VIDA E MORTE DOS TUPINAMBÁS

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

” Uma coisa nos acontecia que muito nos maravilha a princípio  e foi que quase todos os que batizamos, caíram doentes, quais do ventre, quais dos olhos, quais de apostema; e tiveram ocasião os seus feiticeiros de dizer que lhes dávamos a doença com a água do batismo e, com a doutrina, a morte” Padre Manuel da Nóbrega. (Brta Ribeiro. O Índio na História do Brasil, São Paulo, Global, 1984, p.29).

 

O processo de ocupação e conquista do Brasil pelos portugueses introduziu de forma brutal, com a ajuda da Igreja Católica, o confronto de uma nova ordem com as culturas pré-existentes.

A luta iniciada pelos invasores contra a população nativa foi feita simultaneamente através da destruição do universo mítico pela cruz seguida da morte pela espada e pela doença trazida pelo europeu.

os primeiros índios que sofreram esta ação conjugada foram os tupis, chamados pelos brancos de tupinambás.

O grupo étinico tupinambá era formado por várias tribos pertencentes ao mesmo tronco linguístico. Tinham algumaas características sócio-culturais comuns. Incluiam o Tamóio, Tomiminó, Tupiniquim, Caeté Tabajara, Potiguara e Guajajara. Ocupavam a extensa faixa litorânea que ia do Pará ao Rio Grande do Sul.

Metraux (1) os situa com maior precisão: “os tupinambás propriamente ditos eram aquelea localizados na baía da Guanabara, no treci entre Camari e o Rio Real, no baixo Paraguaçu, nas margens do São Francisco, nas costas do Maranhão (acima da serra de Ipiapaba), nas praias do pará (do Gurupi ao Guaporá) e na ilha de Tupinambarana que atingiram já na época da colonização.”

Dos povos que o português encontrou em 1500, conseguiram sobreviver alguns grupos  em números muito pouco significativo e completamente desculturados. Ainda podemos ver  os Potiguar e Pataxó na Paraíba e Bahia; os Tupinikin no Espírito Santo, os Guarani mo litoral  paulista e os Kaingang no Sul. São os Cariboca, Tapanhuma, Mameluco e Cuaipura.

A formação linguística do tupi sofreu enormes variações desdo o século XIV. É possível, para melhor compreensão, dividí-la em três fases distintas: o tupi falado entre os índios e os primeiros viajantes dos séculos XVI e XVII (Anchieta, lery Thevet e Staden), o tupi do século XVIII (dicionário Português-Brasileiro do Frei onofre) e o neo-tupi falado pelos descendentes aculturados no Amazonas de hoje (2).

Devido a extensçaõ do tema e as dificuldades do acesso âs informações, tentaremos localizar os principais objetivos a serem alcançados neste e nos próximos ensaios:

1 – Fazer a análise crítica do papel social do pajé tupinambá baseado nos registros disponíveis dos cronistas e viajantes que estiveram no Brasil entre os séculos XVI e XVIII.

2 – Estabelecer a relação saúde.doença na sociedade tupipnambá.

3 – Determinar em qual medida a prática médico-mítica do pajé tupinambá e dos seus sucessores nos processos migratórios pode ter deixado vestígios na medicina popular.

É provável que os brancos tivessem se interessado, logo nos primeiros contatos, em  conhecer as razões pelas quais os tupis tinham tanta saúde e não sofriam das doenças conhecidas e temidas naquela época na Europa.

 

De qualquer forma, a preocupação que o homem sempre teve em evitar a doença se confunde com a própria natureza humana. podemos agrupar estas mtivações do europeu em conhecer a vida saudável dos índios em três fatores prováveis:

1 – os aspectos exóticos e eficazes que viram os indígenas e o pajé aplicrem no tratamento das feridas de guerra.

2 – Aproveitamento dos métodos aprendidos para tratar as suas próprias doenças, já que não tinham qualquer outra alternativa disponível.

3 – A associação feita entre as funções do pajé e a do médico europeu.

