­da, com muita dificuldade, no estudo da morfologia celular, sempre alte­rada pela desnutrição crônica e pelas doenças infecto contagiosas que dizimam de milhões de crianças por ano.

A Medicina é na atualidade um grande trem caminhando veloz­mente em direção dos laboratórios de estudo do genoma humano, com a saúde sendo conduzida para a intimidade da estrutura molecular dos genes.

As notícias sobre a engenharia genética são cada vez mais frequentes e completas, fazendo com que o tema entre nas casas como o anúncio de qualquer outro produto de consumo. A mídia mostra com grande destaque uma grande colheita de grãos ou a cura de certa doença, antes não imaginadas, tudo graças às pesquisas reveladoras dos segredos dos genes.

Hoje, mais do que nunca, é imperativo o repensar dos pressupostos teóricos da Medicina nesse novo contexto, mais especificamente depois da publicação dos trabalhos do pesquisador Susumu Tonegawa, ganhador do Nobel da Medicina de 1987, esclarecendo muitas dúvidas de como se efetiva a defesa interna do corpo frente aos microorganismos patogênicos. Ficou demonstrado que quando os linfócitos B se desenvol­vem, segmentos do seu material gênico são selecionados e misturados para fornecer novos genes, dando origem a milhões de sequências varia­das, capazes de iniciar a luta contra muitas doenças.

Graças aos novos conhecimentos, é possível afirmar que parte da estrutura genética humana é plástica capaz de desenvolver muitas combinações gênicas adaptativas às necessidades da vida. Para que esse mecanismo biológico ocorra na sua plenitude é indispensável, entre outros fatores, que o corpo disponha de uma quota mínima da sua fonte de energia ‑ o alimento.

A partir dessa certeza, ficou fácil demonstrar o que já faz parte, após milhares de anos, do conhecimento historicamente acumulado: as pessoas não alimentadas com uma quantidade mínima de calorias, ja­mais terão competência imunológica suficiente para enfrentar a maioria das doenças.

A partir dessa abordagem pós‑moderna na Medicina, caíram todos os pressupostos étnicos racistas, diferenciando grupos sociais mais inteligentes e mais fortes do que outros, sempre lembrados pelos interesses dos grupos dominantes.

O processo histórico reafirma a necessidade de a ética da Medicina do presente e do futuro estar sempre ao lado e na defesa intransigente da dignidade física e psicológica do doente e próxima dos bons resultados. Finalmente, como principal fiscalizador das pesquisas que atentem contra a dignidade humana.

 

Estruturas teóricas que fundamentaram a bioética como pensamento disciplinador

 

O início processo teórico na construção da bioética remonta à manifestação de Estado, em 1900, constituindo o primeiro documento estabelecendo, explicitamente, os princípios éticos da experimentação em humanos, formulado pelo Ministério da Saúde da Prússia, infelizmente, sem que os países tivessem conhecimento:

– Exigência de integridade moral do experimentador;

– Claro consentimento do sujeito da pesquisa, após ter sido informado quanto as possibilidades de danos, consequentes da pesquisa.

.Em 1930, em Lubeck, Alemanha, foi realizado um teste com vacina BCG, em 100 crianças, sem a obtenção do consentimento dos responsáveis. A consequência foi a morte de 75 delas, no transcurso da pesquisa. Essa tragédia ficou conhecida como “desastre de Lübeck”.

Em 1931, o Ministro do Interior da Alemanha estabeleceu as 14 “diretrizes para novas terapêuticas e a pesquisa em seres humanos”. O conjunto incluiu além das de 1900:

– Exigência de relatório se houvessem alterações do projeto inicial de pesquisa;

– Detalhamento de possíveis riscos e benefícios;

– Critérios para justificar as pesquisas em pessoas fragilizadas e crianças;

Esse conjunto normativo era mais preciso se comparado à Declaração de Helsinque.

Esse processo teórico tomou impulso em vários momentos, contudo nos anos 1970, acendeu outro rumo com a publicação dos livros:

– 1976, “Problemas morais na Medicina”, do filósofo Samuel Gorovitz;

– 1979, “Princípios da ética biomédica”, do filósofo Tom Beauchamp  e do teólogo James Childress.

– 1985, Samuel Gorovitz publicou “Dilemas médicos: conflito moral e médico”, pela editora da Universidade de Oxfort.

– 2007, Samuel Gorovitz, Professor de Bioética e Humanidades, na Sony Medical University, foi nomeado pelo governador de Nova York, para o Empire State Board Células Tronco, que supervisiona um compromisso de US $ 600 milhões para pesquisas com células-tronco no Estado de Nova York.

