A MEDICINA E A FILOSOFIA GREGA

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

Para que se possa compreender a importância da medicina grega na estruturação do universo ético-filosófico ocidental e no entendimento atual do que é a saúde e a doença é necessário muito mais que simples fatos. É indispensável que tenhamos o embasamento da história na interpetação dos fatos.

A medicina, como especialização social, já estava definida alguns milhares de anos entes da formação da polis grega. Do mesmo modo que a filosofia e as idéias políticas gregas, a medicina apareceu com claeza na estrutura do pensamento helênico no final do século V e nos séculos IV e III seguintes, de forma tão bem sedimentada que influenciou marcadamente os caminhos tomados pela medicina ocidental nos vinte séculos seguintes.

É possível que tenha sido depois das guerras médicas (490 – 479) que a medicina grega tenha atravessado o seu mais notável desenvolvimento estrutural. A partir desta época o médico aparece como intermediário na formação social e na edificação do pensamento coletivo, superando as suas funções específicas na busca da saúde.

Empédocles, médico e filósofo do século V, utilizou a clepsidra para ilustar a sua teoria da respiração, segundo a qual o corpo transpira através dos poros espalhados por toda a superfície da pele. É possível se estabelecer uma relação direta entre a teoria da espiração de Empédocles com a doutrina cosmológica de que o ar é uma substância corpórea.

A relação concreta da medicina com a filosofia grega, provavelmente, começou  a partir das concepções jônicas da natureza.

A influência jônica foi tão grande que toda a literatura médica desta época que chegou até nós, foi registrada em prosa jônica, apesar de ter sido escrita em Cós, ilha de população e língua dórica. Este fato sópode ser explicado pelo avanço da cultura e da ciência jônica naquele tempo.

A importância social do médico como agente na busca da saúde já era reconhecido desde Homero, que afirmou : ”O Médico Vale Por Muitos Homens” . Porém, a consolidação desta posição foi alcançada a partir da busca da relação do corpo com a natureza, referida de diferentes modos por Platão (Prot. 313 D, Gorg. 450 A, 517 E, Rep. 298 A e Timeu 78 B), onde o médico é fixado em posição social definida.

A relação da medicina com a naturaza que os gregos tão bem assimilaram atingia o social. Esta afirmação pode ser comprovada em Sólon, que descreveu a conexão das doenças com o todo social. Baseado nesta relação, Sólon fundamentou parte do seu pensamento político-filosófico afirmando que asa crises políticasa interferiram na qualidade da saúde coletiva.

Talvez tenha sido esta rzão pela qual a medicina exercida no III milênio a. C. pelos agípicios não ter sido sedimentada em sistema definido. Com todo o grande desenvolvimento da observação e do empirismo utilizados, os médicos egípicios não obtiveram êxido no estabelecimento de uma teorização suficientemente coerente que fundamentasse a medicina praticada nos milênios seguintes. Faltou-lhes, certamente relacionar o conjunto da natureza com a ação médica, como fizeram os jônicos.

Esta preocupação em estabelecer uma ligação entre o binômio saúde\ doença com a natureza está nitidamente presente na introdução do livro Dos Ventos, Águas e Religiões, de autor desconhecido, do século V a.C.:

 

Quem quiser aprender bem a arte de médico deve proceder assim: em primeiro lugar deve ter presentes as estações do ano e os seus efeitos, pois nem todas são iguais mas diferem radicalmente quanto a sua essência específicad e quanto as suas mudanças. Deve ainda observar os ventos quentes e frios, começando pelos que são comuns a todos os homens e continuando pelas características de cada região. Deve ter presente também os efeitos dos diversos gêneros de Águas. Estas distinguem-se não só pela densidade e pelo saber, mas ainda por suas virtudes. Quando um médico chegar a uma cidade desconhecida para ele, deve determinar, ants de mais nada, a posição que ela ocupa em relação as várias correntes de ar ao curso de sol (…) assim como anotar o que se refere as águas (…) e a qualidade do solo (…) Se conhecer o que diz respeito a mudança das estações e do clima, o nascimento e o ocaso dos astros, conhecerá antecipadamente a qualidade do ano. Pode ser que alguém considere isto demasiadamente orientado para a ciência, mas quem pensar assim pode convencer-se, se alguma coisa for capaz de aprender, que a astronomia pode contribuir essencialmente para a medicina, pois a mudança nas doenças do homem, está relacionada com a mudança do clima”.