4 – a certeza de que o poder que o pajé concentrava deveria ser destruído para que a dominação se efetivasse na substituição por uma nova ordem sócio-cultural.

estas suposições estão claras no depoimento do médico holandês guilherme Piso, vindo na comitiva do Conde de Nassau : ” De sorte que daqui se pode ver a uniformidade com que os povos, embora ignorantes e de nenhuma letra, exercem a medicina conosco. Conservam tão arraigados os preceitos de cura transmitidos tradicionalmenmte de maõ em mão, o que hão de sofrer antes a morte do que abandonar as suas opiniões nesta matéria. Lembro-me de que os bárbaros nos acampamentos, por meio do gomas frescas, sucos e bálsamos, livraram do ferro e do fogo e restabeleceram com êxito os membros dos soldados feridos por balas de espingardas, que estavam para ser amputados pelos cirurgiões europeus, lusitanos e batavos. Sou ilegalmente testemunha ocular de que nos hospitais foram por eles curadas, só com suco de tabaco, as úlceras rebeldes e as gangrenas” (3).

A leitura das fontes primárias mostra que a saúde dos tupis, apesar de ter desfrutado grande interesse no conquiatador, não foi um dos assuntos que eles mais descereveram. Entretanto, é possível tirar algumas informações de como se passava a compreensão da doença atraves das narrativas feitas pelos cronistas e viajantes da antropografia, religião, rituais de renovaçaõ, sacrifício ritual, além do papel social do pajé (4).

Existem questões concretas na análise da validade das fontes que descreveram os tupinambás. Este assunto foi exaustivamente levantado por Florestan Fernandes: ” Quanto a independência das fontes parace-me que autores como Staden, thevet e Gandavo são ralmente independentes. Outras fontes como lery, Gabiel Soares, os Jesuítas (de uma forma geral), Abbeville, Evreux, Salvador, Jaboatão, Vasconcelos, etc. revelam, em  um grau variável, a influência de outros informantes. lery, por exemplo, tanto aproveita as fontes de Thevet, quanto conheceu, embora depois de editado o seu livro, a obra de hens Staden, que o impressionou vivamente” (5).

Apesar das dificuldades conceituais que envolvem até hoje a palavra saúde, é possível buscar nos conhecimentos da sociedade tupipnambá alguns aspectos importantes que podem ajudar a alcançar as nossas metas propostas.

É indispensável que partida seja feita  no entendimento conceitual  de que a saúde  da população tupi no Brasil dos séculos XVI e XVII está intimamente contida na globalidade sócio-cultural da sua manifestação enquanto uma relação dos seus membros com a própria comunidade e com o meio.

 

Deste modo, a discussão teórica do significado do binômio saúde\doença é da maior  importância quando associado aos pontos referenciais descritos pelos cronistas. Entre os mais importantes sarão abordados com o objetivo de melhor compreender a vida e a morte dos tupinambás: o pajé, o canibalismo, o sacrifício ritual, o tratamento das doenças, mitos cósmicos e mitos da criação, os esiíritos, e ritos do nascimento, da puberdade e do casamento, cerimônias funerárias e crenças da vida depois da morte, algumas práticas mágicas e a saudação lacrimosa, festas e danças, festa do caium e o mito da terra sem mal.

É com a mesma ração que faremos o esforço para superar o fantástico do imaginário europeu em relaçaõ ao Novo Mundo descrito em vários autores, inclusive More, Montaigne e rosseau, onde o índio balançava  entre o “bom selvagem” a “gente barbaríssema e canibal”.

Os primeiros documentos do colonizador que nos deram notícias da vida dos índios tupinambás foram feitos na chegada dos portugueses:

1 – A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manoel, datada de 1º de maio de 1500, escrita do Porto Seguro da ilha de Vera Cruz.

2 – A carta do bacharel mestre João ao rei D. manoel com amesma data.

3 – A comunicação do piloto anônimo narrando a viagem de ida e volta da frota de Pedro Álvares Cabral.

Na correspondêcia de caminha está claro a admiração pelos aspectos físicos dos índios: A feição dele é serem pardos, um tato avermelhados, de bons rostos  e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência (…).

