A DOENÇA NA BÍBLIA I

A DOENÇA NA BÍBLIA  I

O MÉDICO SAI DO QUARTO DO DENTE PARA QUE ELE SEJA CURADO PELO SANTO, SÉCULO XIV

 

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

 

E agora, vede bem:eu, sou eu, e fora de mim não há outro Deus! Sou eu que mato e faço viver. Sou eu que firo e torno a curar (e da minha mão ninguém se livra ).Deuteronômio 32, 39

 

 

O  Antigo  Testamento  (AT), afora  o  seu   significado mítico-religioso, também pode  ser considerado também como conjunto  de regras  para o controle social do povo hebreu nos  primórdios  da sua  estruturação sócio-política, quando estava marcadamente influenciado pelas culturas egípcia, mesopotâmicas  (Suméria, Acádia, Assíria e Babilônia) e Cananéia.

A  necessidade de estabelecer as normas da  organização social  levou os hebreus a amalgamar a tradição oral na  Lei, que deveria ser cumprida por todos era inspirada na  irradiação  de uma memória onipotente e justa em si  mesma – Deus. Era na obediência à Lei que os homens mortais se aproximavam de Deus imortal, porque estava compreendida num conjunto de regras culturais, religiosas  e morais, fundamentais para a  sobrevivência daquele  povo. A  máxima de Israel dizia: Escuta, oh! Israel: o nosso senhor ( a Lei)  é nosso Deus, o Eterno e único.

Foi com o amparo inquebrantável dessa  relação religiosa que  se  consolidou pelo AT um dos mais eficazes  conjuntos  de normas  de  saúde pública de que se  tem  notícia, responsável,   em grande parte,  pela sobrevivência do povo de Israel ao longo da sua caminhada.

Com a destruição de Jerusalém no ano 70, seguiu-se  a compilação, pelos sábios e escribas, da tradição oral acumulada, como  alternativa  de manter viva a Lei, fazendo com que  o  Talmude reunisse  esclarecimentos e ampliações dos ensinamentos  bíblicos de natureza jurídica,  teológica , filosófica,  ética, histórica, matemática e médica.

A Medicina contida no AT foi sobreposta pela  da tradição  oral,   transcrita no Talmude,  entre os anos 100 a.C. e 1. 500. Os registros  interpretativos foram feitos pelos sábios rabinos durante um  período,  conhecido como o da tradição oral. O conjunto  de preciosas  informações sobre os cuidados de higiene, dietético e médicos que foi transcrito pelos escribas no Talmude,   acabou sendo  influenciado pelas Medicinas grega, babilônica e  persa. Assim, os documentos rabínicos repetiram algumas premissas  daquelas sociedades, como  a  crença no mau-olhado e a ajuda  dos  amuletos sagrados para curar certas doenças.

No AT, a tentativa de materializar a doença é  percebida a partir do seu sentido em oposição à saúde, sendo esta representada pelo bem e aquela, pelo mal. Dessa forma, foi possível  oferecer um  sentido  histórico-teológico, capaz de formar no pensamento coletivo uma divisão  nítida pelo afrontamento da saúde como bem, luz, justiça, limpeza  e bondade com a doença como sinônimo  de maldade, escuridão, injustiça e sujeira.

O monoteísmo em curso retirou o poder de curar dos vários deuses mesopotâmicos e fazer adoecer e colocou-o no seu próprio Deus. Assim,   Ele  passou  a  ser o Senhor não  só  da  vida  e  da morte, mas  também da saúde e da doença. É a partir dessa análise, presente em várias  passagens do  AT, a aparecimento das enfermidades restou reduzido ou  maximizado ao poder de  um único Deus.

A  saúde e a doença passaram também a representar o poder  de  Deus sobre os homens, oferecidas, respectivamente, como prêmio ou castigo pela obediência à sua Lei. Ficava  relativamente fácil explicar por esse mecanismo o aparecimento das enfermidades nos  pecadores, mas  difícil  de  explicá-las  nos  obedientes e tementes a Ele. Por meio dessa  regra binária de prêmio-castigo,  ficava também confuso caracterizar a hierarquização da falta cometida  e justificar como seriam distribuídas entre os homens as diferentes manifestações  da  vontade  divina, como a  lepra, a  loucura  e  a cegueira,  que os excluíam do convívio social.

Os  estudos  exegéticos  mostram que  esse  vazio  para justificar as doenças permaneceu no monoteísmo até, pelos menos, o período do judaísmo pós-exílico. O certo é que apareceu,   naquela época, a figura do ant-deus como  criatura inteligente, incorpórea,  ligada ao mal  e capaz  de  favorecer o aparecimento das doenças também como demonstração  de  poder para enfrentar  Deus.

A associação simbólica da  doença ao pecado  no  sentido  de mau, escuro e  dor, foi concretizada  antes do monoteísmo  judaico. Em vários  documentos, dos  papiros  egípcios  às tábuas de escrita cuneiforme da Mesopotâmia, que tratam do  assunto,  deixam  bem  clara essa associação. Porém, é nos primeiros tempos da essência teológica judaica que encontramos a doença aceita como contrária  à intencionalidade de um Deus bom.

 

Esta entrada foi publicada em HISTÓRIA DA MEDICINA. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *