PRÁTICA MÉDICA E FUNCIONALISMO

PRÁTICA MÉDICA E FUNCIONALISMO

Prof.Dr.HC. João Bosco Botelho

 

Partindo da comprovação prévia que existe a dictomia científico-mítica na prática médica cotidiana, torna-se necessário analisar algumas implicações teóricas e ideológicas do funcionalismo nesta questão.

Nesse aparente contraste surge um conjunto hierarquizado do tipo:  Tradicional-moderno, ciência-magia e conhecimento-supertição. E a partir daí que se pode encontrar a justificativa da busca teórica das razões que atuam  como contingências facilitadoras no aparecimento destaw dicotomias.

É indispensável relembrar, antes de iniciar esta questão, que o aparecimento das palavras médico-doutor no uso corrente é significativo como marco ideológico do aumento do poder profissional da saúde no diagnóstico das doenças que afligem o homem na sua interminável luta pela sobrevivência.

Os países que tiveram os seus processos de industrialização satisfeitos na primeira linha, foram os mesmos que durante a segunda metade do século passado  procederam a separação institucional do conhecimento médico popular historicamente acumulado das novas concepções científicas da medicina que  emergiram a paritr dos estudos de Marcelo Malphigi (1628-1694), quandi trouxe a doença da macroestrutura celular.

Este fato foi o reponsável pela ruptura das milenares normas de assistência médica coletiva até então vigentes e pela nomeação dos hospitais e asilos, como centro de observação do homem doente, ao mesmo tempo em que a prática médica privada passou para o primeiro plano como núcleo de aplicação do saber.

A prática pública que antecedeu esse processo era marcada por uma medicina consuetudiária que foi engolida pela prática privada, não geradora  do conhecimento. Esta situação é esclarecedora do fortalecimento da categoria , que passou a ter oficialmente o poder de exercer com exclusividade a profissão.

Só muito recentimente o culto do segredo que envolve as atividades do médico foi também incorporado na totalidade da polarização de valores da medicina popular e científica (Ética, verdade e valor da Medicina, J.C. 14.12.86).

No famoso Sermão, atribuído a Hipócrates (460-375 a.C.), o mais conhecido representante da Escola de Cós na Grécia antiga, a questão do segredo assume uma posição esotérica e sagrada. Lá, cetamente, era aceita a orientação seletiva entre os iniciados para receberrem a habilitação necessária para poderem exercer a profissão. Tudo leva a crer que existiu muita semelhança entre o ritual médico, o pitagórico e o órfico.

Essa compreensão é parecida com a encontrada entre os rezadores populares, onde a prática é impossível de ser exercida entre os não iniciados. Ao contrário deles, os médicos formados nas universidades possuem um conhecimento estandartizado e não secreto. Respondem às regras sociais definidas no conjunto social e procuram excluir, em princípio qualquer elemento transcendente.

Acreditamos hoje que exista em equilíbrio dinâmico entre as duas práticas. Isto quer dizer que a medicina nas suas vertentes científica e mítica estão intimamente interligadas, pendendo mais fortemente para um ou para o outro lado.

Em circunstâncias muito especiais pode aparecer  personagens como os doutores Fritz (Os doutores Fritz, J.C. 12.7.87) que se situam fora destas práticas e retratam conflitos sociais muito particulares do grupo social onde surgem.

Nos Estados industrializados e nos que estão em processo de desenvolvimento tecnológico, o médico se situa atualmente no centro de uma dupla rede assistencial:

1 – Do hospital, como centro de observação, dispõe da tecnologia, da fonte do conhecimento e do prestígio profissional.

 

2 – Do consultório particular onde projeta os seus conhecimentos e prestígios, porém sem direito a divulgação porque a sua prática, neste caso, está sujeita às regras rígidas do segredo médico.

Enquanto que o curandeiro ocupa a posiçaõ central de um único cenário, que cumpre de algum modo, ainda não claro, do ponto de vista antropológico, as duas funções de aquisição e aplicação do saber. Além do masi, ele atua em íntima consonância com a totalidade sócio-cultural do doente e se consolida nas muitas falhas do sistema oferecido pelo Estado para promover e manter a saúde pública.

Dezenas de trabalhos publicados mostram que os curandeiros concentram as suas atenções nas faixas sócio-econômicas mais baixas das populações que ainda têm a sua sobrevivência básica ameaçada pela carência  de alimentos. Eles estão disponíveis a qualquer hora e são muito mais econômicos que os médicos.

Dentro dessa linha é possível distinguir três apresentações distintas das práticas médicas exercidas pelos médicos e pelos curandeiros no meio urbano e rural _

1 – A clientela do médico na sociedade urbana tem características muito bem definidas. O profissional estabelece uma relação que permite apropriar-se do conhecimento e atua como intermediário para receber a informação especializada que circula unidirecionalmente (Quadro I)

 

 

1. O MÉDICO NA SOCIEDADE URBANA

 

 

DOENTE NO HOSPITAL

^   |

OBSERVAÇÃO               |   v          CONHECIMENTO

 

MÉDICO

 

|           CONHECIMENTO

v

DOENTE NO CONSULTÓRIO PARTICUALR

 

 

2 – O curandeiro urbano exerce a sua prática a partir do conhecimento adquirido no seu próprio meio e a amaigama com os hábitos sócio-culturais (Valores sócio-culturais e saúde, J.C. 5.12.87), onde exerce uma ponte unindo o comflito entre o saber urbano e o rural (Quadro II).