 Em relação à qualidade de vida e da terra o mesmo Caminha escreveu com fscinação: “Até agora não podemos saber se há ouro ou prata, ou outra coisa de metal ou ferro; nem lhe vimos. Contudo a terra  em  si é de muitos bons ares, frescos e temperados como os Entre douro e minho, porque neste tempo d’agora assim achamos como os de lá. As águas são muitasa; infinitas. Em tal maneira e graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se há nela tudo; por causa das águas que tem (…) (6).

O mestre João, bacharel em artes e medicina, cirurgião do rei, foi o narrador do séu austral. Fazia parte do exercício da medicina daquele tempo o conhecimento da astronomia e astrologia. Foi no dia 27 de abril de 1500 que ele conheceu os tupinambás de Porto Seguro. A sua habilidade de cirurgião-sangrador d corte de D. manuel não teve qualquer utilidade. ele limitou-se a montar o grande astrolábio na praia e determinar a latitude de 17º austrais. o mestre joão estava doente com uma grande úlcera na perna e não fez referência da vida dos tupinambás na sua carta a D. Manoel:  ” Eu tenho trabalhado  o que tenho podido, mas não muito, por causa de uma perna que tenho muito mal, que de uma coçadura se me fez uma chaga maior que a palma da mão (…)“. o primeiro médico a pisar as terras brasileiros somente descreveu a sua própria doença e a latitude que mediu com o seu astrolábio (7).

 

Na retradução para o português ad versão italiana de joão Batista Ramuzio, da obra Navigationi et viagi, escrito em Veneza em 1550 e publicada no Tomo 11 da Coleção de Notícias para a História e Geografia da Nações Ultramarinas, em 1882, está mais uma vez registrada, pela pena do piloto anônimo, a vida saudável que os tupis desfrutavam quando os brancos chegaram “O nosso capitão-mor mandou deitar fora hum batel, para ver que povos eram aqueles, e os que nelle forão acharão huma gente parda, bem disposta com cabelos compridos (…) Estivemos neste lugar sinco ou seis dias; os homens como, já dissemos são baços e andam nus as suas mulheres andão igualmente nuas, ao bem feitas de corpo e trazem os cabelos compridos”. Este autor anônimo escreveu com muita precisão a abundância de alimentos e as condições gerais de vida daquele povo: ” As suas casaas são de madeira, cobertas de folha e ramos de árvores, com muitas colunas de pão pelo  meio e entre elles e as paredes pregão redes de algodão, nas quais pode estar hum homem debaixo de cada uma destas redes fazem um fogo, de modo que n’huma só casa pode haver quarenta ou sincoenta leitos armados a modo de teares (…) A terra é  muito abundante de árvores, e de agoas, milho, inhame, e algodão, e não vimos animal algum quadrúpede (…) tem muito bom ar; os homens uzão de rede e são grandes pecadores; o peixe que tirão há diversas qualidades (…) (8).

Nos  quatro centos e oitenta e sete anos que se seguiram a estes relatos muita desgraça e desruição atingiu as sociedades tupinambás. Elas foram extintas com tamanha brutalidade que os vestígios foram apagados e é difícil avaliar com exatidão a grandeza do genocídio.

Hoje é possível fazer estimativas aproximadas da população indígena da América nos primeiros decênios de colonização. A escola de Berkeley é uma das pioneiras neste estudo e apresenta números impressionantes do desastre demográfico que os povos americnos foeam  submetidos nos séculos XVI e XVII.

Uma sociedade indígena pode ser extinta de dois modos: pela assimilação incosciente dos seus membros de novos valores de outra sociedade dominante e pela morte dos seus membros (9).

É certo que os tupis começaram a ser extintos quando seu mundo mítico foi massacrado pela cruz cristã e pela  morte impiedosa de milhares deles pela espada e pelas doenças trazidas da Europa pelos brancos.

A avaliação da enormidade do genocídio dos índios brasileiros pode ser feito a partir dos estudos mais recentes e setoriais de  alguns grupos que fotam analisados isoladamente. Foi o que aconteceu com os Kayapó do Araguaia. Os padres dominicanos calcularam a população Kayapó entre seis e oito mil pessoas em 1903. Em 1918, estavam reduzidos a quinhentos e em 1929 eram apenas 27. O que aconteceu com todas as sociedades tupinambás naõ deve ter sido muito diferente do que motivou o dsaparecimento dos Kayapós (10).

