O MÉDICO ROMENO

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

No   pós‑doutorado,em 1992,eu conheci,no refeitório dos médicos,da Universidade de Paris,o romeno Halrian PLAVCZ.O diálogo começou em consequência da notícia sobre o Brasil,no jornal Le Monde.Quando a conversa avançou em direção à ruína da ordem maxista,eu disse:

─ Na universidade onde leciono,em Manaus,ainda é forte o patrulhamento contra os que rejeitam o marxismo como projeto político.

Demonstrando surpresa,o romeno argumentou:

─ O projeto político socialista-marxista já era um fracasso  antes da insanidade stalinista,quando o Partido Comunista matou mais de vinte milhões de opositores.Como ainda é possível alguém adotar o marxismo,na atualidade,como projeto político?

─ Eu acredito que um dos fatores seja porque os países do Terceiro Mundo situam-se nas bordas distantes dos movimentos sociais.A crise de credibilidade da esqueContudo,ainda estamos vivendo os resíduos finais da falsa propaganda  do paraíso marxista…

─ Existe alguma possibilidade da esquerda marxismoleninista assumir o poder no Brasil?

Eu tomei fôlego e escolhendo as palavras segui:

 

─ Infelizmente,eu acredito ser possível.Quando a Nova República,fraca e instável nas bases políticas,substituiu o último general‑presidente,o projeto político da esquerda foi colocado em marcha.Na minha leitura,aa estratégia para renascer o  marxismo-leninismo na América do Sul,a partir do Brasil está  com três etapas cumpridas:1a) A desmoralização da antiga estrutura administrativa e funcional do serviço público;2a)A introdução do conceito de “sociedade organizada”,onde a  “eleição democrática”, mobilizada pela propaganda  nos moldes stalinistas do patrulhamento ideológico, deve responder pelo acesso às chefias das escolas, sindicatos, associações, universidades e  hospitais e, finalmente;3a)O afastamento,sob a pressão da calúnia,dos cientistas,militares e funcionários  não identificados com o projeto da esquerda.

─ Isso é uma loucura.Na sua universidade,houve resistência?

─  Conforme eu disse,antes da derrubada do Muro de Berlim,quem tivesse a coragem  de expressar o anti‑comunismo era torpeadeado como herético e queimado pela calúnia torpe.

Fitando o cigarro aceso nos dedos,perguntou:

─ Como pôde haver essa simpatia fora de tempo?Além do cerco implacável às liberdades também existia  fome nos países do modelo marxista.

Lembrei‑me,sem saudades,na viagem realizada ao Leste europeu,no inverno de 1976:

─ Mesmo há quinze anos,jamais esquecerei o entardecer gelado de um domindo,em Sofia,na Bulgária.Na porta da Catedral,fotografei,de longe com uma teleobjetiva,dois policiais fiscalizando os papéis de autorização,para os fiéis entrarem no templo cristão.

Com a voz engasgada,ele perguntou:

─ Ah!Você é cristão?

─ A religião é  um tema complicado na minha cabeça.Nesse momento,está contida numa categoria  que denomino de “memória sócio‑genética”.Por essa razão,acredito no inviolável direito de exercer e declarar a fé religiosa.

 

O romeno ajeitou os cabelos,precocemente enbranquecidos,e acendeu outro cigarro.A expontaneidade cedeu à tensão:

─ O meu pai era pastor metodista.No inicio,inconformado com a miséria dos camponeses,acreditou nos comunistas.Logo percebeu o confronto.Os que contestavam a autoridade suprema do partido comunista foram julgados e condenados.Um dia,foi preso …jamais tivemos  notícias dele.Com o intuito de desmoralisar a família,conseguiram o falso testemunho de uma prima acusando a minha mãe de “comportamento indecoroso” … Antes de ser deportada aos campos de trabalhos forçados,ela fez‑nos jurar,sobre a sagrada Bíblia,que eu e o meu irmão mais velho tentaríamos a fuga.Eu tive mais sorte.Glawcav morreu de frio e de fome antes de alcançar a fronteira…

Ele continuava:

─ …desde então sou asilado político,na Franca.Com  a anistia,voltei a Bucarest.Perdi o controle quando os antigos membros do Partido Comunista saudaram-me gritando “morte aos ditadores comunistas”.Naquele instante, entendi como deve ter sido fácil a farsa dos julgamentos do meu pai e da minha mãe…

O Halrian permaneceu sentado com  a cabeça  baixa e eu pensando no convite recebido,em 1985,para ouvir a palestra do delegado do Partido Comunista da Albânia,em 1985,numa das salas do Curso de Medicina,da Universidade do Amazonas.

 

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