 

 

2. O CURANDEIRO NA SOCIEDADE URBANA

 

ORIGEM   EXOTÉRICA                                               ORIGEM  EMPÍRICA

|                                                                             |

v                                                                           v

CONHECIMENTO     \                                /    CONHECIMENTO

\                                   /

v    CURANDEIRO     v

^    |

OBSERVAÇÃO                |    v                    CONHECIMENTO

DOENTE URBANO

 

3. Todo esse conjunto se modifica drasticamente quando se analisa as práticas médico cietnífica e mítica na sociedade rural. Elas apresentam características distintas e muitasa vezes se enfrentam diretamente na busca da hegemonia do poder (Quadro III)

 

3. O CURANDEIRO E O MÉDICO NO CAMPO

 

VALORES REGIONAIS                                        VALORES ALIENÍGENAS

|            \                                     |

SABER    |            \                                                    |

v                  \                                               v

CURANDEIRO            ^          \                              MÉDICO

\        \             \                                  |

SABER                  \   \              \                               |       SABER

\     \              \                            |

OBSERVAÇÃO            \        \                \                     |

\        \             v                    v

v      \           COMUNIDADE

 

Nesta última circunstância, o saber epresenta o mundo urbano no rural  combinando-se aos hábitos sócio-culturais mais fortes. O curandeiro pode exercer  o papel catalizador do saber médico e dos intrincados valores de saúde e doença regionais.

É no campo que se pode sentir mais forte a luta pelo poder médio. Aqui novamente deve ser repensada a prática médica privada, porque ela servirá de parâmetro da competência entre o médico e o curandeiro. O rpimeiro estabelece a denominação prejorativa-supertição-ao segundo e o anulo com a afirmação de que representa a ignorância do conhecimento.

A medicina científica continua usando com frequência os componentes míticos das relações humanas quando o médico lança mão do seu carisma, do destaque do seu papel social e do prórpio dispositivo tecnológico para colocar em prática o seu conhecimento e para alcançar as suas metas.

A ação do médico é enormemente protegida pelo estado, que incoberta as muitas falhas da medicina formal. Com este objetivo são utilizados recursos que o meio de comunicação de massa oferece. Os desacertos são apagados e reescritos numa imagem de competência resultante da manipulação da informação. Um dos exemplos são os conhecidos seriados para a televisão Dr. Kildare e Dr. Cannon produzidos nos países detentores da tecnologia industrial médico-hospitalar que necessitam-se fazerem acreditar para vender os seus excedentes. Nestes filmes, o hospital que faz transplantes, trata AIDS, utilizam aparelhos sofisticados representam simbolicamento a solução para os problemas de saúde que continuam, hoje mais do que nunca, atingindo o homem.

Este imenso trabalho, produzido e estimulado pelo estado, para substituir no menor espaço de tempo a prática médica cnsuetudinária pela científica, pode ser compreendida a partir de cenas comuns no cotidiano nos ambulatórios como a mãe que chega com um filho dizendo que ele recusa todos os alimentos. O médico, com boa formação humanistica e conhecedor sua realidade sócio-cultural, tenta argumentar que não há necessidade de remédios e que a mãe deve buscar alternativa na apresentação do alimento. Depois de ouvir todas as argumentações a mãe fulmina “Dr, se não vai receitar asa vitaminas que eu quero a minha vinda aqui foi inútil!”. Este mesmo médico passa por igual situação dezenas de vezes e se não encontrar apoio institucional, acaba sendo subjulgado pelos laboratórios, que entregam nos consultórios as vitaminas reclamadas pelas pessoas. Na análise dessa contradição se tem alguém deslocado ao próprio médico. A mulher esta cumprindo perfeitamente o papel que a sociedade de consumo lhe atribui.

A reversão deste quadro é complexa e lenta. Um dos caminhos pode ser a mudança dos corrículos das escolas de medicina com o objetivo de mostrar aos alunos os componentes sócio-culturais da saúde e da doença antes de ensinarem os atuais recursos disponíveis de tratamento.

Neste ponto, retornamos ao caráter de polarização inicialmente para dar corpo a esta divulgação teórica em aumentar seu significado simbólico para as lutas ideológicas vazias e sem visão histórica do tipo direita-esquerda, comunista-capitalista, operária-burguês, agente da CIA-agente da KGB, popular-científica como verdadeira manipulação dos mais simples com o objetivo de desagreditar o outro, muitas vezes a serviço do interesse  corporativista e carreirista pessoal.

Foi designado o professor Wilson Alecrim como relator do processo para a criação de disciplina de História da Medicina. A escolha não poderia ter sido mais adequada.

Ele é educador e saberá conduzir as aspirações do grupo de professores que defender esta disciplina no curso de Medicina e evitará que as paixões pessoais e o medo sombrio das mudanças obstruam a vontade de quase trezentos alunos que se incorporam nesta luta.

Todos nós, alunos e professores, continuam acreditando que a Disciplina da História da Medicina, com a sua metodologia já discutida exaustivamente durante todo o ano e curso em suscessivas reuniões conjuntas no departamento de História, contribuirá para melhor situar o nosso Curso de Medicina nas suas relações históricas.

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