Eistem cálculos aceitos de que a atual população indígena no Brasil não ultrapassa os cem m9l indivíduos, distribuídos em cento e quarenta e três grupos tribais. Destes, somente vinte e seis falam línguas do tronco  tupi.

Neste período de tempo, pouco menos de quinhentos anos, os tupinambás passaram de

” uma gete parda, vistosa, baça e bem disposta”, provavelmente, com milhões de pessoas saudáveis e possuidoras de um universo sócio-cultural próprio para algumas centenas de caribocas, completamente desculturados, doentes e sem memória que sobrevivem na prostituição e na venda das mesmas quinquilharias que receberam dos portugueses em troca de suas vidas.

 

LEITURA COMPLEMENTAR

 

1 – METRAUX. A. A religião dos Tupinambás. São Paulo, Ed. Nacional USP, 1977 p. XVIII.

 

2 – Para maiores informações ver STRADELLI, E. Vocabulário da língua geral Português-Nheengatu e Nheengatu-Português. São Paulo. Traço, Ed. 1984, p.184.

 

3 –  PISO, Guilherme. História Nacional e Médica da Índia Ocidental. Rio de Janeiro, INL, 1957, p. 75-6.

 

 

4 – Este levantamento das fontes primárias foi exaustivamente feito no estudo da guerra na sociedade tupinambá por  Fernandes, F. Um balanço crítico da contribuição etnográfica dos cronistas in INvestigação Sociológica, Petrópoles, Vozes, 1975, p. 205-289 e João Pancheco de Oliveira Filho. Elementos para uma sociologia dos viajantes in sociedades indígenas e Indigenismo no Brasil, Rio de Janeiro, Marco Zero\UFRJ 1987, p. 84-148.

 

5 – Florestan Fernandes, op. cit., p. 214.

 

6 – História da colonização portuguesa no Brasil. Ediçaõ monumental comemorativa do primeiro centenário da independência do Brasil. Portugal, Litografia nacional, 1923, v. III, p.88.

 

7 – Idem, idem, op.cit. ,p. 105.

 

8 – Idem, idem, op.cit., p. 168.

 

9 – Ver MELATTI, C. Índios no brasil. Brasília, Hucitec, 1987, p. 19-29 e para maiores informações sobre a escola Berkeley em relação à América espanhola ver POMER; L. História da América hispano-indígena. São Paulo, Global, 1983, p. 153-5.

 

10 – Outros estudos domográficos foram descritos por RIBEIRO, B. Quantos seriam os índios das Américas? Rio de Janeiro. Ciência Hoje, mai-jun, 1983, p. 54-6

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A TRADIÇÃO GREGA: Medicina Romano-cristã

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

Medicina Romana

 

Após a terceira guerra púnica, os romanos consolidaram o vasto império no Mediterrâneo, Nos anos seguintes, uma parte significativa da elite, investiu contra a Medicina grega hipocrática.

O historiador romano Marco Porcio Catão, no século II d.C., expõe a sua opinião na carta escrita as seu filho:

 

“Protege-te dos médicos estrangeiros”.

 

Os conceitos gregos da teoria dos quatro humores foram incorpo-rados às práticas de curandeirismo doméstico que utilizava em larga escala as ervas, os banhos e os vomitórios.

Contudo, nos anos seguintes a pressão social, provavelmente, vinda dos estratos sociais intermediários com poder econômico, forçou a legalização da profissão do médico cas, tanto entre os homens livres quanto nos  escravos.

As obrigações do méÁco

eram estipuladas pelo Estado que pa-

gava os seus serviços profissionais.

Sob o império de Adriano, no sé-

culo II d-C-, os médicos eram dispen-

sados do serviço milita e quase todas

as cidades romanas dispunham de mé-

dico ofiáal. Até hoje, 1800 anos de-

poá, nem todas as cidades do interior

do Amazonas dispõerr de méÁcos e as

que os têm, com raras exceções, pos-

suem a instrumentalização mínima ne-

cwsària para o exercício da profissão.