– Tom L. Beauchamp, filósofo americano, professor de Filosofia e Pesquisador Sênior do Instituto Kennedy de Ética, na Universidade Georgetown, membro da Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos Humanos da Pesquisa Biomédica e Comportamental, onde co-escreveu o Relatório Belmont , em 1978. Com James Childress  publicou o livro “Princípios de Ética Biomédica”, o primeiro grande livro de bioética norte-americana.

– James Franklin Childress , filósofo e teólogo, voltado à ética biomédica. professor de Ética, Departamento de Estudos Religiosos, da Universidade da Virgínia , onde dirige o Instituto para Ética Prática.  vice-presidente da Força-Tarefa americana sobre Transplante de Órgãos, e trabalha na Biomedical Ethics Advisory Committee.

Na obra de Beauchamp e Childress – compreendida como teoria principialista – é acrescido um novo pressuposto à ética e moral da pesquisa médica de modo geral e, especialmente, as que envolvem seres humanos como sujeitos da pesquisa: não-maleficência, de clara influência hipocrática.

Existem críticas na originalidade da teoria principialista, mas não no conteúdo ético e moral. Os que autores que duvidaram da originalidade sustentam que a obra de Beauchamp e Childress somente uniu alguns princípios de outros autores:

– Autonomia, de Kant;

– Beneficência: de John Stuart Mill;

– Não maleficência: de Hipócrates, ou até melhor, da Escola de Cós;

– Justiça: de John Rawls.

– Immanuel Kant (17241804), professor catedrático da Universidade de Königsberg, cidade da qual nunca saiu, levando uma vida monotonamente pontual e só dedicada aos estudos filosóficos. Na epistemologia, elaborou a síntese entre o racionalismo continental, de René Descartes e Gottfried Leibniz, onde impera a forma de raciocínio dedutivo, e a tradição empírica inglesa, de David HumeJohn Locke, que valoriza a indução. Um dos trabalhos mais espetaculares de Kant é elaboração do denominado idealismo transcendental: todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não vêm da experiência) para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma impossíveis de determinar. A filosofia da natureza e da natureza humana de Kant é historicamente uma das mais determinantes fontes do relativismo conceitual que dominou a intelectualidade do século 20.

– John Stuart Mill (1806-1873), Pentonville, Londres, o primeiro filho do filósofo escocês radicado na Inglaterra James Mill, seguidor do utilitarismo de Bentham. John se opôs à visão mecanicista de pai, ou seja, a visão da mente passiva que reage mediante o estímulo externo. Para John Stuart Mill, a mente exercia um papel ativo na associação de idéias, descreveu no livro “Sistema lógico”, os cinco métodos de indução ou “O Método de Mill”.

– John Rawls (1921-2002): a teoria da Justiça de Rawls visa combater principalmente dois tipos de visão: utilitarismo e o perfeccionismo, propondo responder como o ideal nas instituições: a virtude das instituições sociais consiste no fato de serem justas. Em outros termos, o filósofo norte-americano entendia a sociedade bem ordenada quando compartilha da concepção pública de justiça que regula a estrutura básica da sociedade. Com base nesta preocupação, Rawls formulou a teoria da justiça como eqüidade. Mas, como podemos chegar a um entendimento comum sobre o que é justo?

Para concluir, ele imaginou uma situação hipotética e a-histórica similar ao estado de natureza, na qual determinados indivíduos escolheriam princípios de justiça. Tais indivíduos, concebidos como racionais e razoáveis, estariam ainda submetidos a um “véu de ignorância”, ou seja, desconheceriam todas aquelas situações que lhe trariam vantagens ou desvantagens na vida social (classe social e status, educação, concepções de bem, etc.). Dessa forma, na posição original todos compartilham de uma situação eqüitativa: são considerados livres e iguais. Ao retomar a figura do contrato social como método, Rawls não deseja fundamentar a obediência ao Estado, como defendido na tradição contratualista de HobbesLocke e Rousseau. Ligando-se a Kant, a idéia do contrato é introduzida como recurso para fundamentar um processo de eleição de princípios de justiça:

– Princípio da Liberdade: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas;

– Princípio da Igualdade: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo:

  1. Consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável princípio da diferença;
  2. Vinculadas as posições e cargos acessíveis a todos ou princípio da igualdade de oportunidades.

Fiel a tradição liberal, Rawls considerou o princípio da liberdade anterior e superior ao princípio da igualdade.