Esse modo de conceber a relação saúde\doença dos gregos demonstra a existência de uma nova relação saúde\ doença dos gregos demonstra a existência de uma nova relação que as doenças passaram a ser consideradas. Elas não erammais compreendidas isoladamente, mas como  produto resultante do desequilíbrio com a natureza.

Esse ponto fundamental da medicina grega dos séculos V e IV foi marcado pela união entre a filosofia jônica da natureza e o conceito de saúde e de doença no homem.

Começou, nessa época, entre os séculos V e IV, a florescer a Escola de Hipócrates, em quem Platão, no início do século IV, reconheceu a personificaçãoda medicina.

Apesar de todas as obras desse período ter chegado a nós sob o nome de Hipócrates, provavelmente por erro de interpretação do médico romano Galeno, hoje não se tem dúvida de que foram escritas por diferentes autores, que sustentavam pontos de vista discordantes em muitos aspectos do conhecimento médico.

De qualquer forma, Hipócrates era realmente reconhecido e respeitado como símbolo de uma medicina corretamente aplicada, como está claro nas conhecidas passagens de Platão (Prot. 313 B-C e Fedro 270 C) e de Aristóteles (Pol. VII, 1326).

É provável que as idéias do pensamento médico tenham efetivamente contribuído na busca dos gregos em definir um método genuinamente experimental. Na medicina a experimentação começava na aplicação deste ou daquele remédio a um doente para comprovação  se dava ou não resultao. Foi, possivelmente, aqui que se definiu a relação entre a filosofia da natureza e a medicina.

Esse aspecto pode ser bem entendido através de Aristóteles (de Sensu, 436 a 18): ”Visto a doença e a saúde apenas se poderem verificar nos seres animados, os primeiros princípios da saúde e da doença devem cair na alçada do fisicista. Daí que quase todos os filósofos naturais terminem com a medicina; e que os médicos que exercem a sua profissão num espírito mais filosófico iniciem o seu tratamento da medicina a partir da verdades da filosofia natural”.

 

 

O aparecimento da literatura médica foi importante no desenvolvimento e aceitação da importância da medicina nas relações sociais.

A partir do estudo das obras médicas que chegaram até nós, ficou comprovado que existiu entre os séculos V e III a.C. uma compreensão diferenciada do papel social do médico e do leigo em medicina. A produção literária médica daquela época foi direcionada para estes dois grupos diferentes de leitores. Hoje, felizmente, chegaram a nós dois gêneros de literatura, a profissional e a destinada ao grande público.

Na tentativa de fortalecer o seu valor social, o médico grego, a exemplo dos sofistas, começaram a expor perante o público os problemas da relação saúde\ doença, sob a forma de conferência e discurso preparado.

É válido pensar que já existia uma idéia clara da elação dominante entre médicos e os não médicos, já que  está expostas nas obrasa que foram produzidas principalmente nos séculos V e IV e que nos chegaram em boas condições.

A interpretação dessa relação foi também registrada por Platão (Leis, 857 D e 720 C – D), onde aborda a diferença da medicina praticada nos escravos e nos homens livres. Algo semelhante ao existente hoje entre a medicina praticada nos consultórios particulares  e nos ambulatórios de assistência médica pública. Platão faz a descrição de modo extremamente satírica de como os médicos dos escravos correm de um paciente para outro e dão instruções rápidas e sem falar com os doentes e os compara com os médicos dos homens livres: ” Se um deles ouvisse falar um médico livre a pacientes livres, em termos muito aproximados das conferências científicas, explicando como concebe a origem da doença e elevando-se a natureza de todos os corpos, morreria de rir e diria no que a amioria das pessoas chamadas médicos replicam prontamente em tais casos: – o que fazes, néscio, não é curar o teu paciente, mas ensiná-lo como se a tua missão não fosse devolver-lhe a saúde, mas fazer dele médico”.

O próprio Platão reconhece a necessidade do esclarecimento do doente como o ideal da terapêutica. Este tema é abordado também na obra Banquete, onde o médico Erixímaco desenvolve para a platéia uma longa conferência sobre a essência do Eros.