Em tomo do século IV d-C- a

profissão méÁca foi «veramente fisca-

lizada e foi instituído rigoroso exame

para todos que quisessem exercer a

profissão. O império romano subven-

áonava os estudantes de Mediána.

mas em troca eram obrigados a prestar

assistênáa aos pobm. Os médicos fo-

ram proibidos de praúcar o aborto e

negar o atendimento a qualquer doen-

te, sob risco de castigo corporal e mul-

  1. Nesta mesma época, sob o império

de Ihocleciano, no ano de 300 d-C-,

um éÁto do imperador impunha como

 

condição para enwar na escola de Me-

dicina, a apresentação de certificado de

boa conduta fomecido pelo comando

militar da ádade de origem. Esta práti-

ca.ainda hoje é uÚlimda em alguns paí-

ses da América do Sul e no BraJ<ít era

pràtíca comum anos a~às, o “a., estado

de bons antecedentes” constava dos

documentos exigidos para a concreúzá-

ção de matricula nos cursos superiores,

A difereiiáação entre médicos e

cúurgiòes foi reforçada e Cícero falava

dos médicos verdadeiros, o que corres-

ponderia aos clinicos gerais de hoje.

Em seus vemos, Cícero registrou a es-

pecialidade médica: “Cascelio extúpa

ou cura os doentes; tu Igino, queimas

os elos que irritam os olhos, Éros eli-

mina as tristes cicauúes. dos wrvos e

Herrnes goza de fama de ser o Podalí-

rio das hérnias (.,.)”. .

‘ Os historiadores da Medicina

acreditam que o grande número de es-

pwialistas na Medicina romana te&a

sido em conseqüência não somente dos

progressos técnicos, mas principalmen-

te porque as espwialidades eram mais

lucrativas para quem as exercia. Al-

guns médicos especialistas romanos,

como Stertinio, conseguiu formar ver-

dadeira fortuna como fruto do ~aba-

lho médico.

 

Provavelmente, em conseqüéncia

de abusos nos lucros ~obtidos por al-

guns médicos, no ano de 368 d-C- Va-

lentiniano proibiu que os médicos em-

pregados do Império -recebessem di-

nheiro dos doentes pobres. Respeitan-

do novamente as devidas proporções,

o problema continua na luta dos insti-

tutos de assistência médica dos países

pobres, inclusive no Brasil, pela co-

brança indevida de serviços méÁcos

prestados aos seus segurados.

 

As contradiçòes das relações mé-

dico-paciente são as mesmas ao longo

dos séculos. Na realidade, nâo se pode

atribuir somente aos baixos salários

pagos aos médicos dos países do Ter-

miro Mundo, a r~ponsabilidade destes

acontecimentos.

Todos estes problemas éticos e pe-

cuniàrios não irape&ram o apareci-

mento de grand= figu;as na Medicina

romwia. En~e os médicos romanos,

uru dos quais mais .;e destacou foi Ga-

leno, considerado como o sucessor de

Hipócrates e que iria influenáar decidi-

damente a Medicina medieval.

clàqdio Galena nasceu em Pérga-

mo, na Asia Menor, no ano 130 d-C-

Foi sem dúvida o mais famoso médico

do seu tempo. As suas obras, a maioria

perdida, abordavanl a anatomia, a fi-

siologia, a patologia, a simtomatologia

e a terapêutica. Estas obras foram

compihdm e publimdas em Veneza no

ano 1538 e constituiu o principal livro

de consulta dos méÁcos medievais.

Galena sofreu grande influência da es-

cola eclética, cujo prinápal reprmen-

tante foí ácero,

o outro méÁco romano que fi-

cou na História foi Sctrano, rasado err

Éfeso, como o genial Heràclito. Os es-

mitos de Sctrano que foram recupera-

dos são de extrema lucidez e bom sen-

  1. Ele descreve a existência dos obste-

tras, que deveriam ser numerosos, uma

mistura de práticos e mmdos espeáali-

zados, semelhantes às porteiras da

atua%dade. Ao lado deles, Sorano des-

creve os aborteiros,~ que morri punidos

pela lei romana quando descobertos.