Seja com ou sem crítica, o certo é que nesse contexto de união de esforços teóricos resultou também na salva-guarda para os indivíduos fragilizados na saúde física ou mental e que não possam entender parcial ou totalmente os riscos da pesquisa e se desejam ou não dela participar. Nesse sentido, foi introduzida a obrigatoriedade do “termo de consentimento livre e esclarecido” como alternativa administrativa para proteger os que não podem decidir sobre as vantagens e risco da pesquisa.

Essa questão ainda não estava clara em 1964, quando os médicos e pesquisadores reunidos na 18ª Assembléia da Associação Médica Mundial editaram a Carta de Helsinki I, anunciando cinco princípios de base, que como o Código de Nuremberg não impôs força de lei:

– As pesquisas clínicas devem estar contidas nos princípios morais e científicos, que só deverão ser iniciadas após o sucesso nas experimentaçõe animais;

– As pesquisas devem ser dirigidas por pessoas cientificamente competentes e sob controle de um médico qualificado;

– Todo projeto de pesquisa deverá ser precedido de uma lista detalhada e circunstanciada dos riscos e benefícios esperados.

Os resultados de Helsinki I, Helsinki III e de Tóquio estavam norteados para o indicativo para a criação dos Comitês de Ética, que deveriam:

– Manter estrutura administrativa independente para investigar projetos que envolvam seres humanos direta ou indiretamente;

– Aprovar ou desaprovar projetos de pesquisas;

– Supervisionar e acompanhar os projetos de pesquisas aprovados;

Organismos como Associação Médica Mundial (AMM), Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceram metas para ampliar os Comitês de Ética em todo o mundo em três etapas:

– Período da criação;

– Período de expansão;

– Período de estabilização.

De modo geral, os comitês de ética em alguns países europeus e nos estados Unidos da América já estão na terceira fase, em outros, se encontram na peimrira ou segunda fases.

Esses comitês de ética, pelos menos os que estão nas fases de expansão e estabilização, se organizam para manter permanente vigilância nos padrões éticos das pesquisas médicas acompanhando os movimentos de transformações nas praticas médicas, ajustando-as aos avanços tecnológicos e ao aumento da longevidade, em blocos de debates, acrescidos de outros de acordo com o movimento social e os avanços tecnológicos.

Por outro lado e concomitantemente, os Conselhos de Medicina, no Brasil e em outros países vinculados ONU, UNESCO, OMM, se adaptaram às novas exigências sociais e tecnológicas e continuam discutindo deveres e direitos dos médicos e instituições médicas públicas e privadas em bloco dinâmico de discussões temáticas que são acrescidas de outras de acordo com a aquisição de novos procedimentos, mas mantendo sempre posições doutrinárias que mantêm a Medicina e os médicos como partes da cooperação entre pessoas e povos, das virtude que amparam as relações humanas. No momento, podem ser citadas algumas:

– Princípios gerais da humanidade;

– Inovações tecnológicas da pós-modernidade;

– Ética e psiquiatria;

– Ética e biotecnologia;

– Ética e novos procedimentos cirúrgicos indicados para promover o embelezamento;

– Ética e técnicas de fertilização fora do útero;

– Ética e fim da vida;

– Ética e deontologia;

– Ensinamento da ética.

 

Bioética no Brasil

 

A estruturação da bioética brasileira se iniciou em 1990. Em 1993, o Conselho Federal de Medicina lançou o periódico “Bioética”, com publicações regulares até a atualidade, abrangendo temas de interesses médicos, sociais e jurídicos relacionados à ética, moral e bioética.

Em 1996, foi criada a Sociedade Brasileira de Bioética, que reuniu os médicos e pesquisadores com focos comuns à bioética. Contudo, o marco fundamental iniciando a construção da bioética brasileira foi a edição da Resolução 196/96, do Ministério da Saúde, de abrangência no território nacional, como ato de criação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), instância reguladora das futuras Comissões de Ética em Pesquisa (CEP), que seriam instaladas nas instituições de ensino e hospitalares, públicas e privadas, para analisar eticamente e acompanhar os projetos de pesquisas de qualquer natureza envolvendo seres humanos. Hoje, existem 596 CEPs, registrados no Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Em 1999, o CNS editou a Resolução 292/99, sobre as pesquisas com cooperação estrangeira; em 2000, o CNS editou a Resolução 304, complementar da Resolução 196/96, tratando das pesquisas realizadas em área de povos indígenas, reconhecendo o direito dos índios nas decisões que os afetem.

 

 

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