Esse interesse pelo estudo da matéria médio que passou a caracterizar o homem o homem culto grego é compreendida na figura do jovem. Eutidemo que Xenofonte descreveu como grande entendido  de medicina sem ser médico e do historiador Tulcidides que relatou com incrível minúcia o quadro médico-social da peste que assolou Atenas entre os anos 430 e 427 a.C.

Aristóteles vai mais longe e chega a distinguir na sua obra Política I, 11, 1282, o médico do homem culto em medicina, estabelecendo o espaço que cada um pode ocupar nas suas funções specíficas.

Não se tem dúvida de que a medicina tomou importância suficiente para despertar interesse do grande publico a partir do século V a.C. Este entendimento foi alicerçado através  da certeza de que a saúde e a doença eram produtos da sua relação com a natureza.

Existiu uma complexa interdependência entre os conceitos produzidos pelos filósofos não médicos. Algumas vezes está clara a coincidência das idéias, outras vezes existe nítida discordância.

 

O autor desconhecido do livro  Da Natureza Antiga, discorda do dogmatismo a priori  da filosofia de que todas as doenças são formada pelo excesso de calor, frio, secura ou humidade.  No CORPUS, HIPOCRATICUM (cap. XIII), Hipócrates argumenta objetivamente sobre o mesmo assunto: ” 1. Que no caso de um doente afetado por uma alimentação crua e curado por uma alimentação cozida, não é possível dizer o que foi eliminado da direita, se o calor, se o frio, se a humidade ou a secura.  2. Que não existe um quente absoluto que possa ser misturado para curar o frio, uma pessoa tem de tomar água quente ou vinho quente ou lente quente e a água o vinho e o leite tem propriedades diferentes que serão mais eficazes eficazes do que o calor. ” Hipócrates sustentava também que o corpo humano é composto por número grande de coisas : salinas, amargas, doces, ácidas, adstringentes, insípidas, etc. E não só de quatro componentes. Provalvemente, Hipócrates sofreu a influência de Alcméon, filósofo e médico de Grotona, sul da Itália, que admitia um grande número de forças atuando na produção da saúde do homem. Alcméon, ao que parece, afirmava que a saúde era o produto do equilíbrio de todas as forças e o predomínio de um oposto provocava a doença. Tanto Hipócrates como Alcméon admitiam que a saúde é uma mistura devidamente equilibrada das qualidades.

Apesar dessa clara compreensão de que a saúde era o produto do equilíbrio de várias forças no organismo, existiu outra corrente de pensamento provavelmente liderada por Políbio, genro de Hipócrates, que sob  a influência dos quatros elementos de Empódocles – fogo, ar, água e terra – e da noção do equilíbrio junto de anazimandro, produziu, ainda sob aifluência marcante da Escola de Cós, a teoria dos quatro humores fundamentais – O SANGUÍNEO, O LINFÁTICO, O BILIOSO AMERELO E O BILIOSO NEGRO, para explicar a causa das doenças.

Essa teoria dos quatro humores, atribuída a Políbio, está no livro DA NATUREZA ANTIGA : ”(…) o corpo humano contem sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, que estes elementos constituem a natureza do corpo e são responsáveis pelas dores que se sentem e pela saúde que se goza. A saúde atinge o seu máximo quando estas coisas estão na devida proporção em relação umas às outras, no que toca a sua composição, força e volume além de estarem devidamente misturadas. A dor surge quando há excesso ou falta de uma destas coisas, ou quando uma delas se isola no corpo em vez de estar misturadas com as outras”.

A teoria dos quatro humores fundamentais norteou os rumos da medicina e transpassou o tempo até o século XVII, quando começou a ser substituída pelo o estudo da microestrutura desenvolvido por Marcelo Malpighi (1628 – 1694). No seu principal livro OPERA OMNIA, publicado em 1667, evidenciou a organização do microcosmo e novo entendimento na etiologia das doenças.

 

 

Um dos objetivos da filosofia grega foi sistematizar o discurso sobre a natureza interior das coisas com suficiente coerência para que permanecesse o mesmo na multiplicidade das suas manifestações. Aqui brotaram as contradições entre o particular e o universal, o invisível e o visível e deve ter nascido a questão fundamental do conhecimento. A medicina, como ciência emergente, foi envolvida nela.