Também como hoje, raramente ocor-

riam as puniçòes, porque a sctáedade

aceitava a pràtic3 do aborto, mesmo

send proibido pelo império Romano.

 

£~kl

 

 

Enwe as obras de Sorano d~a-

se o Manud de Ginewlogia, qiue urdu

de orienw#o para os médiws dumnw

. qiuaw quhm Wdos, pmficamente

wm qpalqiuer commW@o. Nc@e ma-

ele dmmve com absoluta pmd-

posiçòm anonnw dos fetw no

grávido: 1) Podàlico com os p&

2) Podàlico com um sò pé; 3)

Sentadoj 8 D© Oltlbm.

do f«o no de-

do parto, ainda hoje,

maior atenção para os

‘ mesmo wm todos os r–

sos anuais.

 

Fmntisplclo do

llvm de aaleno

editado em lS38

que reuniu todas

as obras do

médico mmano a,

que serdu de

oHentacào para

os pmcewmentos

méwcos durante

a Idade Méwa

(Hepmducào

de Hugo Hei.)

 

Sem dúvida a%uma o Imphio

Romano preocupou-« com a pdfica

médica e procurou, através de nonnm

juddims, constituir um serviço público

definitivo. Porém, este inicio foi a par-

tir da assistéáa médica às legiées roma-

nas, que foram as primeiras benefiáà-

rias da sua institucionafizáçào, com a

‘construção de hospitais miliwrm em

diferentes re#ées do imenso Imphio

Romano. O mais famoso deles foi o de

Vindonissa, em Windish, na anual Sui-

ça, com sessenta quartos r capaddade

para 480 doentes distribuídos em enfer-

marias. Do hospital militar.,rara o dvil

foi um passo. Estes hospitais romanos

podem ser considerados como pr~w-

sores dos nossos anuais.

 

A pmmm@o com a saúde pú-

blica erainqiumfionvd. A I~ei das Dom

Tábuas que remonta aos primórdios da

República, estabeledà mornas pam o

wuhmento e qqeima dos mdh-

fora dos mulos da ddade e a wnWn-

çào dos esgotos, como o Esgoto.Màzi-

mo em Roma, que sò swia revWo’no

Wdo XI e urda hoje é udEndo na

parte antiga da ddàdé. ”  ‘

As autoddades públims rúmàm-

vam o mmpnmento das ncrmm qiue

apimentavam a higiene pública. Cs

grandes arqiuitaw romanos, como Vi-

tnívío, mwmendavam a movia de lu-

gum tnwluados pua a con~o

das casm.

 

Alia dos cuidados com a organização das cidades,forarl cons –

truidos centenas de banhos públicos para estimulo da higiene pessoal

Estas ternas,alçuias i~ecuperadas pelos trabalhos arqueolõjicos,co

no a de Diocleciano,en Rorra,nodiaroabrigarem diferentes piscin;.s e

salas de jinistica centenas de pessoas ao mesmo tempo.

 

a

 

llesno considerando a característica sõcio-2olTticò do Impé

rio Rorrano,r:orcantil-escravista, P que ser:iente os hei:;ens livres des

frutavam dessas facilidades1 inevitável a conparaçio com os popula

ções que morai nas norifúrias urbaiias ([as cidades brasileiras que

não dispõen de água para a higiene pessoal e onde os esgotos correr

céu aberto,junto con a brincadeira inocente das nossas arrancas.

 

* João &XO L. Bmdho é pmú- ~

d@ U+m+& do Am~mnm

 

 

A MEDICINA E O CRISTIANISMO PRIMITIVO

 

 

A religião tem sido uma importante fonte para explicar os estranhos fenômenos da natureza e para concretizar o controle social. A origem das divindades, de certa forma, está ligada aos eventos previsíveis e aos infortúnios  da natureza como a chuva, os terremotos, a fecundação do solo, a reprodução dos animais e plantas e muitos outros.

