NATIVIDADE, SEXUALIDADE E ABORTO ENTRE SÁBIOS CRISTÃOS

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

Acaloradas discussões se mantiveram entre os séculos 5 e 16: São Gregório de Nissa, no século 4, afirmava que o sexo era tão feio que não poderia ser aceito no paraíso; São João Crisóstomo, no mesmo século, apregoava que os padres deveriam ter muito cuidado com as mulheres “por conta da natural tendência ao pecado”, para esse homem santo, a mulher é fraca e volúvel; o Papa Gregório I, no século 6, decretou que “o prazer sexual nunca se dá sem pecado”. Culminaram, no século 8, com a reprimenda às atitudes usadas para obter o orgasmo diferente do “natural” porque eram entendidas como métodos anticoncepcionais;

Santo Agostinho (354‑430), o monumental teórico cristão, não se manifestou contra, como princípio, a todos os abortos provocados e procura entender a questão em torno da idade fetal: “Pois uma vez que o grande problema da alma não pode ser decidido apressadamente com julgamentos rápidos e não fundamentados, a Lei não prevê que o ato seja con­siderado como homicídio, uma vez que não se pode falar de alma viva num corpo privado de sensações, numa carne não formada e, portanto, ainda não dotada de sentidos.”      Muitas elaborações dos teóricos do cristianismo ficaram contidas nos muros das abadias. O reforço institucional para melhorar o controle social em torno da sexualidade, nos primórdios do medievo, parece que ocorreu por meio do sincretismo entre o cristianismo, presente tanto no Oriente quanto no Ocidente, e as crenças greco-romanas.

Nesse conjunto do processo da cristianização, surgiram as festas para saudar a vida concebida pela vontade de Deus. A da natividade do Senhor foi uma das primeiras, fixada no fim do século 4, iniciando os atributos de sacralidade das concepções.

Sem que possamos precisar a precisa temporalidade em relação à natividade do Senhor, seguiu-se a da natividade da Imaculada Conceição de Maria, celebrada no dia 8 de dezembro, e a da Anunciação, ou “festa da concepção de Cristo”, respectivamente, nos séculos 6 e 7.

Essas celebrações cristãs, iniciaram o sólido processo substitutivo das festas com significados semelhantes, oriundas da tradição politeísta, e impuseram simbolo­gia sagrada à gestação. Com isto, foi iniciado um complexo processo de punição, nas justiças de Deus e dos homens, para quem ousasse interromper o ato de Deus: a gravidez.

As dúvidas sobre a data correta para o início da humanização do feto ou o recebimento da alma, atravessaram os séculos e chegaram a São Tomás (1225‑1274), que sustentou a animação não ocorria na concepção e só o aborto do feto animado era homicídio.

A influência aristotélica no tomismo é também sentida na tese da pureza do sêmen, que ao sair do homem tem a intenção natural de formar outro ser igualmente perfeito, isto é, o homem. As circunstâncias desfavoráveis são responsáveis pelo nascimento das mulheres, por exemplo, como o vento sul úmido, que origina pessoas com mais líquidos, como as mulheres.

A força da tradição e a moralidade do tomismo para a estrutura dogmática da Igreja influenciaram decisivamente no afrouxamento da proibição e penalidades ao aborto provocado. Por outro lado, o grande sábio defendeu a completa renúncia sexual como a única forma de alcançar a devoção perfeita.

O resultado dessa nova abordagem das autoridades eclesiásticas culminou com a atitude do papa Gregório XIV, apoiado no argumen­to de muitos teólogos, revogando a Bula de Xisto V (1588), que punia civil e canonicamente todos os que praticassem o aborto em qual­quer fase do feto.

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