 

O verdadeiro médico surgiu no pensamento grego como o homem que nunca separava a parte do todo, mas sempre a relacionava no seu conjunto de interdependência com o todo. Daí, surgiu a imperiosa necessidade de conceituar Medida na medicina. O médico passou a ser chamado para recompor a medida oculta quando a doença vinha alterá-la e utilizava a natureza como a justa medida da saúde.

Hipócrates jé tinha plena consciência desse fato e afirmava em texto atribuído a ele no livre  Da Medicina Antiga que nenhum médico pode saber de medicina nem tratar convenientemente os seus doentes sem conhecer a natureza do homem e continua : ” (..) os argumentos deles apontam para a filosofia tal como a de Empédocles e de outros que escreveram sobre a natureza e descreveram o que o homem é desde a origem, como primeiro surgiu e de que elementos é constituído”.

A concepção de saúde entre os gregos começou a envolver a relação da Medicina com a  Harmonia a partir do século V, sendo esta a norma da natureza, isto é, ela preenche na medida exata e com simetria adequada as necessidades de cada um. É a partir desta compreensão que Platão entendeu a saúde como a ordem do corpo (Fédon, 93 E, Leis 773 A e Górg. 504 C) e Aristóteles associou a simetria como a determinante da saúde da força e da beleza do corpo.

Esta intrincada relação do binômio saúde \ doença com a natureza já encontrava respaldo no período pré-socrático. A mesma idéia de que não era adequado ao médico intervir contra a natureza no tratamento de qualquer doente e que os sintomas da doença, inclusive a febre, representam o início do processo de restabelecimento da normalidade era entendido em Heráclito, que compara ao instinto da aranha em se dirigir para o local da teia rasgada pela mosca, lembrando a çaõ da natureza em acudir o corpo contra as doenças.

Foi provavelmente na Escola de Cós que surge na literatura médica grega a idéia clara da Physis em relação a medicina, constituindo um dos importantes conceitos elaborados pela medicina grega. Sem dúvida que nasceu como processo das concepções da natureza desde Tales até Demócrito.

Nos documentos deixados por diversos autores não identificados da Escola de Cós , pode-se compor cinco pontos fundamentais  da ligação da Physis com a medicina:

1) Universalidade e individualidade : todas as coisas têm a sua Physis própria, os asatros, os ventos, as águas, os medicamentos, o homem com as suas partes, as doenças, etc. Por esta razão que o autor do livro I Das Epidemias distingue ”a Physis comum de todas as coisas da Physis própria de cada coisa”.

2) Principalmente: a Physis é o princípio (Arkhe) de tudo que existe. No livro Sobre  os Lugares e o Homem, lê-se: ” A physis do corpo é o princípio da razão da medicina”.

3) Harmonia: na sua aparência e na sua dinâmica a Physis é harmoniosa. É a ordem que se realiza com beleza. A naturaza é harmoniosa e produz harmonia.

4) Racionalidade :a natureza é racional em si mesma. Por esta razão existe uma fisiologia, a ciência na qual o logos do homem se harmoniza diretamente com os logos da natureza.

5) Divindade : a Physis é em si mesma divina. Este caráter divino da Physis se manifestou na medicina grega na incompreensão da existência de certas doenças que evoluiam para a morte.

 

A tendência do pensamento grego em agrupar em classificações gerais o todo e as partes, estimulou as tentativas de ordenação das doenças em grupos que apresentassem alguma semelhança no seu aparecimento ou no quadro clínico de sinais e sintomas. Um dos exemplos mais interessantes desta fase de desenvolvimento da medicina grega foi o livro Das Doenças Sagradas, de autor desconhecido, que estuda descritivamente todas as manifestações patológicas das doenças que causavam alterações no comportamento do homem.

É provável que Platão tenha se ligado à medicina, tirando desta, algumas linhas mestras da sua concepção étnico-filosófica. No seu livro Górgias 464 B, 465 A e 501 A, sob a luz da medicina, estabeleceu o significado da verdadeira Techne,, como forma de conhecimento na natureza do objeto destinado a servir ao homem.