A existência de referências ao binômio saúde-doença no Antigo e no Novo Testamentos é suficiente para estabelecer a estreita vinculação entre o processo histórico de consolidação da Medicina com o cristianismo.

É possível buscar nas origens dessa religião algumas explicações do fortalecimento das relações médico-míticas ao longo da cristianização do ocidente.

Não é demais lembrar que dos quase cinco bilhões de habitantes que hoje vivem no planeta, um quarto deles professam a religião cristã.

O cristianismo surgiu em condições sócio-políticas sob o regime escravista do Império Romano. Nesta época, as massas populares de origem judia, que continuavam fugindo após a Diáspora, tiveram um papel fundamental na sua formação.

É possível que a Medicina que era praticada pelo povo que habitava o espaço geográfico aonde se formava o cristianismo, fosse impregnada dos conceitos médico-míticos do Velho Testamento.

De acordo com os exegetas, as fontes cristãs que remontam às origens do cristianismo não são muitas. Apesar das controvérsias uma das correntes acredita que a mais antiga é o Apocalipse de São João que dataria do ano 68, seguido das Epístolas que teriam sido escritas na primeira metade do século II, dos Evangelhos e elaborados na segunda metade deste século e a mais recente de todas as fontes históricas cristãs que seria o Alto das históricas cristãs que seria o Ato dos apóstolos. Isto quer dizer que até agora não foi encontrado nenhum outro documento cristão que se possa afirmar ter sido escrito no século I.

Por estas razões, é razoável supor que a Medicina praticada pelos cristãos primitivos estivesse mais próxima das práticas médicas judaicas.

A religião cristã no seu processo de formação sincretizou o conceito da doença-castigo já existente há muitos séculos antes do monoteísmo.

Como conseqüência imediata, deve ter aparecido a figura do profeta, que era representado por  um homem especial capaz de ressuscitar os mortos, curar algumas doenças e de prever o futuro. Não se pode afastar a possibilidade de que este personagem mítico tenha surgido a partir dos médicos-sacerdotes que  curavam e adivinhavam os acontecimentos. De acordo com o discurso cristão, Jesus foi também um profeta (Mt 16,14; Lc 7,16; Jo 4,19 e 9,17).

Da Medicina praticada pela massa popular até o Século V, cristã ou não, restaram poucos registros. A maioria deles está nas relações médico-míticas do Novo Testamento. Da exercida entre os detentores do poder econômico e militar, o conjunto de informações é tão grande que ficou conhecido na historiografia como Medicina romana.

É importante que se saiba que esta última foi realmente exercida em benefício de uma parcela muito pequena da população, representada pelos nobres, militares e ricos comerciantes.

No período compreendido entre os primeiros anos da era cristã e as invasões dos bárbaros, no Império Romano, é possível que a Medicina pra-ticada pelas massas  populares fosse composta de uma complexa relação de fatores que envolviam cinco diferentes aspectos: metafórico, taumatúr-gico ético, doutrinário e técnico:

 

1) Metafórico:  é a própria apresentação de Jesus como médico (Mt 9,12; Mc 2,17; Lc 5,31) que foi aumentada nos escritos das fontes cristãs de Inácio de Antioquia (? – 110), Tertuliano de Cartago (? – depois de 220), Cipriano de Cartago (? – antes de 215) e Orígenes (? – 253).

É importante conhecer a distribuição geográfica da catequese rea-lizada com os padres da Igreja. As suas influências alcançaram um extenso território da Ásia Menor, península itálica e África.

É inquestionável a associação cristã da doença com o pecado. Este fato resultou em inúmeras pinturas metafóricas do cristianismo como religião dos doentes;

 

2) Taumatúrgico:  foi resultante  do sincretismo judaico após o exílio ao adotar a possessão demoníaca como a causa do aparecimento das doenças. A partir do momento em que esta possibilidade foi aceita como verdade, surgiu a necessidade da cura milagrosa e do agente curador.

Ainda segundo o discurso cristão, Jesus durante a sua pregação, encontrou vários doentes no seu caminho. Tendo comprovado a existência do poder de Satanás sobre os homens (Lc 13,16), sentiu compaixão (Mt 20,34) e agiu expulsando os demônios dos que estavam enfermos (Mt 8,16).

