PENSAMENTO MICROLÓGICO: SEGUNDO CORTE EPISTEMOLÓGICO DA MEDICINA

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

De modo genial, Marcelo Malpighi (1628-1694), em 1666, com o livro “De viscerum structura”iniciou o processo de retirada da doença dos humores de Hipócrates para recolocá-la na microestrutura, estabelecendo o segundo corte epistemológico da Medicina como especialidade social: o pensamento micrológico, que mudaria quase tudo nos anos seguintes ate a atualidade.

O resultado instituiu o pensamento micrológico, inaugurando o desvendar da multiplicidade das formas e das funções escondidas dos sentidos natos, numa dimensão invisível aos olhos desarmados.

Pouco a pouco, o estudo da célula dominou os meios acadêmicos. Hoje, é o sustentáculo do atual ensino da Medicina-oficial. Mesmo nos hospitais mais bem equipados, na atualidade, nos tratamentos dependem do diagnóstico microscópico quantitativo e qualitativo das células corporais. Isso significa que a estrutura teórica dos saberes médicos, em pleno século 21, se alicerçada sobre os princípios teóricos da micrologia do século 17.

O pensamento micrológico enfraqueceu as teorias greco-romanas de Hipócrates e Galeno, entendidas como dogmas das universidades, no medievo europeu. Não muito depois, os processos teóricos que amparavam a micrologia, a busca da materialidade da doença na microscopia, substituíram as idéias da Escola de Cós.

Os sistemas teóricos interligados e dependentes de Hipócrates e Galeno, capazes de explicar a saúde, a doença e a expressão do ser no social, mostraram-se tão adequados ao observável que dominaram as regras do diagnóstico, da terapêutica e as bases do ensino da Medicina-oficial no Ocidente durante quase vinte séculos.

Ao lado dessa forte relação em torno das teorias hipocrático-galênicas que atravessou a Idade Média, alguns religiosos, como Miguel Servet, estudante da Universidade de Tolousse, em 1530, imbuído da leitura dogmática bíblica, ao procurar explicação para o sopro de ar que deu vida ao primeiro homem, no livro “Christianismi restituio”, descreveu a pequena circulação coração-pulmão.

Contudo foram os estudos de Hipócrates e Galeno que suplantaram todas as outras correntes cientificas. Alcançaram o Brasil Colônia e os médicos da corte portuguesa. Durante vinte e três dias de febre e convulsão que antecederam a morte da Princesa Paula Mariana, filha do primeiro Imperador do Brasil, foi submetida às chupadas de quarenta sanguessugas, onze vesicatórios, oito cataplasmas e sete clisteres, prescritos pela equipe de dez médicos que se revezaram à cabeceira real.

As teorias greco-romanas continuaram influenciando a Medicina-oficial até o século 19. É interessante assinalar que as idéias alcançaram não só os médicos da Coroa portuguesa, mas também os viajantes, do século 19, que estiveram no Brasil. O médico e viajante Carlos Von Martius, em 1844, descreveu os índios brasileiros “com temperamento linfático”, sob a perspectiva greco-romana, associando a teoria dos Quatro Humores de Hipócrates à teoria dos Temperamentos de Galeno.

 

 

 

 

 

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