De acordo com os conceitos platônicos o médico é a pessoa que baseada no que sabe sobre a natureza do homem são, conhece também o contrário deste, o homem doente e sabe  encontrar os meios para restituí-lo à saúde. Foi baseado neste modelo que Platão traçou a imagem do filósofo que teria a mesma função no tratamento da alma do homem. Existiu, neste ponto do pensamento grego, uma relação concreta entre o médico e o filósofo, que se completavam na busca da harmonia plena do homem com a natureza.

os diálogos platônicos sugerem efetivamente que o método utilizado na medicina –identificar em primeiro lugar se a natureza do objeto acerca do qual queremos adquirir um verdadeiro conhecimento é simples ou apresenta múltiplas formas – E por ele utilizado nas obras da sua última fase, é exatamente o mesmo.

Nessa fase, a medicina grega já tinha reconhecido o problema da multiplicidade das formas das doenças e a possibilidade de teorizar com divisões para estabelecer o número exato dos tipos patológicos. Este método é identificado por Platão como Dissecação ou divisão dos conceitos universais nas suas diferentes classes. Provavelmente, esta foi uma das razões que  Platão comparou a medicina com a filosofia, baseado no caráter normativo de ambas.

Parece que existiu uma convergência da medicina com a filosofia influenciada pelas idéias políticas que predominaram entre os séculos IV e III a.C. quando era sentida a necessidade de associar as linhas mestras do pensamento cultural a noção grega de liberdade pela lei com sujeição à lei.

Foi aqui que residiu uma importante contribuição da medicina grega ao ocidente: a elaboração das normas para conservação da saúde do homem. A prática do esporte, da música e dos banhos coletivos foram utilizados como formas de tratamento que induziam ao melhor conhecimento da natureza do homem.

 

 

Vinte e dois séculos depois dos gregos terem elaborado um sistema de compreensão do binômio sa~ude \ doença com a totalidade da natureza, o processo que culminou com o melhor conhecimento da fisiologia do corpo humano mostrou que a verdade biológica está muito próima deste entendimento.

Após qualquer agressão que o homem sofra, seja mecânica ou biológica, ocorre a inflamação, que significa fundamentalmente a primeira reação natural do corpo contra a gressão sofrida. Esta reação da natureza se dá tanto em nível macroscópico com o aparecimento do edema, calor e dor, como no microscópico, com a chegada das células sanguíneas especializadas que começam imediatamente a destruir o agente causador da agressão.

 

No livro DAS EPIDEMIAS, produzido pela Escola de Cós, esta idéia está clara: ”A arte do médico consiste em eliminar o que causa dor e em sarar o homem, afastando o que o faz sofrer. A natureza pode por si própria conseguir isto. Se sofro for estar sentado, não é preciso mais que levantar-se; se se sofre por se mover, basta descansar. E tal como neste caso, muitas coisas da arte do médico a natureza as possui em si própria”.

Existem inúmeros relatos dos séculos IV e III a.C. que associam a adequada ação médica com a noção de globalidade da natureza, inclusive com recomendações da qualidade e quantidade da dieta, da prática de esportes e de atividades culturais. No livro DAS EPIDEMIAS é reafirmado a relação da boa prática médica com os conceitos de HARMONIA e MEDIDA: ”(…) o esforço físico é o alimento para os membros e para os músculos, o sono é para as entranhas. pensar é para o homem o passeio da alma.”

Com o aparecimento da literatura médica destinada ao grande público com recomendações específicas das normas que devem ser obedecidas para a conservação da saúde, a medicina grega inicia uma das mais importantes contribuições para a consolidação da medicina como especialização social no ocidente – A MANUTENÇÃO DA SAÚDE PELA DIETA ADEQUADA, PELO EXERCÍCIO FÍSICO CONTÍNUO E PELA HIGIENE DO CORPO – Na realidade foi aberto um novo espaço nas relações da medicina com o público leigo em medicina, os médicos passaram a atuar também no homem são com objetivo educativo e  profilático.

Os hospitais construídos nesse período, como o de Epidauro, eram grandes e tinham multiplas divisões destinadas diferentes atividades dos médicos. tinham, além de dezenas de salas de exames de alojamentos individuais para os doentes, salas de banho coletivo, praça de esportes, anfiteatro para dez mil pessoas onde era mantida permanete atividade de teatro e música. Era indispensável que se mantivesse na prática o discurso teórico da harmonia com a natureza na busca da saúde.

