MILAGRES SOB LENTES LAICAS

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

 

A abordagem do tomismo em torno do milagre foi criticada por Voltaire e Renan, ao argumentarem que, sendo as leis natu­rais, criadas por Deus, absolutamente coerentes, é falso supor que possa existir qualquer ação física contrária a elas. Igualmente, Spinosa de modo semelhante recusou a existência do milagre apoiado na premissa de que a criação não tendo sido li­vre, mas feita pela necessidade da sua natureza transcendente, era impossível a intervenção extraordinária para mudar o rumo.

Outras oposição ao “sinal” está no agnosticismo kantiano, firmado contra o de­terminismo absoluto. De acordo com Kant, não existem leis fixas e constantes, porque a estabilidade provém exclusivamente do nosso aspecto subjetivo de compreender a realidades. Um fato é incognoscível porque não temos como distinguir todas as expressões da natureza.

A resistência contra a natureza divina do “sinal” contri­buiu, de certa forma, para o milagre diminuir o valor ontológico e o argumento apologético, contudo conservando o aspecto simbólico da fé.

Se considerarmos a validade absoluta das leis regendo as relações físicas entre as coisas, hoje compre­endidas a partir das três forças: gravitacional, eletromagnética, grande força e a pequena força, os acontecimentos situados fora dessas leis, estariam obri­gatoriamente contidos em outra manifestação ainda desconhecida da natureza invisível.

Os pressupostos de Kant e Spinoza podem auxiliar para entender os mecanis­mos produtores da doença como expressões da vida em profundo dinamismo com a totalidade transformadora. O gradual conhecimento, processado fora do espaço sagrado, continua servindo de estímulo para continuar a caminhada para decompor a complexidade do invisível aos olhos desarmados.

As pessoas crentes, tementes da morte precoce, alimentadas pela formidável herança historica­mente acumulada, continuam buscando milagres, especificamente, nas doenças sem tratamento curador: algumas de naturezas comportamentais, as imunológicas e muitos tipos de cânceres.

No outro lado, quando o medo da morte antecipada de um ente-querido está contido na amigdalite infecciosa, que antes dos antibióticos poderia ser mortal, o consenso aponta que o melhor tratamento é no pronto socorro mais próximo.

As sociedades, no passado e no presente, amparadas pelas necessidades coletivas complexas — vencer da morte prematura —, orga­nizaram com competência o espaço sagrado das divindades taumatur­gas. No Ocidente cristianizado, durante o medievo, os santuários curadores de Jerusalém e Compostela receberam incontáveis peregrinos na busca de milagres. Na atualidade, os de Fátima e de Lourdes, são os mais procura­dos pelos que sofrem o medo desesperador da doença incurável. Mais recente, surgiu o de Medjugorje, na Iugoslávia

Para evitar os excessos, foi criado, em 1882, uma comissão formada de médicos e religiosos, para analisar a veracidade dos sinais relatados em Lourdes. Entre as milhares de curas descritas pelos peregrinos, o grupo anunciou, em 1989, o 65º milagres. O caso excepcional, não explicado pela ciência, é o da jovem siciliana de 25 anos, por­tadora de  grave câncer ósseo no joelho. Em 1976, depois de ela permanecer uma semana próxima do santuário, um ano depois, houve o completo desaparecimento da lesão.

Sem pretender simplificar, ocorre a associação entre a fé do suplicante e a as crenças religiosas determinantes. No Brasil, o medo da morte prematura impulsiona os suplicantes à basílica de Aparecida e às igrejas protestantes.

 

 

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