O FRÁGIL PILAR DA UNIVERSIDADE

Prof. Dr. HC. JOÃO BOSCO BOTELHO

A COOPERAÇÃO

A cooperação protetora continua amparando o ensino das ciências. Não é, sob nenhuma hipótese, tolice supor ter sido diversa a relação com o saber historicamente acumulado, praticado em tempos remotos, quando a sobrevivência impunha, como princípio, a fuga obstinada de tudo quanto pudesse causar a dor.

O padrão cooperativo humano está fincado, a exemplo dos centros da respiração, da audição e da fome, em algum lugar do sistema nervoso central, numa categoria teórica que denomino memória sócio genética (MSG).

A MSG entrelaça em sintonia fina o pensamento e o conhecimento.  Em ininterrupta troca entre o ser e o meio, ajustada no tempo e espaço, é responsável pelo impressionante ajuste em torno de atitudes para escapar da dor e procurar o prazer.  Conforto e desconforto, em níveis pessoal e coletivo, são as chaves acionadoras da MSG.

Homens e mulheres adaptaram-se, fisicamente, às transformações do ambiente.  Em incontestável mistério, na dimensão atômico-molecular, o corpo formou-se no contínuo frenesi de sentir a liberdade de ir e vir, de sacralizar as coisas, de crer em Deus, de explorar e sonhar o desconhecido, da posse da terra para saciar a fome e resguardar do frio.

A história mostra que quando qualquer ordem insiste em limitar esses anseios, ocorre a resistência pessoal ou coletiva com o objetivo de transpor os obstáculos.

Ensinar e aprender estão contidos nessa linguagem mágica de superar os limites dos enigmas que nos cercam no micro e no macro dimensão. Por essa razão, a docência, tanto no espaço sagrado quanto no profano das relações sociais, não acata a intolerância.

UNIVERSITAS X INTOLERÂNCIA

O esforço para agrupar os estudantes da cristandade, no século XII, gerou o Studi generaliza. O ideal universal em volta de uma corporação legal prosperou, no final da Idade Média, em Bolonha e Paris.

Graças ao extraordinário talento humano – a natureza cooperativa – que as universidades têm resistido ás perseguições.

A sobrevivência do professor nos oito séculos de existência mostrou-se difícil. Em certos momentos, quando as perseguições religiosas e políticas avançam com o objetivo de moldá-lo às ideologias.

Foi assim, na Europa medieval, com o cristianismo impondo a supremacia aristotélica, na Alemanha nazista, inspirando o ódio aos judeus e no stalinismo, infligindo toda a sabedoria como simples dedução da dialética marxista-leninista.

Após a II Guerra Mundial, sob o manto dos confrontos político-ideológicos, a intolerância foi renovada e denominada. A dicotomia direita-esquerda invadiu as salas de aula.

No Brasil, a vida acadêmica tanto nas universidades mais antigas, no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, quanto nas muitas fundadas após 1964, antes organizadas em torno dos professores titulados, a exemplo das centenárias bases da hierarquia universitária, estremeceu e ainda está desnorteada perante a violência dos grupos políticos que dominam os colegiados acadêmicos.

Para conter a esquerda, que avançava nas universidades com o maciço suporte financeiro e da propaganda impressa em Cuba e na ex-URSS, o governo militar, em 1964 impôs mudanças, determinando aumento  das provocações orquestradas pela minúscula militância comunista.

Após o fim do governo militar, a esquerda defendendo o pressuposto da redemocratização através eleições em todos os níveis, utilizaram as técnicas do patrulhamento ideológico da militância, herança do stalinismo, impuseram nas assembleias universitária, as regras dos partidos de esquerda.

Em todo o Brasil, num impressionante padrão de obediência coletiva às crenças ideológicas marxista-leninistas, número reduzido de professores, alunos e servidores organizaram as associações, sob o crivo dos partidos políticos identificados com a esquerda, reorganizaram as regras para as eleições em todos os níveis em ininterruptas assembleias, manobradas pela militância obediente.

Sob outro enfoque, mantendo a mesma essência, a político-partidária continuou interferindo na histórica tolerância cooperativa do ensino. Mais uma vez, docentes e alunos inexperientes foram manipulados pela ideologia partidária.

Salvo exceções, as direções dos órgãos universitários passaram a ser disputados como projeto político de profissionais. Um professor com trinta anos de serviço, independente da sua vontade porque a militância instruída mantida os auditórios lotados, passou a ter o mesmo voto do aluno que acabou de passar no vestibular. As regras dessas eleições passaram a ser inquestionáveis porque tinham sido decididas na assembleia dos professores.

O resultado foi a ascensão de docentes inexpressivos sem titulação, sem produção, somente preocupados com as alianças políticas da esquerda, como reitores, pró-reitores, diretores de unidades acadêmicas e hospitais universitários.

Esse tipo de tirania, nascida na Revolução Russa e aperfeiçoada pelos partidos comunistas, é o mais novo e cruel obstáculo a expressão da livre consciência. É denominada de pós-autoritarismo por Václav Avel, o presidente da Tchecoslováquia, depois da dissolução da ordem marxista, no Leste europeu.

O saldo está mostrando-se trágico no imobilismo dos grupos rivais que pregam não é de esquerda, dane-se. Contudo, o mais grave é que atingiu, novamente, a hierarquia da titulação e com isso, a produção acadêmica do ensino e da pesquisa. As universidades públicas transformaram-se em estruturas ideologizadas da esquerda com a função primordial de formar as futuras gerações!

A situação é de tamanha gravidade que os candidatos a cargos eletivos, sem qualquer timidez, publicam folhetins coloridos associando metas partidárias aos dirigentes universitários.

A extensão universitária, criada para levar o ensino para fora dos muros da universidade, característica peculiar do ensino superior do Terceiro Mundo, ao contrário do ensino e da pesquisa cercadas pelos limites das paredes das salas e dos laboratórios, alcança e beneficia, sem esforço, populações inteirasse não tiver o controle acadêmico, pode ser, facilmente, utilizada em benefício de partido ou grupos políticos.  

Em certos segmentos, não é mais possível separar o ensino da política partidária de esquerda. Nessas condições, renasce a temida intolerância e balança o frágil pilar da universidade.

Desde a Idade Média, ferida pela religião, até os dias recentes, ultrajada pela grosseria ideológico-partidária do marxismo-leninismo, e mais recente, das orientações da Escola de Frankfurt, as universidades públicas continuam resistindo às distorções do magistério, urdidas por políticos-professores inescrupulosos voltados as próprias ambições e pelos que nunca foram e jamais serão educadores.

A cooperação protetora, entrelaçada na MSG, manterá aceso o fogo da expressão da livre consciência, o braço desarmado de todas as ciências contra a intolerância.

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