O novo espaço trabalhado pela medicina do século III e sua íntima relação com a natureza com o objetivo educador, fizeram surgir as mais importantes obras médicas destinadas ao grande público. Estes livros, DA DIETA, DE UM REGIME DE VIDA SAUDÁVEL, DA NATUREZA DO HOMEM, contem fantásticas conclusões de como deve ser a vida do homem comum e os mecanismos que contribuem para a conservação da saúde, chegando a detalhamentos impressionantes, como a especificação de como deve ser a caminhada após cada refeição dependendo da idade e das condições físicas de cada pessoa nas diferentes estações do ano.

Aparece pela primeira vez a palavra HIGIENE com sentido regulador não só da alimentação, mas também como caráter normativo das atividades da rotina do trabalho do homem são e do doente.

A ginática passa a fazer parte das necessidades básicas para a manutenção da saúde. Por esta razão os ginastas alcançaram papel importante no aconselhamento do corpo e permaneceram independentes frente ao crescente poder médico nas relações sociais na sociedade grega.

O livro DE UM REGIME DE VIDA SAUDÁVEL se propõe servir de guia ao público para orientar no tipo mais adequado de dieta que as pessoas devem obedecer, além de estabelecer os parâmentros da cultura médica mínima que todos devem ter para ajudar na compreensão dos pontos disciplinares fundamentais para a manutenção da saúde.

 

As regras sugeridas são distribuídas de modo diverso nas diferentes estações do ano, tipo  físico, idade e sexo. Chega a especificar o tipo de exercício físico mais adequado a cada caso considerado.

O objetivo central seria estabelecer, pela lei, o caminho que todos deveriam seguir para evitar a doença e manter a saúde.

A intensão é a msma do autor do livro DA DIETA, que aborda em quatro capítulos toda a literatura existente na época sobre o assunto e conclui da necessidade de se estabelecer normas alimentares para evitar o aparecimento das doenças pelo desequilíbrio produzido nos quatro humores fundamentais como consequência da ingetão inadequada dos alimentos.

Provavelmente, todas essas produções literárias dirigidas para as pessoas leigas em medicina e para os médicos sofreram a influência de  HERÓDIO de Selímbria, citado por Platão e Aristóteles. Ele foi o primeiro que atribuiu aos exercícios físicos e a dieta um lugar de destaque como importantes fatores na concervação da saúde e no tratamento dos doentes.

A tentativa feita pelos médicos da Escola de Cós em intervir no modo de vida das pessoas, mesmo sendo com a intensão de presevá-las das doenças, não foi aceita placidamente e recebeu duras críticas de Platão e Aristóteles. Este último diz haver muita gente que embora goze de saúde, não pode se considerar feliz, pois só a mantém a força de se privar das coisas agradáveis.

Esse conjunto da produção médica, principalmente dos séculos IV e III a.C., contribuiu para que Platão reconhecesse as três virtudes físicas – SAÚDE, BELEZA e FORÇA – que harmonizariam com as virtudes da alma – PIEDADE, VALENTIA, MODERAÇÃO E JUSTIÇA. Este pensamento platônico se estabeleceu e influenciou os séculos seguintes na formação do conceito da saúde física e psíquica do homem ocidental.

Acredita-se que a medicina e a filosofia grega dos séculos V ao III foram as primeiras a estabelecerem um sistema ordenado da prática médica. Foram também os reponsáveis pela compreensão de como deveria ser o papel social do médico como agente na busca da saúde daquela época até o século XVII, quando foi iniciado o processo de industrialização no mundo ocidental. A partir daí, os rumos idealizados pela medicina grega,isto é, a íntima relação que a ação médica deveria manter com a natureza, foram gradativamente substituídos pela nova ordem de manutenção da saúde para melhor aproveitamento da máo de obra.

Os hospitais sofreram o mesmo efeito da desnaturalização da medicina. As construções se fecharam em si mesmas, ganharam refrigeração artificial, se tornaram sombrias e úmidas, com paredes altas que impedem a entrada do sol e contribuiram para o isolamento social do doente. Desde então , o homem foi gradativamente arrancado das suas primitivas relações com a natureza e, sem opção, perde em cada geração que passa muito de qualidade da vida.

Os médicos que não possuem na sua formação a compreensão prévia de todo social e dos seus processos de transformação, atuam como cúmplices dessa atual situação da prática médica.

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