Os milagres da cura representam  a visão escatológica da Igreja de Jesus, isto é, antecipam o estado de perfeição que os homens encontrarão no Reino de Deus, conforme as profecias.

As referências do Novo Testamento são claras, Jesus veio ao mundo como médico dos pescadores (Mc 2,17) e também como médico para acabar com as enfermidades (Mt 8,17). Os quatro Evangelhos contêm trinta e seis relatos de curas, milagrosas.

A descrição das curas taumatúrgicas no Novo Testamento são das mesmas patologias já consideradas como de origem divina muitos séculos antes do aparecimento do cristianismo;

3) Ético: dos dois aspectos anteriores, nasceu a concepção ética que marcou profundamente a prática médica que permaneceu viva no mundo cristão até nos nossos dias.

A Medicina passou a envolver um sentimento de ajuda ao enfermo como um dever religioso e perdeu grande parte das conquistas racionais introduzidas pela escola de Cós, entre os séculos V e III a. C. hoje é relativamente comum, mesmo entre pessoas que possuem a visão crítica do todo social, a aceitação da premissa ridícula de que a Medicina é uma atividade de caridade.

Apareceu a necessidade de construir lugares destinados ao tratamento dos doentes, de preferência dentro dos mosteiros. O resultado  desastroso desta iniciativa, de manter o conhecimento médico sob o domínio da Igreja, dificilmente será avaliado.

A introdução do consolo aos moribundos e incuráveis, a valorização da dor como alternativa de tratamento. A oração, os exorcismos e a extrema-unção foram definitivamente adotadas;

 

4) Doutrinário:  a doença  como fruto do pecado foi fundamentado por Gregório de Nusa (? – 394) que aplicou os ensinamentos de Platão e de Galeno, o mais famoso dos médicos romanos, na elaboração de uma an-tropologia do pecado para explicar a cura das doenças.

A partir desta fase, começou. Baseados no neoplatonismo, efervescente na época, Anastácio (? – 373) e Gregório desenvolveram uma explicação da origem da doença na história da humanidade e o seu valor na criação  do homem. Eles concluíram que Adão, foi o arquétipo ideal da espécie humana e que antes do pecado original não existia qualquer doença. Legitimaram, deste modo, a milenar associação entre enfermidade e castigo divino;

 

5) Técnico: o aspecto técnico da Medicina com o cristianismo foi liga-do a techne do politeísmo grego. Alguns cristãos ortodoxos como Taciano (110-175) e Tertuliano (? – depois de 220), chegaram a afirmar ser ilícito o uso de remédios prescritos pela techne.

Taciano aceitava o uso das drogas nos pagãos, mas não nos cristãos.:

 

” A cura com remédios, em todas as suas formas, é fruto do engano. se alguém é curado pela fé na matéria, abandona o poder de Deus” (Orat. ad Graecos, 20).

 

Existiu outra corrente com idéias opostas, conforme relatou Eusébio (? – 340). Este grupo cultivava a filosofia aristotélica, a geometria de Euclídes, a ciência natural e a Medicina de Galeno. Chegou a afirmar textualmente:

 

” Galeno era venerado por alguns deles” ( Hist. ecles. V, 1).

A adoção da idéia grega da physis como sinônimo de divino foi a causa da sanção eclesiástica desses estudiosos que tentaram enfrentar a cúpula da hierarquia cristã naquela época.

Este tema foi reaberto por Orígenes (? – 253), que na sua polêmica contra Celso (séc. II) questionou se era Asclépio, o deus da Medicina grega  ou Jesus quem curava as doenças.

Apesar das controvérsias entre as fontes históricas não cristãs, existe uma tendência para aceitar a possibilidade de que o cristianismo no seu processo de consolidação como religião, tentou conciliar a techne grega baseada na experiência e na ração com a idéia do Deus cristão pessoal, criador e transcendente.

É muito provável que tenha sido esta a herança cultural médico-mítica recebida pelos cristãos primitivos e que determinou marcada in-fluência nas concepções do binômio saúde-doença do Novo Testamento.

 

 

 

 

 

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